Linha Aérea e outros voos - O vento de lado


Este desconhecido vento apareceu-me
num voo a solo em Piper Cub


Não foi neste, foi no CR-AFD



Isto passou-se pouco depois de Vasco da Gama ter saído de Quelimane pelo rio dos Bons Sinais fora, navegado umas 15 milhas até ao Oceano Índico, de novo, tendo depois rumado a Norte em direcção à Ilha de Moçambique a bolinar, a caminho da Índia


Na verdade, no dia 16 de Janeiro de 1498, as caravelas de Vasco da Gama chegam ao sítio onde hoje é Quelimane. O grande Navegador faz aí uma escala prolongada para recolher informações e recuperar a tripulação exausta e doente, com escorbuto. 


Devem ter comido poucas goiabas, devem…



E foi aí, fundeado num rio com margens muito lodosas, onde teve as primeiras informações de que estaria no bom caminho e que mais à frente iria encontrar pilotos capazes de o guiar até à Índia, que resolveu baptizar o rio com um nome digno, a condizer e chamou-lhe rio dos “Bons Sinais”. 



Os moçambicanos nunca lhe mudaram o nome…


460 anos mais tarde, em 1958, era eu aluno Piloto no Aero Clube da Zambézia, em Quelimane, sócio n.º 242.

Rio dos Bons Sinais…

Bons sinais, realmente, do que viria a ser toda a minha futura vida produtiva.



Talão de cota paga


Logo do Aero Clube da Zambézia, 1958
   



Recém largado com 8 horas de voo e 16 anos…(o mais novo em Moçambique) fui fazer mais um voo a solo em Piper Cub J3, manhã cedo porque depois tinha aulas às 8h no Colégio do Sagrado Coração de Maria.



Até dá gosto, só de ver...



(Os meninos e meninas que hoje se queixam de não ter tempo, bem podiam apagar as Play Station os tablets e smartphones mais cedo, dar folga aos dedos dos SMSs e não irem para a cama tão tarde! Já não adormeciam nas aulas e podiam assim fazer desporto antes de lá chegarem. Ou outras úteis coisas. Acreditem que desta maneira há tempo para tudo…)


O encontro com o Câmara, meu instrutor, era no meio da Cidade, junto à Piscina Municipal (inaugurada em 1937!), debaixo da árvore que, é da tradição, Vasco da Gama usava para se reunir com o Sultão. E onde eram sentenciados, na forca, os malfeitores.


Seria por isso que não dava frutos ou já não é a mesma Mangueira? Não sei...


E lá fomos Chuabo Dembo fora, para o Aeroporto. Ia voar sozinho outra vez!




 Quelimane hoje e o seu moderno Aeroporto



Depósito atestado, procedimentos feitos, motor em marcha, lá vou eu, com 16 anos, o maior!, no Piper Cub J3 para a cabeceira da Pista. Nessa altura essa pista ficava no meio de um pântano com as bermas cheias de capim com 2 ou 3 m de altura.



   Cockpit do Piper Cub











A outra pista, a principal, era utilizada pelos aviões da Deta (já havia linhas aéreas regulares em 1958 e desde há muitos anos!) Mas esta tinha boas bermas.



Motor a fundo! Aí vou eu!







Cockpit do Piper Cub













Mas o avião, aconteceu-me pela primeira vez, foge para a esquerda, quase a sair da pista. Imaginei logo que seria o vento cruzado (nunca tinha apanhado vento cruzado até àquele dia).







Solução imediata e espontânea da minha parte: apontar ao vento e sair a 45º com a Pista para a direita (linda manobra…)

Aqui o instrutor começou a suar:

- Como é que aquele gajo vai aterrar aquela merda? Tou fff...eito!"



Não havia rádio nem o aviador de 16 anos estava minimamente preocupado com o vento ou coisa alguma... a não ser voar e aspirar o bom cheiro a gasolina.


Sobrevoei o Chuabo Dembe, o bairro que se vê á direita, na foto do Google acima e passeei-me uns 15 minutos, mas sempre com atenção ao nível de combustível do depósito.


O indicador era um arame espetado numa rolha de cortiça a flutuar na gasolina, cuja ponta saía cá para fora. Mesmo em frente aos olhos, no motor. Quanto mais arame, melhor...

Cumprida a missão, fiz-me á Pista, seguindo os procedimentos habituais.


Canja para o experiente piloto que eu era...



Bonito de se ver...















Mas o Piper teimava novamente em fugir para a esquerda…

Que raio! Novamente!?






Corrigi p/ a Dta. Ficou certo!

Mas voltou a ficar outra vez desalinhado para a Esqda...


- Áh... deve ser o vento de há pouco, pensei. E bem.


Vai daí, apontei o avião ao vento como tinha feito na descolagem e aproximei-me da pista “torcido” para a direita. A olhar para a pista para a minha esquerda, em vez de ser em frente. As asas direitas, à bolina. Mas a progredir alinhado com o eixo da pista


Estava a fazer, sem o saber, um “Crab” para a direita. Nem eu conhecia ainda essa palavra nem o significado: voltar o avião na direcção do vento para compensar o arrastamento provocado pelo vento ao longo de um caminho.


Direitinho que nem um fuso com o alinhamento da pista. 



Mesmo apontado à direita…













"Atão é assim que se faz...”

Concluiu o jovem aviador.
 





Mas não era…não era assim que se ensinava…


Era, neste caso, com asa Direita em baixo (do lado de onde vinha o vento) pé esquerdo metido o necessário, avião sempre alinhado com a pista mas a sofrer forças antagónicas entre o aileron e o leme em posições opostas


Uma aberração!


Que ainda hoje se ensina em muito bom sítio... Ainda hoje.

O meu instrutor quando viu aquilo entrou em pânico:


- O gajo vai partir aquela merda toda!!! Agora é que estou mesmo fff...eito! e suava em bica.



Quando desapareci no capim alto de ambos os lados da pista, ainda todo torcido, no meio de um pântano, ficou tudo á espera da nuvem de fumo...


Mas o jovem aviador (um predestinado!) quase a tocar no chão, meteu pé esquerdo e aterrou como se nada fosse...


Na maior das calmas.

Inconsciente do “perigo” que tinha passado! Foi a minha primeira aterragem com vento de lado. E sem dar pelo que tinha feito realmente.


Nem eu sonhava com o Funchal ou Ponta Delgada…



Mais tarde, 4 anos mais tarde, na Força Aérea ensinaram-me a aterrar com vento de lado: exactamente como eu tinha feito, em Quelimane!  




E já agora, para que se saiba, uma hora de voo, em instrução, custava naquela altura 200$00, duzentos Escudos = 1.


1 a hora de voo. Uma bica e meio pastel de nata...

A Mocidade Portuguesa pagava uma parte, exactamente como hoje acontece aos jovens com menos posses para se iniciarem na Aviação.

(Diga...?!?!?).

E o meu Pai não era propriamente um descamisado...


Claro que eu era da Mocidade Portuguesa.



Obrigado a ser, mas com algum proveito, como se vê....






(Actualizada em 17 de Julho de 2018)







2 comentários:

  1. Não fosse o amigo...o melhor piloto ao norte de Moçambique e a voar um Piper Cub que quase voa parado!
    Espectáculo estas magníficas prosas...

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