Capítulos

Pedaços de Vida - A Minha Máquina de Escrever


Fiel companheira de uma vida...




 

Até ao advento dos computadores…



































 










Acompanha-me desde os meus vinte anos quando uma tarde em Lourenço Marques saí da Minerva Central, (uma loja tão eficiente como os Staples em Nova Iorque, verdade!) com ela debaixo do braço.




O estágio de oito meses de Topografia que fiz, deu-me a ganhar o suficiente para comprar alguns luxos e muitos livros.

Entre outras pequenas coisas comprei, não sei o que é que me deu, um polo Lacoste daqueles mesmo a sério. Sem intervenção de chineses ou ciganos. Durou-me, por isso mesmo, uma vida.

Também nunca, nunca, juro, tinha andado de mota e resolvi comprar uma Lambreta, num stand na Baixa de Lourenço Marques.

Para chegar a casa nesse primeiro dia a conduzir tal coisa, morava eu na parte alta da cidade, no Bairro da Polana, a maquineta caiu-me em todos os cruzamentos em que o polícia sinaleiro não me deixava avançar por causa do tráfego.

A Lambreta ia a baixo e o movimento com o pé para a pôr a trabalhar de novo, acabava com nós os dois no asfalto.

Poucos dias depois fui passar um fim-de-semana à praia do Bilene já tão capaz de andar nela como o Valentino Rossi em Moto GP..

200km de cabelos ao vento, para cada lado.

Duas noites a dormir na areia, encostado a um barco naquela praia de sonho.

O regresso a Lourenço Marques, a um Domingo já pela noitinha.

O iogurte e a torrada no café da Associação dos Criadores de Gado.

O Polícia que me levou logo a seguir para a prisão porque eu não tinha carta...

O julgamento no dia seguinte. E a condenação óbvia...


Enfim, a história previsível de quem vivia entregue só a si desde os 17 anos.

A Lambreta teve um fim feliz. Vendi-a ao polícia que me prendeu.

Tudo isto a propósito da Minha Máquina de Escrever Olympia modelo Splendid 99 cuja garantia expirou há mais de 50 anos.



Com ela compilei muitas notas de matéria dada nos vários cursos da Força Aérea e mais tarde da TAP.

Acompanhou-me na Guerra do Ultramar.

Mas não era só um instrumento “militar” ou de Linha Aérea.

Também soube imiscuir-se, de mansinho, em devaneios literários.

Alguns muito sofridos, coitada.

Outros de qualidade inenarrável, sem nenhuma responsabilidade sua. Mas sem queixumes.

Foi uma boa companheira...

Repousa hoje num armário protegida de todos e quaisquer contratempos, como merece qualquer reformado que trabalhou toda a vida.

Como exemplo dos seus préstimos no campo dos meus escapes de ânimo, arroubos contra o cinzentismo, delírios frementes, aqui vos deixo extractos de folhas digitalizadas dos originais que escrevi na Minha Máquina de Escrever

Numa noite de alguma chuva em Nova Freixo, escrevi isto:




 E a filosofar, com vontade de Chegar:






Agora, a Minha Máquina de Escrever, depois de apanhar ar puro e seco, depois de limpa das humidades que a podem danificar, reconfortada, pode voltar ao seu descanço merecido.

Até ao dia em que as saudades, o seu chamamento, me farão ter que voltar a olhar para ela, olhos nos olhos, com uma flanela amarela a limpar aquela bela chapa laranja.






(Actualizada em 17 de Novembro de 2021)









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