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Na Guerra do Ultramar - O Resgate do Tenente Malaquias



Uma história de vários heroísmos que marcaram a minha geração


Esta foi, sem dúvida, uma das mais extraordinárias missões da nossa Guerra do Ultramar




Pela acção em si de resgate imediato de um Piloto abatido, pela acção do piloto do helicóptero ao aterrar no local em que ocorreu, numa das principais Bases da Frelimo no interior de Moçambique, pela preparação técnica ou falta dela dos elementos da Polícia Aérea envolvidos, desarmados, sem protecção alguma no terreno a não ser os três aviões T-6 que freneticamente tentavam dissuadir quaisquer hipotéticos avanços do inimigo, indiferentes às 3 antiaéreas que poucas horas antes tinham abatido um camarada exactamente naquele local.


Dificilmente qualquer outra unidade especial de combate teria feito melhor…
Com apenas 3 homens no terreno, dois aviões e um helicóptero.

  
Nesta história que vos quero contar, os intervenientes não eram Soldados.

Nem desconhecidos.

Embora permaneçam no limbo das muitas coisas que hoje nos importam pouco.

Eram Alferes, Soldados, Tenentes, Furriéis e Sargentos.

Da Polícia Aérea

E Pilotos.


Todos da Força Aérea Portuguesa.


Nunca vi estes factos contados, por isso os conto aqui.

Para que esta memória não se perca e como homenagem ao:

- Manuel Malaquias de Oliveira, um Aveirense, Tenente Piloto da Academia da Força Aérea, ao

- Valdemar Lobo, um Sargento miliciano Piloto natural de Cabo Verde (foi, anos depois, Piloto Chefe dos TACV), aos

- 3 elementos da Polícia Aérea, Alferes Sebastião Tavares de Pinho, Furriel Carlos Félix, 1º Cabo José Fernandes Jorge Simplício 

- 3 pilotos Alferes Miliciano Piloto Baguinho de Sousa Sargento Ajudante Eiró Gomes e Furriel Miliciano Piloto Borges Ferreira.



Éramos todos Combatentes na Província de Moçambique, no final do ano de 1967.


É uma história de vários heroísmos, como tantos outros semelhantes que uma generosa geração perdida de portugueses praticou em todo o vasto Império que éramos, honrando a História, mas que hoje parece envergonhar um país que se amparou nos ombros de tantos desses humildes Soldados Desconhecidos, tentando esquecê-los agora, incómoda memória para os ideais contemporâneos. 

Na exacta medida em que hoje se valoriza quem, por diversas razões que não me cabe qualificar, decidiu não participar e é por isso reconhecido como tendo prestado relevantes serviços à Pátria…


Somos o que somos


Vamos então ao acontecido... 




No dia 14 de Outubro de 1967, na minha função de Sargento Miliciano Piloto da Força Aérea em Comissão Voluntária de Serviço em Moçambique, na Guerra do Ultramar, tive como missão fazer um RVIS (Reconhecimento Visual de possíveis posições do inimigo) no avião T-6 com matricula 1753, a partir da minha Base em Vila Cabral (Lichinga, nome actual), a capital Nortenha do Distrito do Niassa.





Esta missão seria executada em parelha com outro avião do mesmo tipo pilotado por um camarada, o Sargento-ajudante Eiró Gomes, num local que fica exactamente entre Vila Cabral e Marrupa. A Sul de uma pequena povoação que hoje existe e se chama Cassembe, aproximadamente na posição cujas coordenadas são:


 13º 26’ 55 51” S   36º 12’ 12 85” E


O sítio onde o rio Luambala contorna o Monte e a povoação de Cassembe

Chegados ao local, cada um de nós procurou detectar, debaixo da mata densa, sinais de vida recente, nomeadamente palhotas em que o inimigo se abrigasse. Embora à vista um do outro, escolhemos aleatoriamente dois locais diferentes. Eu fui um pouco para Norte do Monte que existe a Sudeste da povoação e o meu camarada procurava mais a Sul, junto ao rio Luambala .

O nosso objectivo era bombardear posições inimigas e por isso íamos carregados com bombas, sem qualquer outro tipo de armamento, como metralhadoras ou rockets.

E por ali nos mantivemos uns dez minutos a tentar descobrir por debaixo das árvores quaisquer sinais de vida, operação nem sempre bem-sucedida porque a camuflagem era muitas vezes eficaz.

Os terrenos por onde eu andava não me pareciam ter sido minimamente alterados por ninguém. A paisagem é belíssima, como em todo o Niassa e a Natureza repousava tranquila, indiferente àquela Guerra que não merecia.

- Forte reacção Antiaérea! Estou a ser alvejado!

Ouço subitamente pela rádio o meu camarada dizer-me.

Num instante aquela beleza, a tranquilidade daquele imenso espaço em que eu voava e com o qual me sentia em comunhão, cobriu-se com um espesso e agreste manto de crueldade. E todo o meu ser acordou de súbito para a dureza dos tempos em que eu vivia.

Aquele meu camarada, que se expressava sempre com grande abundância de argumentos, talvez estivesse a exagerar... Pensei eu. Aquela zona nunca tinha sido referenciada como capaz de conter tão forte presença de elementos da Frelimo.

E como eu ainda tinha todas as bombas, voei para junto dele, a um escasso minuto de voo de mim.

Ele afastou-se, disse-me que já não tinha armamento e orientou-me para a posição que lhe parecia ser a origem de tão inesperada actividade antiaérea.

Já a sobrevoar o local indicado por ele, entre o Monte e o rio, procuro encontrar palhotas ou quaisquer outros sinais de actividade humana recente. Claro está que nada vi, e muito menos fogo de antiaérea.

Isto nos primeiros segundos… porque logo a seguir vi as tracejantes!

Tracejantes, que sulcavam rapidamente os ares na tentativa frenética de me encontrarem. Ainda hoje as vejo com toda a nitidez.

Afinal era um caso demasiado sério e eu tinha que tomar rapidamente uma decisão. Pela direcção das balas, exactamente na vertical, eu devia estar mesmo em cima dos senhores meus colegas naquela Guerra, do outro lado dos argumentos, empenhados em cortarem-me as asas.

E eles queriam-me agora, a mim, lá em baixo…

Pareceu-me (e bem, como mais tarde se verificou) que se largasse as bombas em “salvo” (todas de uma só vez) alguma das quatro que tinha ficaria muito próximo do local dos disparos. Além do mais eu voava agora o único avião no local com armamento e em caso de necessidade não tinha protecção alguma.

Por baixo de mim havia uma vasta área de terreno aparentemente plano, sem floresta, entre um Monte escarpado e um rio, este sim bordejado por uma espessa mas estreita mata.

Decisão tomada, larguei-lhes as bombas em cima com o feroz desejo que fossem até à origem daquelas tracejantes que me rodeavam como formigas inquietas.

Estávamos agora os dois aviões sem armamento. Nenhum de nós estava equipado com rockets ou metralhadoras. Já não podíamos fazer mais nada.

Voltámos então às nossas Bases, como planeado.

   O meu camarada a Marrupa:


 
                                           
E eu a Vila Cabral




Escrito o relatório pelo meu colega mais graduado, o Estado-maior da FAP em Nampula, na ZAC (a Zona do Ar Condicionado…) deliberou que alguém devia ir investigar.





 

























Nomearam o Tenente Malaquias.






Este Aveirense, sempre que ia a Vila Cabral ia a correr a minha casa ver se a minha filha, de menos de 3 meses de idade, estava ou não mais bonita que a dele, 2 dias mais nova.










  










A dele ganhou sempre, aos seus olhos risonhos…

- A minha Carla está mais bonita...

Dizia invariavelmente, com a minha Margarida ao colo…

A Carla nasceu em Nampula a 24 de Julho de 1967.










   A cidade de Nampula, na época



Por uma coincidência estranha, 24 de Julho era o dia da Cidade de Lourenço Marques. A minha filha Margarida nasceu aí no dia 22 de Julho de 1967.

24 de Julho é, ainda hoje, um dia de grande significado para todos os moçambicanos da minha geração 

A Avenida com este nome ainda o mantém porque comemora a data em que o único Presidente Monárquico da França, Marechal Mc-Mahon decidiu, em arbitragem, que a baia de Lourenço Marques pertencia a Moçambique e não ao Transvaal - África do Sul.

Foi este mesmo Marechal que no dia 8 de Setembro de 1855 comandou as tropas que derrotaram o bastião Malakoff, forçando os Russos a abandonar Sebastopol, que agora retomaram à Ucrânia…





O Tenente Malaquias, 15 dias antes destes acontecimentos, confessara à sua mulher, Fernanda, em Nampula, ter a noção que não duraria muito mais tempo. Uma preocupação que o consumia.

Ia ser muito triste ir para debaixo da terra, confessou.
Confrontado com esta atitude, ele insistiu. Devia ser muito triste.

A sua mulher achava que ele estava a ficar com uma cor esquisita, cor de terra. Pesava 60kg e media 1,81m de altura.






Não queria fazer exames médicos com medo de não o deixarem voar mais. Não os fez.

Não podia ver sangue. Quando fez exames para o Ultramar desmaiou ao fazer as análises. A enfermeira, na brincadeira, disse-lhe que ele era pior que uma mulher.

Uma semana depois daquele ataque que o Eiró Gomes e eu sofremos, o Tenente Malaquias chega a Marrupa.

Na 5ª Fª anterior sobrevoou a sua casa em Nampula e despediu-se da sua mulher Fernanda e da sua filha Carla.



Malaquias, Carla e Fernanda, em Nampula. Agosto de 1967

A sua missão era inteirar-se do maior número possível de elementos de modo a avaliar se era necessária ou não uma operação combinada com as Forças Terrestres. Para se decidir que tipo de acção, se com tropa regular ou pelos Comandos.

E no dia 22 de Outubro, um Domingo, saiu com uma patrulha de 3 T 6. De Marrupa para aquele local, para ver o que poderia por lá haver.

Dois dias antes de a Carla fazer 3 meses.

A patrulha era comandada por ele. Nos outros dois aviões iam o Sargento Eiró Gomes e o Alferes Relego.

Este, acabado de chegar da Metrópole (Portugal Continental) após o curso de piloto miliciano, na sua 1.ª missão que poderia ser de combate. mas num avião sem rádio!

Por essa razão, o Relego foi avisado que deveria ficar “lá em cima” enquanto os outros dois iam "lá abaixo cheirar”…

Já no objectivo, cerca de 45 minutos afastados de Marrupa, o Tenente Malaquias disse pela rádio:

- Vou fazer uma passagem, eles disparam, vocês vêem e bombardeiam a origem dos disparos.

O Tenente Malaquias, um piloto destemido, estimado e admirado por todos, tinha dirigido do ar no seu T-6 uma companhia dos Comandos pouco tempo antes para o local de uma outra antiaérea, noutro sítio perto de Metangula junto ao Lago Niassa.

Nós dizíamos que ele tinha apanhado a arma “à mão” porque entrou em combate directo com eles para sinalizar a posição aos Comandos. E a antiaérea foi neutralizada.

Mas naquela manhã não foi assim.

O Tenente Malaquias entrou baixo, a ver...

Na esperança de ser visto e assim desmascarar a posição do fogo inimigo.

No sopé do Monte, naquela zona plana, junto ao rio Luambala que se serpenteava entre árvores de grande porte que já descrevi, um cenário de grande beleza, uma guarnição de atiradores estava há já uns minutos a municiar a arma. 

A mesma de um conjunto de três que tão perto estivera de abater os nossos dois aviões uma semana antes. No silêncio da mata os operadores da antiaérea já tinham detectado há uns bons 15 minutos aqueles barulhentos aviões que se aproximavam.

Estava marcado um encontro.

Foi fácil prepararem-se. E já não era a primeira vez. Tiveram tempo para tudo.

O nº2 da parelha de T 6, o Eiró Gomes, ficou mais atrás e mais acima, como combinado para poder ter outro ângulo de visão. E o 3º elemento, o Relego, ainda mais acima, observava o desenrolar dos acontecimentos, mudo e quedo, sem comunicações rádio e ainda sem nenhuma experiência de combate.

O T-6 do Tenente Malaquias começa a sobrevoar aquele espaço quando a antiaérea isolada, no sopé do Monte à sua direita, mais adiante, já lhe estava apontada. As outras duas estavam perto uma da outra, junto ao rio, mais para a sua esquerda.

O Tenente Malaquias tinha o Monte à frente, à sua direita e o rio ao seu lado. Voava apontado a Oeste. O que via era aproximadamente isto:





O seu olhar procurava balas tracejantes.

E elas não se fizeram esperar!

No chão, o artilheiro com o primeiro avião sempre na mira, não hesitou. Carrega decidido uma primeira vez no gatilho e uma saraivada de balas parte em direcção do avião da frente, fazendo um tracejado de luzes.

O Tenente Malaquias  reage e aponta-lhe as duas metralhadoras e dispara também na tentativa de o eliminar. O Eiró Gomes, mais atrás, também dispara contra a anti-aérea.

Argumentos extremos numa luta feroz de razões naturalmente contrárias.


O artilheiro, experiente de outro episódio recente, frustrado, há tanto tempo preparado para aquele momento único, aguentou estoicamente, esperou pelo segundo exacto, o dedo nervosamente encostado ao gatilho da arma, as balas dos aviões a voarem a toda a sua volta, a mira a voar com o avião, o olho direito enfiado no alinhamento do T-6 da frente, a raiva de guerrilheiro controlada, o pensamento na Pátria que queria Libertar… e então apertou com um pouco mais de força, devagarinho, com toda a certeza do Mundo, aquele pequeno gatilho... Só um pouco mais...







- Fui atingido!


Grita o Tenente Malaquias pela rádio, o braço direito praticamente decepado.


- Fui atingido! Nossa Senhora me valha!


As suas últimas palavras...



E o Relego, lá em cima sem ouvir nada, sem saber de nada, viu o T-6 do seu Chefe entrar pelo chão dentro e imobilizar-se numa nuvem de pó.


Sem arder.

Sem mais uma única rajada de fogo inimigo.

Não fizeram mais fogo.





O Sarg. Ajudante Eiró Gomes, assumindo agora a função de comandante da parelha como piloto mais antigo e qualificado juntou-se rapidamente ao Alferes Relego e fez-lhe sinal para o seguir para a Base, em Marrupa.


O Tenente Malaquias ficou naquele planalto, entregue a si, gravemente ferido, provavelmente já sem vida depois daquela “aterragem” forçada, sem possibilidade de ajuda daqueles dois que tudo viram mas nada mais podiam fazer. E os rádios VHF dos aviões tinham um alcance limitado. Ninguém no Mundo os ouviria se pedissem socorro.

Regressados os dois a Marrupa, entregues àquele desespero, o Eiró Gomes, pela rádio ainda em voo e assim que teve contacto, uma boa meia hora depois, pediu que se preparasse o Helicóptero para se ir recuperar o Tenente Malaquias ao mato.





E já no chão, sem esperarem por ordens superiores de ninguém, deliberaram em conjunto com todo o pessoal maior daquele Aeródromo de Manobra que tinha que se ir buscar o Tenente Malaquias.

O destacamento militar do Exército mais próximo do local do acidente, de seu nome “América”, ficava a 50km. Seria difícil executarem a missão em tempo útil.

O “pessoal maior” era constituído por:

quatro Pilotos de T-6

- Alferes Miliciano Piloto Baguinho de Sousa

- Alferes Miliciano Piloto Relego
- Sargento-ajudante Piloto Eiró Gomes
- Furriel Miliciano
Piloto Borges Ferreira

um Piloto de Helicóptero Alouette III


- Sargento Miliciano Piloto Valdemar Lobo


e da guarnição da Polícia Aérea

- Alferes Sebastião Tavares de Pinho, comandante da guarnição. 




Foto cedida pelo Borges Ferreira

Borges Ferreira à esquerda e Relego


Lobo, Fernando Figueiredo e Cardoso


O Lobo, Piloto do Helicóptero e o Alferes Pinho da Polícia Aérea decidiram imediatamente que iam buscar o Tenente Malaquias, onde ele estivesse, vivo ou morto.



O Alferes Pinho necessitava de mais dois voluntários mas só um outro elemento da Polícia Aérea se ofereceu espontâneamente, o 1º Cabo José Fernandes Jorge Simplício.



   À esquerda o Alferes Miliciano Piloto Ferreirinha. Á direita o Alferes da Polícia Aérea Sebastião Tavares de Pinho



Seguindo as normas decidiu nomear então o mais novo da classe de Sargentos para os acompanhar, o Furriel Carlos Félix, um jovem muito alegre e brincalhão



O Furriel Carlos Félix, meses depois destes acontecimentos






E lá partiram.





A pilotar o Helicóptero ia o Lobo que dispensou o Cabo Especialista do Helicóptero para que não corresse riscos desnecessários e também porque tinham ainda que contar com o peso do Tenente Malaquias, acompanhado dos três elementos da Polícia Aérea, esses sim, indispensáveis.


                                                                                                                                                                         Helicóptero Alouette III

Como armamento levaram apenas armas ligeiras e granadas…

Recordo que os elementos da Polícia Aérea tinham a única função de protecção e policiamento das unidades da Força Aérea e não tinham nenhum treino de combate na mata!

Aqueles três elementos não estavam, de todo, tecnicamente preparados para o que se propunham fazer.


A acompanhar o helicóptero do Lobo descolaram 2 T-6 armados com metralhadoras não só para sinalizar o local ao Lobo mas também para dar a protecção ao resgate do Tenente Malaquias.




Testemunho do Furriel Miliciano Piloto Borges Ferreira:




"Só o Eiró Gomes e o Relego sabiam o sítio exacto da queda do avião, mas dado o estado psíquico em que ambos se encontravam foi decidido que não tinham condições para realizar esse voo.



Os Pilotos de T-6 eram eu (Borges Ferreira) e o Baguinho, sendo que o Eiró Gomes iria como acompanhante em um dos aviões, para indicar o local.


Foi comigo. De lembrar também que tanto o Relego como o Baguinho e eu próprio éramos ainda muito "checas", tínhamos chegado há cerca de 2 meses a Moçambique.

(Eles tinham 21 anos, um curso de pilotagem acabado de fazer, absolutamente nenhuma experiência em combate e uma missão de apoio aéreo sobre 3 antiaéreas com aviões de 1936...)

Com o Eiró Gomes no meu T-6 e o Baguinho na minha asa eu voava muito baixo sobre o objectivo e o Baguinho manteve-se mais alto, pronto para entrar em acção se tal se mostrasse necessário”.



Da esq p a dta: Furriel Borges Ferreira, Alferes Nunes (Instrutor) e Alferes Baguinho de Sousa no dia do Brevetamento
                                                                                                                                                       Foto cedida pelo meu amigo Baguinho de Sousa


45 minutos depois, chegados ao local do acidente, a baixa altitude, o Eiró Gomes, pela rádio, orientou o helicóptero para o local do T-6 caído.




O Lobo localizou logo o T 6 abatido no chão e reparou que o avião tinha caído e parado, sem fazer rasto algum. Não houve, portanto, nenhuma tentativa de aterragem forçada. O trem de aterragem estava recolhido e o capim não tinha ardido.

O terreno tinha sido anteriormente desmatado, com as árvores cortadas pela base das copas. Havia vários troncos nus com mais de 1,5m de altura espalhados por toda a área. Provavelmente um deles arrancou a asa direita do T-6 que ali estava feito uma máquina sem alma, provavelmente um túmulo improvisado.

O local teria sido anteriormente preparado para machambas (hortas) com as árvores cortadas e agora com muito capim já bastante alto, cerca de 2m de altura.


Era afinal um vasto largo de onde se avistavam, não muito longe, grandes palhotas escondidas que agora rente ao chão se viam bem, debaixo das grandes árvores que o rodeavam segundo o Lobo me disse. Albergavam certamente, ou talvez já não, muita gente.

O Lobo não encontro de início um espaço seguro para aterrar o helicóptero perto do avião abatido: havia muitas árvores cortadas, com troncos bastante altos. Um grande perigo para o rotor de cauda, por não se ver o que poderia haver escondido dentro daquele capim tão alto, com a agravante de não ter a preciosa ajuda do Cabo Especialista do helicóptero, impedido de ir a bordo naquela arriscada missão.

O Lobo deu outra volta e encontrou então um pequeno troço de picada e aterrou sem assistência para verificar a segurança do rotor de cauda, sempre a recear o pior.

Aterrou a 50/100m do avião abatido.





Lá em cima, os T-6 do Borges Ferreira e do Baguinho mantinham-se vigilantes, às voltas sobre eles.

O Alferes Baguinho conseguia ver perfeitamente várias palhotas com bastantes sinais de vida actual o que o levou a perceber haver, com toda a certeza, bastante gente que ali vivia actualmente.


O Furriel Félix antes de sair do helicóptero ainda ouviu um dos pilotos de T-6 dizer pela rádio ao Lobo:

- Ao 1º tiro ou sinal de hostilidades dos Turras sai daí!
 
A ameaça bem conhecida das antiaéreas não impediu nenhum dos pilotos que fazia a protecção ao helicóptero de se manter sobre a equipa de resgate, alvos fáceis, a proteger um helicóptero acabado de aterrar, imóvel, o piloto e os três ocupantes completamente à mercê de uma simples pistola, uma catana até, relativamente perto de várias e bastante grandes palhotas dissimuladas.


A gravidade da acção levou aqueles três pilotos a ignorarem por completo que voavam exactamente por cima das três antiaéreas que no espaço de uma semana tinham alvejado 4 aviões a abatido um deles após um breve combate, menos de duas horas antes. 


Testemunho do Furriel Miliciano Piloto Borges Ferreira:

"Eu voava muito baixo sobre o objectivo e o Baguinho manteve-se mais alto, pronto para entrar em acção se tal se mostrasse necessário. Mantive uma especial atenção ao Lobo, completamente exposto".

 

Conta-me o Alferes Pinho da Polícia Aérea, numa carta que me escreveu em Agosto de 2015:

«Gizei um plano em que, depois de aterrarmos no ponto mais próximo possível desse local, o 1º cabo Simplício ficaria dentro do helicóptero com a maca enquanto eu e o furriel Félix avançávamos para junto do avião, colados ao chão e protegendo-nos alternadamente um ao outro.

Um dos meus receios era o de que, no espaço das cerca de duas horas que mediaram entre a queda da Malaquias e a nossa chegada àquele local, os inimigos tivessem armadilhado o avião e a periferia da sua proximidade.»

Os dois mais graduados elementos da Polícia Aérea saltaram do helicóptero e desataram a correr, protegendo-se um ao outro unicamente com as suas armas pessoais em direcção ao avião abatido.

Acho que nenhum destes três jovens sabia exactamente o que estava a fazer mas, como dizia um camarada nosso, Oficial do Exército, “cada um tinha o Inimigo que merecia”.

Escrevi “Inimigo” com letra maiúscula porque este Inimigo mereceu-nos também.

O Lobo tinha aterrado junto da Base Provincial de Instrução da Frelimo, soubemos depois, uma das mais importantes em Moçambique. Onde haveria dezenas de combatentes.


A verdade é que o Furriel Félix os viu perfeitamente. Eles estavam "LÁ mesmo!"

“Nas janelas das palhotas com os canhangulos apontados ao pessoal”, contou-me.



Expectantes e sem reacções.


Talvez paralisados pelo inacreditável da acção.


Se calhar manietados pelo espanto.


Ao ver um piloto de helicóptero aterrar calmamente no meio de uma das mais importantes bases da Frelimo com três simples "polícias" que, praticamente desarmados, avançavam completamente indiferentes ao que quer que os esperasse, com um único objectivo: resgatar o Tenente Malaquias abatido há um par de horas.


Ou talvez tivessem achado por bem que a Força Aérea Portuguesa, perante aquele espectáculo de heroísmo desvairado, merecia que  um dos seus pilotos pudesse ser resgatado. Foi a impressão com que se ficou naquela altura.



Ou então, se calhar, talvez nunca venhamos a saber, resolveram evacuar do local à pressa a maior parte do pessoal para preservar os efectivos, com receio de represálias maiores.


Afinal era uma grande Base de Instrução.

Provavelmente também terá contribuído uma hipotética neutralização da antiaérea.

A caminhada daqueles dois ao afastarem-se do helicóptero na direcção do T-6 abatido, no meio daquele capim, pareceu-lhes uma eternidade. A lutarem contra o capim alto que lhes tapava a visibilidade, sem saberem o que os esperava junto ao avião derrubado, desorientaram-se momentaneamente acabando no entanto por darem com o objectivo.

E durante a corrida atabalhoada que fizeram, encontraram no chão um braço ainda enfiado na manga do fato de voo, que carregaram até ao corpo a que pertencia.

Ainda hoje o Carlos Félix tem insónias quando se lembra do que viu ao chegar ao avião abatido, quando aquela imagem lhe reaparece, amiúde, teimosamente:   


"o Ten/PILAV MALAQUIAS, sentado em cima do pára-quedas a olhar para mim...
Palavras para quê? ...As lágrimas teimam em aparecer".


Relato do Alferes Pinho:


 «Inerte no seu posto, dentro dos destroços do avião em que executou a sua
derradeira missão o corpo já sem vida do Tenente Malaquias
estava semi-pendurado pelos cintos que o prendiam ao assento».


E no helicóptero, sentado no seu posto, o motor a trabalhar, as grandes pás do rotor a girar num crescente nervosismo, aquele barulho todo a soar como um Requiem naquela grande Catedral que era aquele lugar impoluto, o Lobo não tinha a mínima visibilidade. Estava rodeado de mato, capim alto quase à distância de um braço, sem horizonte algum!

Disse-me o Borges Ferreira, que voava muito baixo como se depreende das suas palavras:


"Tenho na minha memória a "foto" dele enquanto esperava: sentado no seu lugar de pilotagem e com a pistola Walter na mão a apontar para a frente".
 

Sem ver absolutamente nada!

Sem saber o que se ia passando!

E esperou...


Sozinho…

Lá de cima os dois aviões de segurança descobriram entretanto um guerrilheiro armado a uns 20m do helicóptero. Fizeram vários voos em picada ao local gritando pela rádio ao Lobo para sair dali porque corria perigo.

Mas ele não podia abandonar os outros três!

E esperou.

Rodeado de capim. Completamente desprotegido.

Esperou...


infindáveis  minutos…

 
Os mais longos 5  minutos da sua vida!


«Chegado o Simplício com a maca desprendemos o corpo já sem vida do Malaquias, colocámos tudo na maca: o corpo, incluindo o braço direito decepado, os acessórios do avião e mesmo as nossas armas pessoais, a minha e a do Simplício, uma vez que fomos nós os dois a transportar a maca por sermos de estatura semelhante enquanto o Félix protegia a nossa retirada. E partimos rapidamente para o helicóptero. Tudo isto feito com a máxima rapidez, em cerca de cinco minutos.»
Escreveu o Alferes Pinho na carta que me endereçou.

Aquela imagem da maca com os restos mortais do Tenente Malaquias com o seu braço direito decepado em cima foi uma visão terrível, confessou-me o Lobo.


Relato do então Furriel Félix numa mensagem que me enviou:



<< A história do Malaquias está contada por quem viveu parte dela pelo ar e a outra pelo que viu ou lhe contaram, a minha, é aquela que foi vivida "in loco",  eu a ver os Turras a espreitar-nos e o Simplício à espera do sinal, para vir com a maca e transportarmos o Ten/PILAV Malaquias, que julgávamos vivo e que infelizmente já estava morto.

No Heli, fui o último a entrar, primeiro a maca, mais o Malaquias, entretanto o Alferes também já lá estava dentro e eu por fim. Quando conseguiram guindar-me para dentro do Heli, "aterro" em cima do já cadáver. Olho para o braço direito colocado ao contrário em cima do peito, olho para a combinação de voo e reparo nas calças levantadas, pele morena, parecia um filme de terror, passei-me dos "carretos"... 

Falas da eventual pouca preparação técnica que os 3 PA's teriam para efectuar uma missão de tanto risco! É natural que sim, porém a raiva que todos sentimos por sabermos que um Oficial que ainda no dia anterior tinha estado a brincar com a sua cadela Diana... tinha sido abatido e quando o telegrafista de serviço ao posto de rádio (era de Gaia), disse a chorar que o Malaquias tinha sido abatido, ficamos em estado de choque.


É uma história que me persegue ao longo de algumas noites de insónia e que a recordo com bastante frequência, nas minhas longas noites de pesca à beira-mar. O mar é a minha válvula de escape para tudo o que passei nos longos 366 dias que passei em Marrupa.

Vá lá que também ainda estou vivo para contar, lembras-te? (dirigindo-se ao Lobo numa mensagem que me enviou para ele) Com tantos tiros dos aviões a darem-nos cobertura, tu aos zig-zagues com medo que atrás das medas de capim estivesse alguma anti-aérea e eu aos saltos para entrar no Héli. Parecia o VIETNAM. Com pouco mais de 20 anos tínhamos que estar preparados para a Guerra, a geração de hoje com 20 e muitos ainda estão com RSI! >>




«Cada um de nós fez tudo o que podia, dentro da pressão das circunstâncias e com o sentido de salvar os despojos de um companheiro e amigo que oferecera pela Pátria a maior dádiva possível, que é a vida» Conta-me o Alferes Pinho.



O helicóptero levantou logo voo com a sua triste carga, os cinco Ilustres Soldados Desconhecidos, um deles já cadáver, em direcção a Marrupa.


Sem nenhuma reacção do Inimigo…

Disse-me o Borges Ferreira:

"O meu T-6 foi o 1754, o vôo demorou 01:30


O louvor da 3ª Região Aérea ao Félix e o louvor ao Pinho citam igualmente que a protecção foi dada por apenas uma parelha de T-6".


Os pilotos de T-6 não mereceram louvor algum...



Poucas horas após estes acontecimentos, portanto nesse mesmo Domingo, sobrevoei o local no T-6 matriculado 1780, sem de nada saber, em trânsito de Vila Cabral para Marrupa, operação já prevista anteriormente para colaborar noutras acções.

Aterrei em Marrupa antes do fim desse dia 22 de Outubro de 1967, no meio de um ambiente de cortar à faca.






Um dos nossos tinha sido abatido…




Eu em Marrupa, por essa altura


A notícia já chegara via rádio a Nampula e o Aeródromo já estava reforçado em pilotos mais graduados para tomar conta da situação. 

A operação há muito planeada em que eu devia participar integrado no grupo dos meus camaradas de Marrupa teria início exactamente ao raiar do dia seguinte, 23 de Outubro de 1967, razão pela qual todos nós pilotos ficámos impedidos de ir velar o corpo do Tenente Malaquias à Vila de Marrupa, a poucos quilómetros dali.

Na altura pareceu-me completamente inconcebível…

Como a minha consciência mo pedia, “fugi” literalmente do AM (Aeródromo de Manobra) num jeep do Exército e fui estar uns momentos com ele, nessa noite ainda, na sua câmara ardente, muito perto da casa onde o meu Pai, a minha Mãe a minha irmã mais nova e eu tínhamos vivido uns seis anos antes.

O meu Pai foi Administrador de Marrupa em 1961/62.

E foi ele que construiu ali uma pista que mais tarde seria o AM.

Já não sei, mas enquanto ali estive, sem mais ninguém no local, não me lembro se numa capela ou numa sala de aula de uma pequena escola primária, a urna sobre uns bancos, devo ter-lhe falado das nossas filhas que várias vezes se tinham “encontrado”, sem nunca se terem visto.

E de como eu o admirava e profundamente lamentava a sua sorte e a da sua família. No fundo senti-me bem por ter representado os sentimentos de todos os pilotos da Força Aérea que não podiam estar ali.

Foi a pequena e sentida homenagem que ele tanto merecia. Como bom português, lembro-me que não o saudei militarmente. Nem me lembrei... Afinal, ali estava agora o Homem, mais que o Militar.

Nem fui ver a casa em que vivi com os meus Pais, pela última vez em que estivemos todos juntos.

Marrupa tem para mim este estigma de felicidade temperada com saudade, distância e tragédia. A lonjura daquilo que amamos e perdemos subitamente, sem retorno.

Onde perdi definitivamente a minha convivência em família. Nunca mais vivi sob o mesmo tecto com o meu Pai.

E onde outra família se perdeu, irremediavelmente, para todo o sempre.

O condutor anónimo do Jeep do Exército que tinha ficado à porta à minha espera levou-me logo de volta à Base.

Um grande gesto de nobre solidariedade. Obrigado amigo.



À direita, de tronco nu, o "Branco" no Jeep AM-32-76 e à esquerda do helicóptero o bombeiro Izidoro


Na madrugada seguinte, ao nascer do Sol estávamos já a descolar em direcção ao objectivo que devíamos eliminar.

Nessa operação, eu fui o Nº 2 a bombardear a posição sinalizada pelo Nº1, o Eiró Gomes. E quando já ia em voo picado, olhos no sítio onde queria depositar a minha 1ª bomba, ouvi-o dizer após ter largado a sua:

- Antiaérea!

Larguei a bomba no sítio, mas não vi nenhuma reacção do inimigo.

Uma semana depois disto, o combate recomeçou no local onde o Tenente Malaquias fora abatido. Junto àquele Monte onde já 8 aviões e um helicóptero, no espaço de uma semana, se tinham encontrado num diálogo tenebroso que tinha que ser acabado!

Desta vez fui eu o encarregue de mostrar a uma Companhia do Exército o sítio exacto das antiaéreas. Tinham-se deslocado por terra, previamente, para o local aproximado mas precisavam de um sinal que lhes indicasse uma posição mais concreta.

Sinais óbvios de que a operação não estava a ser conduzida pelos Comandos…

Como já disse, as antiaéreas eram 3. Duas no fim da clareira, junto ao rio e outra mais longe, no sopé do Monte.

Era a terceira vez que voava por ali e da primeira tinha sido um alvo falhado, por pouco...

Tinha uma ideia mais ou menos precisa do sítio onde estariam as duas antiaéreas mais perto do rio.

E preparei-me para o que me esperava. Teria de avançar sozinho e aparecer sem ser identificado para não espantar os homens das antiaéreas. Os outros aviões apareceriam logo de seguida, mas numa manobra de diversão de modo a permitir ao Exército progredir sem perigo de os bombardearmos.

Se voasse alto talvez escapasse às tracejantes. Mas quanto mais alto maior seria a indefinição da área a sinalizar, tendo em conta que as comunicações rádio entre aviões e Exército funcionavam normalmente muito mal.

A meia altura eu seria certamente um alvo fácil o que muito provavelmente de nada serviria a ninguém, a não ser ao inimigo.

Por incrível que pareça, todas estas conjecturas se deram na minha cabeça no momento exacto de ter de executar a minha missão. Não houve instruções prévias de como a executar. Foi só:


- " Vais mostrar o sítio aos gajos ”…

Pareceu-me que o mais baixo possível seria a melhor solução. Além do “factor surpresa”, eles teriam pouco tempo para se prepararem por não saberem de onde eu vinha e o ângulo de tiro seria demasiado baixo. E se disparassem denunciariam a sua posição ao nosso Exército. 

Sendo assim, decidi apontar de longe ao sítio provável, baixei ao nível das árvores, meti motor a fundo e no sítio exacto fiz uma volta apertada, a subir.

Os camaradas em terra perceberam onde era… mesmo sem ninguém ter disparado contra mim.

E não mais nos contactaram.

Ainda nos mantivemos por perto uns minutos e regressámos depois a Marrupa.

Viemos depois a saber que as antiaéreas tinham sido todas apanhadas!

As bombas que eu largara 15 dias antes tinham caído muito perto das duas armas mais próximas uma da outra, junto ao rio, segundo o relato dos camaradas do Exército.

Havia estragos visíveis.

A arma que atingira o Malaquias deveria ter sido a da base do Monte, já que estava à sua direita durante a aproximação quando foi atingido no braço direito.

Pois bem, destes factos nem uma palavra mais foi ouvida... na altura.

A guerra não podia parar e todos os dias novos episódios nos esperavam a todos.

Não sei pormenores sobre o que teria acontecido mais tarde, muito mais tarde, mas ouvi dizer, sem confirmação, que um elemento da Polícia Aérea se suicidou, anos depois, já na disponibilidade, na sua terra.

Quando resolvi contar esta história procurei documentar-me melhor e tentei contactar o ex-Sargento Piloto Miliciano Lobo em Cabo Verde através de procura na Blogosfera e Facebook.

Pedi ajuda ao ex-Capitão Piloto Aviador António Mira Godinho, meu amigo desde 1967.

Pedi também ajuda ao Ex-Alferes Piloto Miliciano Cardoso Ferreira, meu amigo desde 1967 e mais tarde meu colega na TAP, que obteve a colaboração também do Ex-Alferes Piloto Miliciano Relego.

Tive também a preciosa colaboração do Ex-Alferes Baguinho, hoje colega reformado da actividade de Comandante de Linha Aérea.

Consegui chegar à fala com o Lobo através da sua simpática mulher, Rita, via Skype, onde me contou a história com os fidedignos pormenores que aqui divulgo.

Fiquei então a saber que a Força Aérea lhe reconheceu o mérito tendo sido duplamente louvado: pelo A.B. 5 em Nampula e pela 3ª região Aérea, Moçambique.


Na net procurei também chegar a familiares do Tenente Malaquias.

No Google escrevi o seu nome e na 6ª ou 7ª página depois, encontrei uma referência positiva: o seu nome é o de uma das ruas principais da Freguesia de Aradas, Concelho de Aveiro, a Sul da Cidade, de onde era natural.


A rua fica bem no centro de Aradas e perto da Junta de Freguesia




                                                 
     


No site da Junta de Freguesia de Aradas mandei um email ao Presidente da Junta, David Paiva Martins, que me respondeu:


“Caro Sr. Cavaleiro:

O Tenente Malaquias é de facto o que foi morto em combate em Moçambique em 22 de Outubro de 1967. Consigo, voou; comigo, foi amigo de infância.
Como hoje não consegui falar com a sua viúva, contactá-la-ei na próxima semana e indicar-lhe-ei o seu número de telefone para que ela, se quiser, possa falar consigo.
Os meus melhores cumprimentos.

David Paiva Martins
Presidente da Junta de Freguesia de Aradas”


A viúva do Tenente Malaquias contactou-me dias depois e falámos longamente.


Entre outras coisas fiquei a saber que na pequena Capela do Cemitério de Aradas que mandou construir para que ele repouse em Paz, todos os anos vai lá um ex-militar no dia 1 de Novembro estar com ele uns momentos.

Será um dos membros da Polícia Aérea de Marrupa? Sei que o Carlos Félix não é.

Vamos ter de confirmar no próximo dia 1 de Novembro de 2012 …


(Nem em 2012, 2013 ou 2014 se conseguiu identificar ninguém relacionado com estes acontecimentos)


Como remate conto-vos que o Lobo me disse que o Comte de Esquadra da BA5 na altura, Moura de Carvalho, lhe quis dar uma repreensão por ter arriscado material e vidas no resgate do corpo do Malaquias. Facto confirmado pelo ex-Furriel Félix que estava convencido, ainda agora, que o Lobo tinha sido castigado com 5 dias de detenção…


Por seu lado a viúva do Tenente Malaquias disse-me que o mesmo Moura de Carvalho director da Academia da Força Aérea por volta de 1987, nos 20 anos da sua morte deu o nome do Tenente Malaquias ao Curso da Academia, em cerimónia em que ela esteve também presente.



Soldados Desconhecidos


 E para que se perceba melhor porque é que considero estes Heróis Soldados Desconhecidos, digo-vos a título de exemplo que o Lobo, que foi português durante 35 anos até à independência de Cabo Verde, 10 anos piloto da Força Aérea Portuguesa, com 2 anos de comissão na Guerra do Ultramar, louvado assim



« Pelo Comandante do AB 5 (Nampula) por proposta do Comandante da Esquadra Operacional, porque durante os dois anos que serviu no AB 5, se ter revelado um piloto muito competente e muito sensato na maneira como desempenhou as mais diversas missões operacionais, quer em DO 27, quer em Alouette-II e Alouette-III. Piloto muitíssimo hábil, o seu sangue frio, coragem e capacidade de decisão ficaram bem patentes quando, com risco da própria vida, recuperou um camarada seu que se despenhou no desempenho de uma missão na zona operacional. Piloto muitíssimo hábil, calmo e discreto, o 2º Sargento Lobo primou sempre pela execução das cerca de 500 missões operacionais que efectuou em helicóptero algumas das quais debaixo de fogo inimigo, e em que sempre se mostrou corajoso e consciente da missão do dever. A sua acção na Província foi altamente honrosa, do que resultou prestígio para a Força Aérea (OS Nº 28 de 2 de FEV 1968 do AB 5) »

e assim:

« Pelo Comandante da 3ª R. Aérea (Moçambique) porque no dia 22 de Outubro de 1967 ao ter conhecimento que tinha sido abatido o avião do Comandante do AM 62, se prontificou como voluntário para tentar recuperar o piloto e o material que fosse possível, utilizando o helicóptero por ele pilotado, apesar de saber que o avião tinha caído numa área fortemente infestada pelos terroristas poderosamente armados e que as nossas forças de terra mais próximas se encontravam a cerca de 50km de distância e contando apenas com a protecção de uma parelha de T-6, tendo levado a efeito a sua arriscada missão nas imediações do inimigo, demonstrando com a sua acção elevado dote de coragem, sangue frio e grande desprezo pelo perigo. Militar de muito valor profissional, de notável espírito de iniciativa e cooperação, aliando a estas qualidades muita modéstia e simplicidade que mais as realçam e o tornam um elemento digno do maior apreço e admiração de todos os seus camaradas e superiores (OS Nº 020, de 15 FEV68, do COMRA 3 e OS Nº 49, de 27 FEV 68, do AB 5) »



dizia eu para que se perceba melhor porque é que considero estes Heróis Soldados Desconhecidos,


...o Lobo pediu há tempos a Dupla Nacionalidade.




- Foi-lhe recusada!




“Ditosa pátria que tal filho teve!”

Disse Camões sobre D. Nuno Álvares Pereira, no Canto VIII

Desgraçada pátria que tal filho renega!

Digo eu…





 








 Louvor do Alferes Sebastião Tavares de Pinho:

No “Suplemento” da Ordem de serviço Nº 56 do AB 6, Nova Freixo, publicada em 6 de Março de 1968, Artigo 5º Justiça e Disciplina, consta este louvor:










Louvor do Furriel Carlos Ferreira Félix:

Na mesma  Ordem de serviço Nº 56:




O Furriel Carlos Ferreira Félix, entretanto já 2º Sargento, foi distinguido com o Prémio Governador-Geral de Moçambique, Dr. Baltazar Rebelo de Sousa, Pai do Concelheiro de Estado Professor Dr. Marcelo Rebelo de Sousa.

Foi também agraciado pela Força Aérea como a foto seguinte mostra num recorte de um jornal da época:



  
A legenda da foto é a seguinte:

« Prémio Governador-Geral de Moçambique » - O Secretário de Estado da Aeronáutica, brigadeiro Fernando Alberto de Oliveira, recebeu no seu gabinete o 2º sargento PA Carlos Ferreira Félix, distinguido com o <<Prémio Governador-Geral de Moçambique>>, por acções de campanha. O louvor que lhe foi conferido refere que se ofereceu como voluntário para tomar parte na missão de recuperação de um piloto e material que fosse possível, apesar de saber que o avião tinha caído numa área fortemente infestada de terroristas, que seria diminuta a força transportada no helicóptero e que as forças do exército se encontravam longe da área, para poderem dar qualquer protecção. A audaciosa missão foi levada a efeito com êxito a que não foi estranha a bravura, decisão energia e sangue frio deste graduado como auxiliar directo do chefe da missão. O Secretário de Estado da Aeronáutica felicitou o 2º sargento Ferreira Félix e teve palavras de muito apreço pela forma como tem sabido cumprir a sua comissão de serviço no Ultramar, com verdadeiro espírito de sacrifício, verdadeiro exemplo para camaradas e subordinados. O 2º sargento Ferreira Félix foi também recebido pelo Chefe de Estado Maior da Força Aérea, general Brilhante Paiva, de quem recebeu, igualmente, vivas felicitações. »



O Carlos Ferreira Félix seguiu depois a carreira Militar tendo passado à Reserva depois de estar 12 anos na Base Nato de Ovar como Oficial de Segurança Nato e da Força Aérea, no posto de Capitão da Polícia Aérea.






 


Louvor do 1º Cabo José Fernandes Jorge Simplício
Na mesma  Ordem de serviço Nº 56:









Quem assina esta ordem de serviço Nº 56?


 
















Condecoração e louvor do

Tenente Manuel Malaquias de Oliveira



Ao Tenente Malaquias foi, obviamente, atribuída uma Cruz de Guerra de 1ª classe.







Louvor do Tenente Malaquias



















Quem assina esta ordem de serviço Nº 35? 






 







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E para rematar esta estória...

Cerca de um ano depois destes trágicos acontecimentos, estava o meu amigo Tenente Mira Godinho em Marrupa quando o avisaram que o guerrilheiro da Frelimo que tinha abatido o Tenente Malaquias tinha sido apanhado, provavelmente pela PIDE. E estava preso.

Naturalmente a vontade de descarregar toda a raiva sobre aquele homem acompanhou o Mira Godinho até à sua presença.


Ali estava o homem que abatera o colega e muito amigo Malaquias!

À sua frente!


A grande raiva, a vontade de desforra, de vingança, toda a mágoa contida prestes a explodir se desvaneceu perante um homem como ele. Um simples e humilde ser humano que combatia como nós. Um inimigo indefeso feito prisioneiro.

O Tó Mira Godinho, como os amigos o conhecem, saloio (da zona Oeste dos "saloios") não conseguiu sentir mais nada senão compreensão perante aquele homem que tinha feito o mesmo que nós, combater pelo que acreditava.

Exigiu que o prisioneiro não fosse maltratado e deu-lhe um maço de cigarros e uma Coca Cola.

Contrariamente ao que se conta, o homem não tinha sido mutilado durante aquele combate. Uma única bala tinha atingido somente o punho da sua antiaérea.

E foi graças a esta história que um amigo que a leu, o Olegário Guerreiro Silva alertou o Carlos Félix para entrar em contacto comigo para me dar a sua versão dos factos, o que me levou a refazê-la toda em 2014 de modo a tentar aproximá-la o mais possível da verdade.

Já em Agosto de 2015 fui contactado pelo Ex-Comandante da Polícia Aérea de Marrupa, Alferes Pinho que numa fortuita busca pela Internet deu com este blogue e forneceu-me novos preciosos elementos que contribuíram decisivamente para a actualização de todos os factos que aqui se contam.

O Alferes Pinho passou à disponibilidade como Tenente e é hoje Professor na Universidade de Coimbra.

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Com um pouco de reconstituição da História, espero ter dado um vislumbre do que tantos milhares de portugueses fizeram em 13 anos de guerra, dos enormes sacrifícios porque alguns passaram, alguns trocando a própria vida pela dignificação dos valores que nos ensinaram pagando assim tributo a tantos heróis que povoam os mais de 800 anos de Portugal.

Valeu a pena?

A sensação que muitos de nós teremos é que não...

Aquilo que vivemos parece ter sido atirado contra nós enquanto novos valores emergiram.


Eu não disse Mais Altos.

Disse só novos...


A História de Portugal é uma coisa chata, esquecida, desvalorizada mesmo e que até parece que começou no dia 5 de Outubro de 1910.

Ou pior ainda, em 1974...Num desvirtuado 25 de Abril


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 Outras fotos da época:

Cap Mantovani, Ten Malaquias e Alf Aidos





Da dtª para a esq, Ten Malaquias, Cap Mantovani e outros não identificados



Escudeiro e Ten Malaquias



Ten Malaquias, Alf Firmino Paixão e o cão Leão



 Um interessante documento histórico:



Nesta foto, com o barrete na cabeça, está o ex- Presidente da República, General Ramalho Eanes, na altura colocado em Tenente Valadim.


Cap Mantovani, Gen Ramalho Eanes, Ten Malaquias e Alf Aidos




Capa do Jornal do Liceu Nacional de Aveiro, 1969...


...com a homenagem ao Ilustre ex-aluno Manuel Malaquias de Oliveira



A foto abaixo foi tirada na festa do encerramento do curso de Chipmunk, em Aveiro, em Maio ou Junho de 1960. Nela estão, da esq p a dta, Manuel Lourenço Barbosa Caridade, Ferdinando Antunes Caixas e Malaquias.


Foto cedida pelo meu Amigo Caixas:








 
O Lobo e eu, na Piscina do Ferroviário, em Nampula. 1967







O Brochado em 1º plano, o Relego, eu e o controlador de tráfego Aéreo , civil, de Vila Cabral, Caetano.

  

Fotos actuais do Lobo com a sua mulher Rita Spencer:



















O Carlos Félix com o produto de mais uma noite de insónia


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Ao ler esta história e depois de ver estas últimas fotografias do Lobo, o Carlos Félix ainda me pediu para lhe transmitir estas palavras:


<< Para o Lobo amigo um abraço apertado de amizade, quem te viu e quem te vê, tás velhote, mas com um rosto sereno e uns olhos de Paz, com a certeza ABSOLUTA DO DEVER CUMPRIDO, eu diria, para além do DEVER, pois fizeste a evacuação sem autorização do comando da 3ª Região Aérea (Lourenço Marques), e até hoje estava plenamente convencido que tinhas sido punido com 5 dias de detenção. Vá lá que também ainda estou vivo para contar, lembras-te? Com tantos tiros dos aviões a darem-nos cobertura, tu aos zig-zagues com medo que atrás das medas de capim estivesse alguma anti-aérea e eu aos saltos para entrar no Héli. Parecia O VIETNAM. Com pouco mais de 20 anos tínhamos que estar preparados para a Guerra, a geração de hoje com 20 e muitos ainda estão com RSI! >>




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As fotos aqui exposta pertencem, umas ao meu arquivo, outras colhidas na net ou enviadas pela Viúva do Ten Malaquias, Srª D. Fernanda, ou pela mulher do Lobo, Srª D. Rita Spencer Lobo, Baguinho de Sousa, Carlos Félix, Ferdinando Antunes Caixas e Sebastião Tavares de Pinho.  


A todos muito agradeço.


Obrigado ao Lobo pela contida descrição do que viveu (contida como ele sempre foi) ao Tó Mira Godinho pela identificação dos retratados junto ao Ten Malaquias e outras importantes correcções e actualizações. Obrigado também ao Cardoso  ao Relego e ao Baguinho pelos elementos cedidos.

Obrigado ao Carlos Félix pelo relato impressionante do que viveu e ainda hoje o magoa.

Que ao menos as tuas noites de insónia te tragam a compensação de um bom almoço de peixe bem grelhado...

E finalmente obrigado ao Sebastião Tavares de Pinho pelo relato pormenorizado como responsável pela operação no solo nesta extraordinária acção que tão bem encaixa no espírito do Militar da Força Aérea Portuguesa.

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Do lado da Frelimo este episódio está também oficialmente descrito.

Num documento do Mozambique Liberation Front, (Mozambican revolution, no. 31, Oct.-Nov. 1967) criado pelo Information Department, Dar Es Salaam, Tanzania,  cujo original está arquivado no Boeckmann Center for Iberian and Latin American Studies, (Publisher of the Digital Version: University of Southern California. Libraries):








Página 13 deste documento:









Nesta página pode ler-se:


<< On the 22nd of October, at 3.30 pm. a Portuguese military aircraft was shot down in NGAZELO. It was part of the Portuguese local air force, which had been bombing the whole zone of Marrupa. Our fighters opened fire against these aircraft, three in all, shooting down one of them. Its identification number is T 6 - G, 52-8603, registration number, 1739. Our fighters captured the documents of the pilot - LIEUTENANT MANUEL MALAQUIAS DE OLIVEIRA - and his pistol, no. 113202. The pilot himself was dead. The equipment of the aircraft, which included 6 machine guns, was captured but in the crash it had been damaged beyond repair >>



Mais uma prova de que o resgate do Tenente Malaquias se fez com o óbvio conhecimento e complacência dos responsáveis locais da Frelimo naquele importante local. Sede de uma das suas mais importantes Bases, equipada com 3 antiaéreas.



Esta preciosa informação foi-me facultada pela Catarina Aleixo, filha do saudoso e amigo Comandante Aleixo, que poucos meses depois deste episódio, foi destacado para o AB6, Nova Freixo, como Piloto Miliciano, com quem ainda voei em missões de soberania. 





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Um Documento pouco divulgado:

Cartaz da acção psico-social das Forças Armadas portuguesas.

Um panfleto, lançado aos milhares, de avião.

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 Dois dos Heróis desta história:















 

 

 

 

O Alferes Sebastião Tavares de Pinho, Comandante da Polícia Aérea de Marrupa, que organizou a operação no solo de resgate do Tenente Malaquias.





«Cada um de nós fez tudo o que podia, dentro da pressão das circunstâncias e com o sentido de salvar os despojos de um companheiro e amigo que oferecera pela Pátria a maior dádiva possível, que é a vida.»





Outro dos Heróis que resgatou o Tenente Malaquias, o Carlos Félix, o Felinhos de Paranhos,

morreu no dia 17 de Novembro 2014 às 9 horas da manhã.

 


Sabia que ia morrer e recusou outros cuidados que tentámos proporcionar-lhe.


Descansa em paz que bem mereces...
















(Actualização desta história em 22 de Julho de 2023)