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Linha Aérea e outros voos - Borrego em Bogotá


(Em linguagem aeronáutica, "Borregar" significa abortar uma aterragem)



Esta é uma história sobre um dos mais difíceis acontecimentos da minha vida aeronáutica.



Ilustra toda a grande complexidade do que é a Aviação Comercial.










 
 

Revela também porque é que a TAP é desde sempre uma das mais Seguras Companhias de Aviação do Mundo.
 

E como é tão importante uma boa formação técnica, a todos os níveis, dos seus pilotos.
 

Orgulho-me de ser piloto da TAP (reformado mas SOU!) e de ter pertencido aos quadros de instrução como Instrutor de Simulador e Verificador de Linha.
 

Esta história, que protagonizei, pretende mostrar como de um brevíssimo momento para o outro, em Aviação Comercial, uma situação aparentemente normal passa, em milésimos de segundo, para um potencial cenário de grande tragédia.
 

E como todo o Saber adquirido por um Piloto vem ao de cima.
 

Neste caso o meu Co-Piloto no momento.


 

Vamos à história...


Em meados de 1994, um grupo de Pilotos da TAP chegou a Buenos Aires para fazer o lançamento do novo avião das Aerolíneas Argentinas, o Airbus A310 que já voávamos na TAP, num acordo entre as duas Companhias e os Sindicatos de Pilotos de ambos os países
 

Os Argentinos pretendiam inaugurar duas novas linhas, entre Buenos Aires e Nova Iorque em voo directo, em A310 e Buenos Aires e Los Angeles, via Bogotá ou Lima.
 

Já operavam a linha de Nova Iorque em Boeing 747 mas com aterragem intermédia em Miami,
 

No seu centro de Instrução deram-nos uma breve explicação sobre a operação nos aeroportos em que íamos operar e que ainda não conhecíamos.


Até podia ser eu a aterrar em JFK...



Sobre Bogotá e o seu Aeroporto Internacional El Dorado, foi-nos dito que ficava num planalto cercado por montes numa espécie de grande buraco.

E que avistá-lo no meio dos morros era simples.

Havia sempre um grande cúmulo-nimbo (uma grande nuvem de desenvolvimento vertical acentuado, associada a trovoadas, fortes aguaceiros e rajadas de vento) sobre o Aeroporto… era só olhar à roda para ver onde ficava Bogotá. Um pouco anedótico mas não fugia muito à verdade.

 


Da Wikipédia:
 

«O Aeroporto de Bogotá é o primeiro aeroporto da América Latina pelo movimento de carga e de passageiros (ano de 2005).

O Eldorado ou El Dorado é uma antiga lenda narrada pelos índios aos espanhóis na época da colonização das Américas.

Falava de uma cidade cujas construções seriam todas feitas de ouro maciço e cujos tesouros existiriam em quantidades inimagináveis.

É uma lenda que se iniciou por volta de 1530 com a história de um cacique ou sacerdote dos muíscas, indígenas da Colômbia, que se cobria com pó de ouro e mergulhava em um lago dos Andes.

Inicialmente um homem dourado, índio dourado, ou rei dourado, foi depois fantasiado como um lugar, o reino ou cidade desse chefe legendário, riquíssimo em ouro.

 


A balsa Muisca que está no “Museu do Ouro” de Bogotá, acabou por se tornar a imagem indissociável da história do El Dorado.


A Balsa Muisca foi achada numa gruta, no município de artesãos Pasca, ao sul de Bogotá, em 1856 por três camponeses, entre outros numerosos objectos de ouro.
 

A balsa retrata os Muiscas realizando na lagoa uma cerimónia que foi dado o nome de El Dorado. Nela o herdeiro do cacique, coberto em pó de ouro, toma posse de seu mandato com uma grande oferta aos deuses. Essa representação aparece no centro de uma lagoa rodeada pelas principais chefes e seus seguidores, todos enfeitados com ouro e penas.»

 
 

Bogotá ficou-me para sempre guardada como uma cidade encantadora, com uma vivência um pouco mágica, de gente muito afável, mas com a sombra do conflito com a guerrilha sempre presente.


   - O Museu do Ouro é absolutamente fabuloso!


E é tão rico que tem permanentemente 7 exposições temporárias a circular pelo Mundo.

E Bogotá tem também muitas lojas de venda de esmeraldas lindíssimas.
 

Voltando à história do "borrego", a Aerogare estava na altura em remodelação. Tinha uma parte pequena muito moderna, mas o resto…
 

Era tudo tão mau que recentemente tinham resolvido demoli-la e fazer tudo de novo, de tal modo a estrutura era deficiente.

Aeroporto Internacional El Dorado, de Bogotá

Nos voos de e para Los Angeles ficávamos em Bogotá, alojados no Hotel La Fontana. Muitíssimo simpático.
 

Num desses voos, em trânsito de Los Angeles para Buenos Aires, a aproximação e aterragem coube ao Comandante Henrique M. que na altura era o meu Co-piloto naquele voo. Fizemos o briefing com mais detalhe, naquela noite, porque a aproximação iria ser de precisão dado os bancos de nevoeiro que cobriam quase todo o planalto.
 

Numa situação destas, o piloto “not flying”, aquele que não está aos comandos e não vai aterrar, além dos procedimentos gerais, deve olhar para fora até ao possível contacto visual com a pista.
 

O “pilot flying” esforça-se por seguir rigorosamente o que lhe é pedido electronicamente no painel de instrumentos.
 

E só pode olhar para fora se e quando, na altitude mínima legal para ver a pista e poder aterrar visualmente, a zona de aterragem estiver com visibilidade para tal.
 

Naquela noite, neste ponto exacto do nosso voo, a poucas dezenas de metros de altura, a cabeceira da pista e o ponto onde iríamos tocar nela, estavam com razoável visibilidade.
 

Legalmente estávamos em condições de prosseguir para a pista e eu, cumprindo o procedimento de “pilot not Flying”, confirmo ao piloto que está a pilotar que podemos continuar a aproximação e aterrar.
 

E aí trocam-se as posições: quem vai aterrar olha para fora e quem não está aos comandos preocupa-se com o que os instrumentos dizem, não vá a o “pilot flying” distrair-se com a pista e esquecer algum item importante…Mandam as regras.
 

E é neste momento que o Henrique M. põe suavemente o avião no chão, reduzindo simultaneamente a potência dos reactores.
 

Eu tinha espreitado, milésimos de segundos antes, para fora e o farol de aterragem iluminava perfeitamente a linha central da pista. Tudo certo.
 

E foi no exacto momento que voltei a olhar para os instrumentos que o meu Co-Piloto, inexplicavelmente, resolve aplicar potência máxima, empurrando as manetes todas à frente, motores a fundo.
 

Em menos de milésimos de segundo achei que devia intervir. Aquilo não fazia sentido nenhum! Estávamos no chão e ele estava a meter a potência toda!?
 

Ponho a minha mão por cima da dele e preparo-me para o forçar a cortar novamente a potência, antes que fosse demasiado tarde.
 

E é nestas alturas que toda a experiência, bom senso, calma, muita necessidade de decidir rapidissimamente nos levam a um terceiro estádio seguido de decisão, em minúsculas fracções de tempo:
 

- Eu confio no Henrique M. Se ele está a borregar é por algo que eu não sei neste momento. Se eu o contrariar, agora, neste preciso momento, vamos criar um conflito entre os dois que vai acabar em tragédia.
 

Tirei a mão de cima da dele, sobre as manetes dos reactores e executei os procedimentos de “pilot not flying” que me cabia fazer, agora que estávamos novamente no ar. Quando o voo estabilizou virei-me para o Henrique e perguntei-lhe:
 

- O que é que aconteceu!?
 

- Assim que o avião tocou no chão entrámos num banco de nevoeiro e eu deixei de ver a pista. Àquela velocidade, sem ver a pista, os faróis todos acesos a bater no nevoeiro, como é que conseguia terminar a aterragem? Assim, fomos logo para o ar, com a muita velocidade que ainda tínhamos e a potência máxima já metida.
 

Fiquei perfeitamente esclarecido e 100% de acordo com aquela segura decisão.
 

E o facto de termos utilizado toda a potência daqueles grandes reactores mesmo ao nível da pista, fez com que o muito calor gerado e a forte deslocação de ar tivessem varrido o nevoeiro e a aterragem que foi feita logo a seguir não tivesse tido necessidade de procedimentos especiais. A visibilidade foi boa até o avião parar.
 

São estes pormenores que fazem com que, tantas vezes, na Aviação Comercial, as vidas de muita gente que viaja confortavelmente sentada em boas poltronas, a breves minutos de encontros tão esperados, têm o destino a andar numa roleta, sem o saberem…
 

E por vezes os passageiros ainda deixam o avião a atirar “piropos” ao Comandante que deixou bater com força o avião no chão durante a aterragem.
 

Mas é mesmo assim...



(Actualizada em 30 de Abril de 2014)


2 comentários:

  1. Também vi(vi)esta.
    Sim, foi emocionante. E o que nos passa pela cabeça naqueles decisivos milisegundos?: Fico? Vejo já a seguir e não tem problema? O banco de nevoeiro é maior e não consigo manter o avião na pista?
    O mais seguro é ir embora!!! Toga e Go around flaps para uma nova e feliz aterragem. Obrigado pela (boa) gestão da situação, pelo debriefing e pela amizade.
    Henrique

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    1. Meu caro Henrique: aparentemente um simples borrego mas para quem está por dentro percebe a complexidade da situação perfeitamente incomun. Modéstia à parte acho que fizemos jus à boa escola que é a TAP, com enorme mérito para a tua actuação. Grande Abraço!

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