Capítulos

Um vídeo - Angie Vazquez canta Adele



Angie Vazquez, uma menina de 10 anos com uma voz poderosa
e os seus dois muito jovens irmãos interpretam um grande
sucesso de Adele:

"Rolling in the deep".






  


   Para ver aqui:

Um vídeo - Carminho e Pablo Alborán

Um belo momento de comunhão Ibérica
 Carminho e Pablo Alborán cantam
Perdóname "

Ver o vídeo no fim das imagens





Clique aqui para ver o vídeo



Linha Aérea e outros voos – O acidente do Funchal - O dia seguinte




Estatisticamente, pelo número de passageiros já transportados, pelas horas de voo já voadas, um grande acidente com um avião da TAP deveria ter acontecido vários anos antes do fatídico dia

19 de Novembro de 1977


Por essa razão, pela falha contínua de todas estas estatísticas, a TAP se mantém, desde sempre, como umas das companhias aéreas mais seguras do Mundo.


E dadas as características da pista na altura, esse acidente só poderia ter acontecido no Funchal e portanto com um B 727.

E na pista 24, tão esquecida da limpeza da borracha.

E por diversas razões, que aqui não cabem, num B 727-200.



O B 727-200 CS-TBR



(Meses depois do acidente, por eu ter tido problemas de travagem num Boeing 727-100 no início da pista 36 em Lisboa, junto à rotunda do relógio, só deixei o Aeroporto depois de vários telefonemas meus que levaram ao encerramento imediato daquela pista, para a remoção da borracha.

Eu era Instrutor de Simulador e Verificador e essa condição foi uma alavanca.)


Já se passaram mais de 36 anos sobre a data desse acidente.

Das minhas escalas de serviço naquele mês de Novembro de 1977, fazia parte um voo ao Funchal no dia 20. Com apresentação às 6 horas da manhã no Aeroporto da Portela. Eu morava nos Olivais e bastava-me portanto acordar uma hora antes.

Na véspera, no dia 19, antes de me deitar resolvi ligar a televisão e dei de caras com a terrível notícia. 

O acidente no Funchal!

Acto contínuo, decido ir imediatamente para as Operações da TAP, no Aeroporto, dado que não conseguia telefonar para ninguém e tinha uma necessidade imperiosa de saber o que tinha acontecido realmente.

E ali estive umas horas em conversa com os muitos colegas que decidiram fazer o mesmo. Todos nós nos colocámos à inteira disposição da Companhia para colaborar como pilotos em quaisquer voos extra que fosse necessário fazer.

E assim se decidiu que a Comissão de Inquérito seguiria num voo que ficou escalado para a hora do meu voo anteriormente programado, seguindo eu no terceiro, por volta das 9 horas da manhã.

Ainda hoje acho que a troca se ficou a dever à minha pouca experiência, na altura, naquele Aeroporto… A Comissão de Inquérito cuidou-se…

Voltei para casa seriam umas 4 horas e tentei descansar. Em vão, claro. E pensei que não estaria, poucas horas depois, nas melhores condições para fazer aquele voo e logo para o Funchal, que ainda estava sob muito mau tempo.

E quem é que estaria, naquele dia, em melhor estado do que eu?

E lá me apresentei, poucas horas depois de uma noite de quase insónia, tentando ostentar o melhor aspecto físico e anímico possível. Tinha 36 anos e não era difícil “enganar” os tripulantes que tinham o azar de ir voar comigo, um inexperiente Comandante no Funchal, com 17 dias de prática e que iria fazer o seu 4º voo para lá. Toda a gente sabia…

Não terá sido só por isso, mas quando me apresento dou de caras com uma tripulação esfrangalhada, nervos destroçados, lágrimas nos olhos, vários amigos perdidos, encontros que nunca mais se voltariam a dar. Um grande e sério drama para o qual eu não tinha a mínima preparação e que me apanhou completamente desprevenido.

Não sei onde fui buscar tanta calma, tanto à vontade, mas tinha de fazer alguma coisa pela minha tripulação que naquele momento, sentia-o, estava completamente dependente do meu auto controle, da minha serenidade e da capacidade de me superiorizar a todo e qualquer outro Comandante.

Refiro-me à atitude, como é óbvio…

Consegui uma salinha onde nos reunimos todos e disse-lhes que me sentia muito bem, bem dormido e descansado, que tinha uma longa experiência de 7 anos de piloto na Força Aérea e 6 anos já na TAP, estava completamente desinibido perante a situação e que aquele voo iria correr muito bem. Todos nós voltaríamos a nossas casas no fim do dia, dever cumprido.

Nós tínhamos que colaborar, especialmente naquele dia, deixando para trás os nossos problemas, esquecendo, por umas horas, o acidente. E mantendo a cabeça fria, enfrentar com confiança aquele dia que teria de ser um dia normal de trabalho. Igual aos outros.

Fui convincente. Tão convincente que até me convenci a mim mesmo…

E tudo correu bem. Naturalmente com os imprevistos sempre possíveis.

Boeing B 727-100
A começar por um pedido que me foi transmitido pela Escala da TAP no Funchal, em voo e ainda antes de aterrar. Precisavam que fossemos, a partir do Funchal, fazer dois voos extra a Porto Santo para o transbordo de passageiros chegados da Venezuela em aviões de Longo Curso que não podiam aterrar na pequena pista do Funchal.

O que significaria aterrar 3 vezes seguidas naquele agora fatídico Aeroporto, quando só nos cabia, por escala publicada, tentar que a única aterragem que tínhamos programada corresse bem…

Como os ânimos não davam para pura e simplesmente aceder, sem mais – eu tinha alguns jovens tripulantes de cabina em franjas – consultei toda a minha tripulação, mais com o intuito de os preparar do que á espera de ouvir sins ou nãos e lá respondi que faríamos o que nos fosse possível.

Um voo de cada vez. Iriamos ver…

A minha aproximação à pista onde deveria aterrar foi toda feita a observar o fumo que ainda se desprendia dos destroços esmigalhados do que fora um avião como o que eu pilotava. Íamos aterrar exactamente sobre o local onde o avião se precipitara após a aterragem, em sentido contrário ao que voávamos agora. O vento tinha mudado.

Aquele fumo sinalizava a morte de 131 pessoas. Entre elas vários colegas e amigos.

A curiosidade de tudo ver bem foi enorme e eu fiz os últimos segundos da aproximação, até a pista aparecer no topo do barranco, a observar tudo aquilo.

E não era fácil de se ver. Praticamente nada havia de minimamente volumoso no local onde o cockpit do avião tinha ficado, mesmo à beira de água. E saia fumo de vários sítios.

E foi por isso que me “esqueci”, por milésimos de segundo, do que estava a fazer e o avião decide, por si só, acabar com o voo e num assomo de rebeldia, estatela-se fragorosamente naquele chão, hoje ainda mais duro, da pista. E como ele não sabia o que fazer e eu só percebi isso demasiado tarde, resolveu voltar para o ar...

E aí sim. Agora mando eu! Vais para o chão e é já!

Mais um enorme trambolhão e o Boeing B 727, que eu controlava sempre tão bem, acabou por se imobilizar, também ele com os nervos à flor da pele. Todo a tremer, com os reactores em reverse, num esgar de raiva.

Como só o Comandante é que podia aterrar, não me podia desculpar com a azelhisse do Co-Piloto. Também nunca o fiz…Ou melhor, fi-lo várias vezes, mas sempre a sorrir.

Claro que toda a equipa de Investigadores de Acidentes, os meus chefes, colegas e outros que tal de vários Organismos Oficiais, se divertiram imenso a ver aquela falhada e mirabolante aterragem, sabendo que era eu o Comandante e resolveram tentar, só tentaram, subir ao avião quando os passageiros saíram. Mas de cima da pouca altura da escada do avião avisei-os que não queria ninguém a bordo e que fossem pregar para outra freguesia.

Resultou…

Saí rapidamente do avião munido da minha máquina fotográfica e fui para o Inferno dos destroços e fotografei tudo.









As pessoas, ainda surpresas, a meio do barranco. Um B 727 vai descolar na Pista 06


Parte de um brinquedo em cima de uma roda
Estas fotos foram tiradas por mim a preto e branco.
E tratadas depois em Computador.


Sem querer integrar-me no que via.

Aquilo não era verdade.

Aquilo não podia ser real.

De volta ao meu avião agora já descarregado limpo e de novo abastecido, descolámos para o 1º voo extra a Porto Santo. Toda a tripulação a tentar recompor o esqueleto após a aterragem que eu tão graciosamente proporcionara…

Pedi ao meu Co-Piloto (a quem peço desculpa por não me conseguir lembrar quem era) se não se importava que eu fizesse também a aterragem no Porto Santo para esconjurar os fantasmas do que acabara de fazer.

Ele percebeu-me e a coisa correu bem.


Foto recente do Aeroporto de Porto Santo. De "A Terceira Dimensão - Fotografia Aérea"

Acabámos por almoçar por lá, num repasto difícil quanto a conversas, ambiente e bifes também.

Uns falavam das consequências para os familiares que tinham perdido o sustento da casa, outros de Seguros, etc., etc. e uma assistente chorava revoltada com a conversa. Como era possível falar-se de dinheiro e eles ali, mortos!

Entretanto a comida condizia com o estado de espírito. O meu bife era verde. Verde a sério. E o acompanhamento e tudo mais. Tudo verde. A sala onde comíamos era interior e mal iluminada por lâmpadas fluorescentes verdes, de luz muito verde. Verde a sério. Mas naquele dia já estávamos por tudo…

Depois deste complicado almoço descolámos de Porto Santo, agora num excelente dia de Sol, para uma nova aterragem no Funchal e sobrevoando outra vez os destroços que teimosamente ainda fumegavam!...

Desta vez o grande aviador que assim se autoproclamara em Lisboa tinha de provar que o era realmente.

E foi mesmo!

Quando as rodas tocaram, muito suavemente, no chão e no sítio regulamentar, já os speed brakes estavam em posição de actuar em simultâneo com o reverse dos reactores.

Foi tudo ao mesmo tempo e sem um único solavanco.

A pista era de algodão…


Pista do Funchal após a 1ª ampliação, 5 anos depois destes acontecimentos.


E a tal comitiva de inquiridores, que me esperava avidamente para se banquetear com novo fracasso, foi convidada em bloco para subir as escadas e beber um café. Agora, sim, autorizados a entrar!

Felizmente não nos pediram para fazer o 2º voo a Porto Santo. Depois de tudo o que todos tínhamos passado nas últimas horas seria um pouco inseguro esticar tanto a corda.

Mas tê-lo-íamos feito, se fosse necessário.
Estávamos preparados e dispostos a tudo.


Não era um dia normal.

A minha tripulação de cabina  neste voo inesquecível:

CC Ruben
AB Vanda Pires
AB Céu Mendes
CB Rui Quintas

______________________________________________________

Veja a descrição do voo fatídico nesta história:
O acidente do Funchal - O voo TP 425


Veja uma história relacionada neste texto:
As Bruxas do Funchal

________________________________________________


Tirei várias outras fotografias que não quis colocar nesta história.
É no entanto um documento. Pertence à nossa História.
À História da Aviação Portuguesa.
Para que não se repita.
Para que as lições que se aprenderam não fiquem esquecidas.
Para as ver, click aqui.


(Actualizada em 11 de Janeiro de 2016)




Linha Aérea e outros voos – O acidente do Funchal - O voo TP 425


Reconstituição daquele trágico dia



19 de Novembro de 1977


Naquele dia a tripulação do Comandante Lontrão - João Costa, nome de guerra na altura - apresentou-se nas Operações da TAP, no Aeroporto de Lisboa, para fazer um voo complicado, que os levaria a Bruxelas, Lisboa de novo, seguindo-se uma última descolagem para o Funchal, onde a tripulação ficaria uma noite a descansar.


O Comandante João (Costa) Lontrão

O Co-Piloto Miguel Leal
 2 Fotos que tirei do Grupo do Facebook "Anos Dourados".
Peço desculpa de não me lembrar a quem foi.


O Comandante Lontrão era um novato na operação complicada do Aeroporto do Funchal. Tinha ali feito o treino obrigatório 17 dias antes, cumprindo assim as normas de segurança da TAP quanto à operação no Funchal. 

Eu também fiz esse voo de instrução com ele, no B 727 CS-TBQ, no dia 2 de Novembro de 1977.

Éramos 14 Comandantes, com alguns meses de experiência na função e no avião, depois de 6 ou 7 anos como Co-pilotos de Boeing B 707 e B 747.

Contando com os troços de ida de Lisboa e regresso, fizemos ao todo, nesse dia 6h30m de voo. Uma autêntica estopada! Sempre dentro do avião a não ser uma breve pausa só para um reabastecimento de combustível na transição dia/noite. Porque o treino também exigia aterragens nocturnas.

Nesse dia, em conjunto, fizemos ao todo umas 70 aterragens! Eu fiz 4 de dia e 4 de noite.

Só voltei a voar dois dias depois... E não foi para o Funchal.

Dadas as características daquela pista, ainda hoje os Comandantes têm de fazer um treino específico antes de poderem operar naquele Aeroporto. E só os Comandantes estão autorizados a aterrar ali.

Desde sempre.

Um pouco da história do Aeroporto da Madeira, antes de vos dar uma versão abreviada do acontecido naquele fatídico dia, com a transcrição do diálogo gravado pela caixa preta no cockpit, tal como consta do relatório do acidente:


- O Aeroporto Internacional da Madeira, ocasionalmente conhecido como Aeroporto do Funchal e como Aeroporto de Santa Catarina, é o principal aeroporto da Região Autónoma da Madeira, estando localizado no município de Santa Cruz, na Ilha da Madeira, existindo um outro na Ilha do Porto Santo.

Tem grande movimento turístico proveniente de toda a Europa e, também, importante movimento de carga para o abastecimento de todo o arquipélago da Madeira.

O Aeroporto da Madeira foi inaugurado a 8 de Julho de 1964 com uma pista de 1600 metros de extensão. O arquipélago da Madeira ganhou assim novas ligações ao continente já que até então as viagens se faziam de barco. A primeira aterragem de um avião na Madeira ocorrera em 1957, numa pista experimental em Santa Catarina.

Em 1972, dada a incapacidade da pequena pista em receber aviões capazes de dar vazão ao fluxo de turistas que procuravam a Ilha da Madeira, começou a ser pensada uma ampliação para que fosse possível receber voos intercontinentais. Um projecto do engenheiro Edgar Cardoso foi então apresentado e, no ano seguinte, foi inaugurado um novo terminal, capaz de receber 500 mil passageiros por ano.

Entre 1982  (cinco anos depois do acidente) e 1986 a pista foi aumentada para 1800 metros, assim como se procedeu à ampliação da plataforma de estacionamento de aviões.

Entretanto, o engenheiro António Segadães Tavares adaptou os estudos de Edgar Cardoso e planeou uma nova ampliação da pista. Assim, a 15 de Setembro de 2000 teve lugar a inauguração da extensão da pista para 2781 metros (mais 1.181m do que em 1977). Esta é construída parcialmente em laje sobre o mar, ficando assente em 180 pilares.

Hoje em dia, este encontra-se qualificado para receber aviões Boeing 747 assim como quase qualquer tipo de aviação civil, sendo a principal porta de entrada de turistas na região assim como de serviços de correio postal e encomendas urgentes assim como alguns serviços essenciais. É um aeroporto internacional que também serve voos domésticos.

Engenharia:

As suas pistas 5 e 23 são consideradas umas das mais difíceis e perigosas aproximações e aterragens do mundo, devido à alta turbulência sentida quando o vento é superior a 15 nós, sendo geralmente de direcção 300 e 020. Na aproximação à pista, ventos descendentes e ascendentes (quando muito próximo da pista) e durante a aterragem é sempre esperada, por protocolo, grande turbulência assim com rajadas de vento laterais. Outra dificuldade sentida pelos pilotos, é o uplift (força ascendente) quando a aeronave sobrevoa a pista, dando uma sensação que o avião "não quer" aterrar. Devido às dificuldades técnicas apresentadas aos pilotos, é necessário uma licença especial para operações neste aeroporto e apenas pilotos com experiência em operações diurnas poderão realizar operações nocturnas.
A obra de extensão do Aeroporto da Madeira é uma obra reconhecida mundialmente como uma das mais difíceis de realizar devido à tipologia de terrenos e à orografia. Em 2004, Dr. Manabu Ito, presidente da Associação Internacional de Pontes e Engenharia Estrutural (IABSE), apresentou em Shanghai, China, o prémio de 2004 IABSE Outstanding Structure Award que só é atribuído a grandes obras de engenharia reconhecidas mundialmente.

Acidentes:

A 19 de Novembro de 1977, um avião Boeing 727-200 da TAP despenhou-se no final da pista 23 do Aeroporto da Madeira. Foi o mais grave acidente da história da aviação em Portugal que provocou 131 mortos e 33 sobreviventes. As causas exactas do acidente ainda estão por apurar mas os factores mais apontados foram as más condições meteorológicas aliadas à curta pista ou uma falha humana.

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre

__________________________________________


A primeira aterragem de um avião na Ilha da Madeira deu-se em 1957.

No final da década de 70 o Engº Edgar Cardoso, autor de estudos sobre a grande ampliação da pista, num voo em que o levei para o Funchal explicou-me como viria a ser aquela grande obra.

A aproximação e aterragem naquela pista, especialmente quando tinha só 1600m de extensão, em condições de mau tempo, vento e chuva fortes, pela orografia circundante, pelo comprimento (ou falta dele…) da pista, pela exiguidade de ajudas à aproximação, deram-lhe o epíteto de um dos Aeroportos mais difíceis do Mundo.

Estrela negra para as Associações Internacionais de pilotos. Como se veio a comprovar, infelizmente.



Voltando àquele fatídico dia 19 de Novembro de 1977

 


O Comandante João Lontrão que descolara nessa manhã de Lisboa umas duas horas e meia antes, no Boeing B 727-200 CS-TBR, Sacadura Cabral, prepara-se agora para aterrar em Bruxelas.


O Boeing B727-200 CS-TBR

Mas só o consegue fazer à segunda tentativa, devidos às más condições meteorológicas. Fazem uma escala técnica para reabastecimento e, já com novos passageiros, descolam num voo com destino a Lisboa e Funchal.

Em Lisboa fazem a terceira aproximação do dia e a segunda aterragem. E logo de seguida, com a maioria dos passageiros embarcados em Bruxelas e mais alguns entrados em Lisboa, no total 153 passageiros a bordo, a mesma tripulação faz a terceira descolagem do dia, rumo ao Funchal, aproximadamente à hora em que o Telejornal começava.

A Ilha tinha estado nas últimas horas sob fortes aguaceiros e com ventos cruzados, oriundos de Oeste. A pista de serviço, naquela noite, era a 24. Anos depois, com a rotação do eixo da pista, no primeiro prolongamento, foi rebaptizada com o Nº “23”, apontada, na Rosa dos Ventos, a 230º. A pista 24 tinha um ligeiro slope negativo ou seja, era “a descer”.

A aterragem mais comum no Aeroporto da Madeira, a dos ventos dominantes, é no sentido contrário, o da pista 05 - na altura “06”, com slope positivo, pista a subir ligeiramente. Por essa razão, toda a zona desta pista em que os aviões mais vezes aterravam, estava cheia da borracha desprendida dos pneus ao baterem no chão, ainda sem movimento de rotação, trocando a borracha que perdem no embate pelo rápido início do movimento circular das rodas, começando aqui a actuar o sistema de controlo automático da travagem, de seu nome ABS nos carros, Anti-Skid nos aviões.

O Comandante Lontrão, com a Ilha à sua direita mas ocultada naquela noite agreste pelos aguaceiros que não paravam, tenta a aterragem, autorizado pela Torre de Controlo. Tinha sido informado que a visibilidade melhorara.

Eram 21h24m, naquela noite de Outono a imitar um Inverno desbragado.

A aterragem estava eminente, com a pista ainda longe mas já à vista, os faróis do avião a iluminarem os grossos e contínuos pingos de chuva que pareciam riscos de luz, na horizontal. Embora exigisse um grande esforço, ainda para mais com uma tripulação já cansada, a caminho da quarta aproximação do dia, e já com 14 horas de trabalho consecutivo, o avião voava à procura daquele pequeno rectângulo de 1600m de comprido plantado num promontório escarpado que o mar cercava. 









Noite de tempestade, de muitos aguaceiros, houve um que entretanto desabou fragorosamente mesmo à frente do B 727, tirando completamente a pista da frente dos olhos do Comandante Lontrão.

Impossível prosseguir às cegas. O avião ganha rapidamente altura, impulsionado pelos reactores entretanto accionados na máxima potência.

- Ai que barraca! A voz do Comandante fica gravada na “caixa negra” (que é afinal cor de laranja para mais fácil identificação) que regista todos os sons audíveis no cockpit. Existe uma outra que regista todos os parâmetros de voo. Também “negra”/laranja.

- Só faltava esta! Diz o Co-Piloto Miguel Leal.

Seis minutos depois reiniciam os procedimentos para uma segunda aproximação, a quinta do dia.

- Ai a minha vida, que um gajo não ganha para isto! desabafa o Comandante, preocupado e certamente desejoso de um merecido descanso no Hotel Atlantis, ali mesmo ao lado, tão perto….

O Co-Piloto, manifestando também preocupação na condução do voo, pergunta ao Encarnação, o Técnico de Voo – o Mecânico de voo, encarregue da supervisão de todos os sistemas do avião no cockpit:

- Quanto “petróleo” temos? “Petróleo”, o calão aeronáutico que significa combustível.

- Temos seis toneladas responde o Técnico de Voo.


Painel de controlo do Técnico de Voo de um B727

O suficiente para chegarem a Las Palmas, se não conseguissem aterrar. Era o Aeroporto alternativo oficial.

- Vamos aterrar agora diz o Comandante e assobia.

- Ok, estou a ver a pista! diz o Co-Piloto

O avião tem o Machico à direita mas voa através de muita chuva que volta novamente a cair com intensidade.

E a pista desaparece-lhes, novamente, da frente, já tão perto, afogada naquele aguaceiro que é cada vez mais intenso. Nada a fazer e o Comandante é obrigado a abortar a sua quinta aproximação feita naquele dia.

- Merda para isto! Diz o Comandante ao executar novamente o borrego, as manetes dos reactores empurradas com raiva para a frente, o nariz do avião a fugir daquele chão.

Que sabia esperar…

- Filho da polícia, merda de aguaceiro! Lamenta-se o Co-piloto

21h40m

- Queres tentar mais uma vez? Volta a falar, dirigindo-se ao Comandante

- Vou tentar.
- Filha da mãe, a pista estava tão boa e de repente desapareceu resmunga o Co-Piloto enquanto executa os procedimentos.
- Ai minha mãezinha continua ele a lamentar-se.
- Isto está quase diz o Comandante, calmo de novo.
- Obrigadinho…  foi a resposta

Dirigindo-se à torre de controlo o Comandante diz que vai tentar uma última vez.

- Se não conseguir entrar desta vez, vamos para as Canárias.
- Isto é passageiro. Se ficar em espera talvez consiga aterrar nas calmas responde-lhe o Controlador de Tráfego Aéreo.

O Comandante João Lontrão pede nova informação da quantidade de combustível.

- Só temos para mais uma aproximação foi a resposta do Co-piloto

O que significava que tinham combustível para mais uma aproximação e se ela também falhasse, seriam então obrigados a voar para o Aeroporto alternativo, Las Palmas. Com o consequente acréscimo de tempo de trabalho. E é também, sempre, um grande incómodo para os passageiros.

- Ai Mouraria... lamento do João Lontrão.

Às 21h43m iniciam a terceira tentativa.

A terceira tentativa seguida, naquela noite no Funchal, sob fortes aguaceiros e ventos que sopravam a preencher toda a Rosa dos Ventos.

A sexta aproximação que faziam naquele dia. Mais de 14 horas depois de se terem apresentado para o trabalho.

E já no terceiro Aeroporto, numa noite de fortes aguaceiros e num dos mais problemáticos Aeroportos de então.

E na sua pior pista, face ao seu estado de conservação e à situação meteorológica. Pista a descer e com muita borracha acumulada na zona de travagem normal.



...entre os pilotos há uma espécie de regra, não escrita nem referida em manual nenhum, que diz que é perigoso tentar-se aterrar uma terceira vez consecutiva no mesmo sítio quando por quaisquer razões falham as duas primeiras.

Cria-se uma espécie de fobia à má sina, de não se ter conseguido. 

Mas agora é que eu vou conseguir! ”.

É uma motivação, suicida, assassina...



- Agora vê-se a pista! diz o Comandante

- Aquele aguaceiro, há bocado, é que estragou tudo. Ok, também estou a vê-la. Filha de uma grandessíssima… novo lamento do Co-Piloto

21h45m

- Estou na final, vou aterrar.
- Ok, tudo calmo. Está autorizado a aterrar.

Ao passar a cabeceira da pista, o B 727 “Sacadura Cabral” está a 44’ de altura do chão, cerca de 13m e voa a 150 nós, aproximadamente 270km/h.


Em ambos os extremos da pista, uma escarpa a pique. E o mar...

Pela observação dos registos da velocidade e direcção do vento, verificou-se nesse preciso momento uma rajada de vento de cauda, por detrás, que acelera o avião. A velocidade aumenta para 155 nós. E aqui o avião é empurrado num bailado de sobe e desce, por duas ou três vezes, consoante o vento mudava de direcção. O Comandante Lontrão tenta dominá-lo. Fazê-lo finalmente tocar a alagada pista.

Neste bailado final, o avião consumiu, ainda no ar, praticamente metade da pista. Cerca de 800 metros.

A velocidade regressa aos 150 nós e o avião toca, finalmente, naquele vasto lençol de água em que a pista se tinha tornado, incapaz de escoar tanto aguaceiro seguido.

O Comandante executa os normais procedimentos de aterragem, travões a fundo, spoilers armados – os freios aerodinâmicos que cortam toda a sustentação – motores em reverse. Mas o avião não consegue manter o alinhamento do eixo da pista.

Os registos de vento mostram que o avião continuou a sofrer rajadas ora de lado ora de cauda.

A Natureza, cruel, alheia aos seus actos.

21h48m

Foi o momento da verdade.

Nada fazia parar aquele avião que deslizava, inerte, adormecido, nos últimos metros da pista.

Rolava agora exactamente naquela zona da pista que estava totalmente “contaminada” com a borracha polida e luzidia, deixada pelos aviões quando aterravam em sentido contrário – sentido dos ventos dominantes naquela pista – e ainda por cima sobre um vasto lençol de água que persistentemente se mantinha, sem escoamento possível pela sequência de tantos aguaceiros.

Pelo relato de um dos passageiros no vídeo da RTP que podem ver no final deste artigo, parece que quando o avião tocou na pista os travões começaram a actuar normalmente, entrando logo de seguida na zona contaminada com a borracha. Sempre sobre um espesso lençol de água.

Pesado, veloz, incontrolável, aquele avião tornou-se, subitamente, numa armadilha mortal e quem ia no cockpit sabia o que se estava a passar. E qual o fim daquela aventura.

Desesperados agora, a morte mesmo ali, começam aos gritos que arrepiam quem ouve a gravação da caixa negra.

- Para a barreira!  Para a barreira! 


Gritam insistentemente o Co-Piloto e o Técnico de Voo, querendo referir-se ao lado direito da pista, evitando o pronunciado declive a seguir ao fim da pista, ali já à vista deles...

Em silêncio, o Comandante nunca desiste e luta desesperadamente pela sua vida, pela vida de tantos que acreditam sempre, ao entrar num avião, que vão chegar em segurança.

Mas já irremediavelmente derrotado.

21h49m

O avião deixa a pista, os faróis a apontar fixamente para o exacto local onde o Destino há tanto tempo esperava por eles…


Seis tripulantes e 125 passageiros voam uma última vez, finalmente livres do seu corpo, para a Eternidade...

 

________________________


INFOGRAFIA DO ACIDENTE:





  • O avião aterrou a meio da pista (pista antiga a tracejado amarelo)
  • Os travões começaram a actuar (há testemunhos de passageiros sobreviventes a atestar a grande desaceleração que sentiram após o toque na pista)
  • Logo a seguir o avião entrou na zona escorregadia de acumulação de borracha, coberta de muita água (linha vermelha).

_____________________________________________________________



Capa do extinto "Diário Popular" com as fotografias dos dois tripulantes que sobreviveram, a Assistente Alice Neiva e o Comissário José Paiva




____________________________________________



Tripulação do voo TP 425
  19 Novembro de 1977:


Os que partiram naquela noite:

Capt João Costa Lontrão
Co-Pil Miguel Guimarães Leal
TV Encarnação
CC José António Paveia
AB Gilda Varela Cid
CB Carlos João Arroba

Os que sobreviveram:

AB Alice Neiva Vieiranunca mais voou como tripulante.
CB José Paivavoltou a voar assim que conseguiu.



(Com os meus agradecimentos ao Grupo do Facebook "Anos Dourados", ao Comandante José Vilhena e ao Supervisor de Cabina Manuel Santiago pela identificação de toda a tripulação)

__________________________________________________



Ver aqui:

Reportagem da RTP, em 2007




Ver:

As fotografias do acidente que tirei no dia seguinteaqui.


(Actualizada em 19 de Novembro de 2020)








A minha Força Aérea - De T-33 pela Europa fora até à Bélgica e volta


Quisemos dar dois nós aos Yankies. Demos um...


Decorria o ano de 1964 e 3 jovens alunos pilotos de T-33, na Base Aérea da Ota, embarcam numa grande aventura, a nossa primeira grande aventura aeronáutica: a travessia de meia Europa!

Instrutores: Tenente Vasquez, Comandante da Esquadra, Tenente Melo Correia e Alferes Luís Quintanilha, meu instrutor..


Alunos: da esq p a dta, eu, o Ary Meca Murraças e o Leite da Silva.
Estes aqui acima, em frente ao avião protagonista desta história.


Um T33
A viagem era da Ota a Chateauroux, uma Base Aérea Americana no centro da França e no dia seguinte partida para Beauvechain, na Bélgica, muito perto de Bruxelas. Pernoita e volta.

Duas horas e trinta e cinco minutos depois de descolarmos da Ota, eis-nos a aterrar em Chateauroux, a Sul de Le Mans.



A Brief Outline of Our History:


The history of Châteauroux-Centre Airport has always been closely linked to that of aviation and the aeronautical industry.



It was here that, in 1936, Marcel Dassault created his first aircraft manufacturing plant.

In 1951, in an agreement with the French government, the U.S. Air Force chose Châteauroux as the site for its biggest air base in Europe because of its favourable climatic conditions and central European location. That was when the airport became known as CHAD, an abbreviation of Châteauroux Air Depot, and CHAS, for Châteauroux Air Station








Châteauroux was the location of the first USAF unit to move to France. The initial contingent of USAF personnel arrived at Châteauroux on 10 January 1951 to get the facility up and operational as soon as possible. the 73rd Air Depot Wing was moved to Châteauroux from Kelly Air Force Base Texas in July. USAF reservists were being mobilized as part of theKorean War at the time, and about 1,500 personnel were mobilized and assigned to this depot wing. The wing began operations immediately as supply center for the new USAF bases in France, as considerable construction materials were required in their construction.



In 1951, in an agreement with the French government, the U.S. Air Force chose Châteauroux as the site for its biggest air base in Europe because of its favourable climatic conditions and central European location. That was when the airport became known as CHAD, an abbreviation of Châteauroux Air Depot, and CHAS, for Châteauroux Air Station.




F-86D Serial 52-4063
The Americans left the site in 1967, when the airport facilities were returned to French ownership. The regional Chamber of Commerce and Industry and local municipalities together invested in modernisation work and launched commercial activities at the airport in 1974.


In 1995, the airport came under the control of the General Council of the local Indre département (French equivalent of a county). Management of the airport was given to a joint public consortium made up of the Châteauroux district municipalities, the region's Chamber of Commerce and Industry and the town council of Coings. The length of the runway was extended to 3, 500 metres (11, 500 feet).                                                                                         Wikipedia
-----------------------------------------

Continuando a história...

Desenferrujadas as pernas, entregámos os nossos aviões à Manutenção yankee. Mas como eles eram americana e estávamos numa Base deles, o nosso Comandante de esquadra resolveu solucionar um antigo problema que um dos aviões tinha. Problema que a nossa Manutenção na Ota não podia resolver.

Um dos T-33 e só esse, estava equipado com o sistema TACAN. Um sistema de Navegação electrónico baseado num único instrumento que tornava o voo muito mais preciso, a navegação mais fiável.


Supondo que o avião no desenho, à direita, tinha de sobrevoar aquele ponto preto, por debaixo das nuvens, o TACAN indica que o avião (o triângulo branco) está à esquerda da rota planeada.

Ora esse instrumento recusava-se a funcionar…

Ninguém sabia porquê! Como ainda não tínhamos estações em terra com as emissões rádio capazes de o activar, não era possível ter uma noção exacta da avaria.

Sendo assim, o Tenente Vasquez, após a aterragem, queixou-se ao responsável americano da avaria no instrumento:

- Isto vinha a funcionar perfeitamente e de repente, puf! Avariou.
- Veja lá se descobre o que foi.

Feitas as despedidas fomos então recebidos por um enorme militar que nos deu as boas vindas. Com os nossos fatos de voo, o anti-G, as botas de voo preto reluzente, os capacetes com máscara e o ar de grandes aviadores que pretendíamos ser, facilmente nos confundíamos, nós os alunos, com os verdadeiros Aviadores que eram os nossos instrutores.

Só que éramos cabos milicianos e os instrutores oficiais da Academia Militar.

E numa Base Aérea Americana as coisas fiam muito fino… muito fino. Até chegarem os portugueses, claro!

- Hotel (militar) para os oficiais, disse o latagão yankee e estes…? Nós, os alunos.

- Estes? Estes também são oficiais! Somos todos oficiais, disse o Tenente Vasquez

E eu a pensar que o primeiro a ir dentro seria ele e não eu…

Viu-se no olhar de lince do grandalhão que aquilo não jogava muito bem. Mas… Também não devia conhecer muitos portugueses… e não teve outro remédio. Tudo para o Hotel militar dos oficiais.

Fui sempre assim tratado enquanto voei de anti-G. E depois disso também não tenho razões de queixa.

Foi a primeira vez que comi milho cozido a acompanhar carne assada. O acesso ao refeitório, ao único refeitório da Base, era feito pela ordem de chegada. No meio de uma longa fila podia ver-se o Comandante da Base atrás do soldado da limpeza e por aí fora sem regra nenhuma a não ser esperar pela sua vez, civilizadamente.

E não havia almoços grátis, como há na política. Todos pagavam o que comiam, como em qualquer restaurante. Só que o preço era fixo para cada tira de distintivo militar. Um soldado pagaria 3 dólares e o Comandante uns 10, por aí.

Tudo muito fluido, muito simples, sem confusões nem atropelos. E isto em 1964.

No dia seguinte, bem comidos e bem dormidos, briefing feito da viagem para Beauvechain, eis-nos prontos para mais um episódio desta nossa primeira grande aventura.

Aventura é aventura e todos os imprevistos são de esperar.

Especialmente aqueles que são mesmo imprevistos de todo.

Chegados aos aviões, o Americano chefe da manutenção de serviço aos nossos T-33, com cara de quem quer tirar nabos da púcara, dirige-se ao Tenente Vasquez e pergunta-lhe muito directamente:

- O senhor tem a certeza de que o TACAN vinha a trabalhar?

- Sim, sim! Vinha a trabalhar perfeitamente.

- Estranho… tinha a ficha da alimentação eléctrica ligada ao contrário!

O resto do voo decorreu sem problemas…




(Actualizada em 27 de Abril de 2014)