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A minha Força Aérea - O avião é meu. Vou fazer um chouriço!


Saiu chamuscado, o marafado chouriço...


T-33 matrícula 1909


 
T-33 no Museu do Ar na Base Aérea de Sintra


O meu curso de piloto na Força Aérea levou a várias novidades. Foi o P1/62, o tal curso que levou 2 anos a ser brevetado ( os VCCs...) por congestionamento da Base Aérea de Sintra, um curso de T6 feito em Espanha, Salamanca e pilotos largados em T33 antes de serem brevetados... e no posto de soldados rasos!

Foi  esse  o  meu  caso... 

Só que o meu último voo antes do brevetamento foi exactamente o voo de largada em T-33. E fiz dois voos nesse dia 27 de Abril de 1964. O de largada, no avião matriculado 1905, de manhã. 13 gloriosas aterragens, sozinho no avião!. E à tarde, no mesmo avião, para não esquecer, sozinho de novo, fiz mais 8 aterragens.

Começava a realizar-me como piloto...

E logo a seguir os 3 VCCs que estavam na Ota, dois Soldados Alunos Pilotos, o Jeremias Leite da Silva e eu mais um Cabo Miliciano Aluno Piloto, o Ary, rumam à Base Aérea de Sintra para a grande cerimónia da imposição das asas aos novos e orgulhosos pilotos.



Eu à esq. o Ary ao centro e o Leite da Silva


A coisa não foi fácil, em Sintra. Ora não havia "asas" para por ao peito, ora não havia General para as entregar, ora outra coisa qualquer, mas o certo é que a cerimónia levou bastante tempo a concretizar-se. Mais de 15 dias em Sintra.


Mas finalmente lá nos tornámos oficialmente pilotos da Força Aérea!

A sério! Com Asa e tudo!


Em cima, a foto original de 1964 e em baixo alguns dos mesmos, 48 anos depois!

O Brevet, bordado, na farda

No meio de alguns dos septuagenários do meu curso, estou de camisa azul aos quadrados

O meu brevet tem o Nº 953 do dia 1 de Maio de 1964.

Fui incorporado na Força Aérea no dia 4 de Maio de 1962, exactamente 2 anos antes do brevetamento...

E lá voltamos à Ota mas já como Cabos Milicianos Pilotos. E o Ary como Furriel

Os meus Instrutores (eram gémeos - comecei com o irmão mais "velho" e acabei com o mais novo, mas por vezes trocavam) acharam  que um mês sem voar não seria muito saudável para um recém-largado fazer o primeiro voo a solo. E vai daí, fomos fazer mais umas voltas de pista.

Estava-mos no dia 18 de Maio, de 1964. Avião T-33, matriculado 1912.


O meu local de trabalho
Voltas de pista... uma espécie de voltas de pista, porque o meu instrutor, depois do toca e anda que eu executava fazia uma quase chandelle, uma volta bem apertada a subir que termina em voo mais ou menos invertido, altura em que numa manobra rápida se endireitam as asas e se fica a voar normalmente. Parece terrível mas dá muito gozo...

Implica "meter" uns 2 Gs, ou seja na manobra aumentamos cerca de duas vezes de peso com a volta muito apertada. E nós aparecíamos assim no início da perna base, a 90º com a pista, sem eu saber ler nem escrever e prontos para a aproximação final e aterragem

- Vá, o avião é teu! Aterra.

E lá me aprimorava eu cada vez mais e aterrava o melhor possível.

E ele borregava e fazia outra chandelle.

E fazia mais outra chandelle.

E eu aterrava.

E mais outra chandelle...

Isto 8 vezes seguidas.

T-33 1914

Há um mês sem voar, a minha cabeça já fazia chandelles autonomamente.
 

O cansaço começava a apertar e no entanto as aterragens saíam cada vez melhores.
 

- Agora estás bem, é mesmo isso que eu quero!
 

- OK, o avião é meu, vou fazer um chouriço!

  
E... uma última chandelle!
A coisa saiu a muito baixa altitude e aquele tip tank vermelho na ponta da asa, do lado direito, a rapar as árvores, era uma imagem extraordinária de se ver… especialmente com o cansaço de 8 toca e anda, seguidos daquela meia manobra mais ou menos acrobática.

Estamos na final para a última aterragem e eu de mãos a abanar a apreciar a paisagem porque era o Instrutor a aterrar e eu não tinha nada que fazer.

Lembro-me de ouvir, lá muuuuito ao loooonge na final curta, mesmo antes da aterragem, uma espécie de buzina tocar.

Muito baixinho, muito a medo...

Tão baixinho que ninguém ligou…

Quando poucos segundos depois ouvi o meu instrutor aos berros olhei em frente e vi o nariz do avião quase a tocar no chão, na pista e pensei que a roda de nariz não tinha saído! Mas depois percebi que nada do trem de aterragem tinha saído!

O trem de aterragem não tinha sido baixado, por esquecimento nosso.

Estávamos em plena "papada" (aterragem sem trem) já sem velocidade para abortar a manobra! O avião estava a deslizar na pista. Sem trem!

1500’ de pista depois (uns 500m), a arrastar o alumínio por ali fora, sem controlo, faíscas por todo o lado, muita fumarada a entrar pelo cockpit dentro, o avião parou!

Sem sinais de fogo mas com muito fumo ainda à volta.

Desligo tudo, inclusive a bateria que só se podia desligar no lugar da frente (o lugar do aluno piloto já que o instrutor vai atrás) levanto-me e ponho logo o pé no chão, coisa estranha para quem estava habituado a usar a escada com vários degraus para descer do cockpit…


Sãos e salvos, incluindo o avião sem estragos de maior.






Verdade ou mentira?
Está ou não perfeito?


Se querem imaginar como deve ter sido, vejam este vídeo
que o meu Amigo Mário Sérgio Felizardo me sugeriu:


(Foi mais ou menos assim, mas sem espuma na pista nem bombeiros...) 

Na aviação costuma dizer-se que existem dois tipos de pilotos:

Os que já fizeram uma "papada" e os que dizem que não hão-de fazer uma...

No dia seguinte começou logo a investigação do acidente.


Mas antes tenho que dizer que o avião não chegou a tocar no chão, ou melhor, a fuselagem.

Foi a mais perfeita das aterragens!

"Gastaram-se" os speed-brakes, por debaixo da fuselagem e os flaps. Afinal, a origem das faíscas e do fumo, que era pó de alumínio moído pela fricção. O Pitot, sonda que mede a velocidade, debaixo do nariz do avião, não tocou no chão. Os tip-tanks nas pontas das asas, ficaram intactos. Querem melhor?

O Comandante da Esquadra, Tenente Vasquez, na manhã seguinte, ouviu-me em privado. Contei-lhe tudo que sabia e me lembrava.

- E a buzina?

- Ouvi mas muito baixinho na parte final da aterragem.

- E depois de cortar a bateria?

- Não ouvi buzina nenhuma!

- Ó Cavaleiro, disse-me ele, você está a julgar que queremos entalar o seu Instrutor, mas isto é uma Investigação de Acidente. Queremos saber TUDO o que aconteceu e ninguém vai ser penalizado por nada.

Após uma pausa para eu respirar, voltou à carga.

- Então, a buzina?

- Não tocou!

- Ok. Amanhã continuamos…

No dia seguinte o diálogo foi exactamente o mesmo e acabava sempre do mesmo modo: 

- Não ouvi buzina nenhuma depois de cortar a bateria.

O que se passava era que a buzina estava directamente ligada à bateria e portanto, cortando-se ou não a bateria, tinha de tocar e devia ser audível no meio do silêncio do reactor parado. E ela tinha tocado ainda em voo. Baixinho, mas eu ouvi-a. Mas depois de cortar a bateria...

- A buzina não tocou!

- Ok, Cavaleiro, você vai passar pela vergonha de termos de colocar o avião em cima de cavaletes, simularmos a situação e você vai ouvir a buzina tocar! Então?

Pensei duas vezes e respondi-lhe, finalmente, mas muito enfiado:

- A buzina não tocou!

- Muito bem, até amanhã!

T-33 1913

E no dia seguinte apareci no hangar à hora indicada, avião já nos cavaletes, toda a Manutenção a olhar para mim e a pensar, certamente, umas coisas simpáticas, o meu Comandante de Esquadra a controlar tudo, um ambiente de cortar à faca, para mim.

Tudo a postos! 


- Ok! Desliguem a bateria!


Silêncio… só silêncio, para espanto de todos.


Afinal a cablagem tinha sido mal montada naquele avião e o esquema eléctrico não estava de acordo com o Manual. A buzina devia tocar, estava OK, mas, para grande alívio meu, não tocou! Ali, à vista de tanta gente.

Alguém se tinha enganado ao montar a buzina.

A minha palavra passou a valer ainda mais e ganhei uma confiança  ainda mais forte com o Tenente Vasquez que nunca me pressionou com ameaças e também com os meus instrutores porque me bati pela verdade e não cedi ao medo de me entalar, contribuindo assim para a Segurança de Voo, razão última daquela investigação.


E tudo isto por causa de um chouriço…

O autor, em 1964, com o traje de gala


Desenhado por mim em 1964

Nota:

Algumas imagens pertencem

a ilustres desconhecidos

a quem peço desculpa

por não os nomear.




(Actualizada em 26 de Abril de 2014)







2 comentários:

  1. DESTA SITUAÇÃO,NÃO ME LEMBRO.
    NO ENTANTO,ASSISTI A UMA SEMELHANTE,COM O MESMO TIPO DE AVIÃO NA OTA,TAMBÉM.MAS AÍ,FOI MUITO MAIS GRAVE,INFELIZMENTE.A IMAGEM QUE AINDA HOJE TENHO NA MEMÓRIA,FOI O AVIÃO A ARDER E UM ALUNO,DO MEU CURSO EM CIMA DO DITO A PUXAR PELO PILOTO,QUE LÁ ESTAVA ENCURRALADO,PRESO NOS PEDAIS DE COMANDO.O AVIÃO CONTINUAVA A ARDER E COM FORTE PROBABILIDADE DE EXPLODIR.NO ENTANTO ESSE DITO ALUNO,CONSEGUIU PUXANDO TIRAR O PILOTO,MAS INFELIZMENTE.....

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    1. Coisas da aviação. O que sai bem a uns nem sempre corre bem a outros. Sabemos que é assim mas amamos os aviões de qualquer maneira. Obrigado pelo comentário. Gabriel C.

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