Capítulos

Outras Navegações - A muito Trágica História da nossa Marinha Mercante


 


Dois quadros de Roque Gameiro:

- a partida de Vasco da Gama de Lisboa no dia 8 de Julho de 1497
- a chegada ao porto de Kappakadavu, próximo de Calecute, no dia 20 de Maio de 1498




Esta não é uma história sobre a Idade Média.


Mas começa aí...


E atinge o auge 500 anos depois, embrulhando as Grandes Guerras com Américo Tomás, os Boeings B707  e B747, a Guerra do Ultramar, os Retornados e a União Europeia.


E os portugueses, sempre os portugueses, a verem, como de costume, tudo a fugir-lhes debaixo dos pés.


É uma história sobre o Mar Português.



Que começa entre naufrágios e batalhas acontecidos em locais relativamente mais inóspitos e distantes do que a ida à Lua, quando ocorreu em 1969.



A lua está ali. É só olhar...




Mas para lá de Sagres, nos finais do séc 15 o que havia era mesmo outra galáxia, povoada de dragões. Anos luz para lá chegar...


 










A História Trágico Marítima, de Bernardo Gomes de Brito, “em que se escrevem chronologicamente os naufragios que tiveram as naus de Portugal, depois que se poz em exercício a Navegação da Índia”, uma "colecção de relações e notícias de naufragios, e successos infelizes, acontecidos aos navegadores portuguezes", reunidos por Bernardo Gomes de Brito e publicados em dois tomos em 1735 e 1736, durante o reinado de D. João V, descreve os mais terríveis naufrágios dos gloriosos anos das Descobertas.


 Vieira da Silva. História Trágico Marítima, 1944, pintado no Brasil
















Essas crónicas ilustram a luta de um povo que ia descobrindo 2/3 do Mundo que então o Ocidente desconhecia que existisse.


E meio Mundo deu-se conta que era afinal só uma metade. Havia outro tanto para se descobrir mutuamente.






Foi a verdadeira globalização.





A Humana



 









Os Descobrimentos foram uma epopeia fenomenal que teve que pagar em bens mas principalmente em vidas esse esforço de um punhado de homens e também de mulheres, como está documentado por um autor anónimo na trágica narrativa do naufrágio do Galeão Grande S. João” de Manuel de Sousa Sepúlveda em 1552.

 


Uma outra história muito diferente foi o forte desenvolvimento e rápido declínio da nossa Marinha Mercante no Séc XX.



Foi por divina vontade...?


Ou... foi por humano desleixo!?




As primeiras companhias de navegação portuguesas aparecem em Portugal, nos finais do Séc XIX em plena era da máquina a vapor, com navios agora mais rápidos, substituindo os grandes veleiros comerciais.













A Empresa Insulana de Navegação  (EIN) foi constituída a 13 de Dezembro de 1871 com o propósito de fazer as ligações entre as Ilhas da Madeira e dos Açores com o continente americano.



A Empresa Nacional de Navegação "foi constituída em 1881, mediante contrato com o Governo Português, para efetuar a ligação marítima de Lisboa a Moçâmedes, as ligações entre as ilhas de Cabo Verde e entre estas e a Guiné, por um período de 10 anos. Tinha como acionistas as empresas Bensaude & Cia., Lima, Mayer & Cia. e Ernst George.

A rota dos navios a vapor da ENN tinha escalas nos portos de Porto Alexandre (atual Tômbua), Moçâmedes, Benguela e Novo Redondo (atual Sumbe), São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Lisboa. O regresso fazia-se pela mesma rota.




Em 1918 a empresa foi transformada e passou a ser denominada Companhia Nacional de Navegação" (CNN) (Wikipedia)

Durante a Primeira Guerra Mundial, são apresados navios alemães nos nossos portos, o que muito beneficia a actividade naval.




(Como o navio Alemão da Hapag, Numantia, que em 1914 se refugiou no porto de Mormugão - na antiga Índia Portuguesa - onde foi apresado em 1916 passando a denominar-se Cassequel.  

O Cassequel acabou por ser afundado pelo submarino alemão «U-108» sob o comando do capitão de corveta Scholz a 250 milhas a Sudoeste do cabo de S. Vicente no dia 14 de Dezembro de 1941. O submarino «U-108» foi por sua vez afundado pelos Aliados em 1944 no Mar Báltico.)




Como consequência lógica, no período pós-guerra são constituídas a Sociedade Geral, SG





e a Companhia Colonial de Navegação, CCN.





Esta última a 3 de Julho de 1922 por um grupo de firmas de Angola e da Guiné, com o fito de estabelecer um tráfego regular entre Portugal e as suas Colónias embora com navios antigos, desactualizados, obsoletos e em pequena quantidade.

Durante e principalmente após a Segunda Grande Guerra, com a premência de resolver problemas de toda a ordem nomeadamente de abastecimentos e transporte de um grande número de refugiados, as companhias de navegação vêem-se confrontadas com a necessidade de novos navios.

E em 1945, através do célebre Despacho 100 do Capitão de mar-e-guerra Américo Tomás, dá-se uma revolução na nossa Marinha Mercante.



Américo Tomás?...

quem foi este homem?



Foi o Presidente da República Portuguesa deposto no dia 25 de Abril de 1974.



Um brilhante Oficial da Marinha que teve o manifesto azar de ser colocado na Presidência da República por Salazar após umas polémicas eleições em que “derrotou” o General Humberto Delgado.

Américo Thomaz nasceu em Lisboa no dia 19 de Novembro de 1894.

Estudou no Liceu da Lapa entre 1904 e 1911.

Frequentou a Faculdade de Ciências, entre 1912 e 1914.

Iniciou a sua carreira militar como aspirante no corpo de alunos da Armada em 1914.

Em 1916, ao terminar o curso da Escola Naval e durante a I Grande Guerra, desempenhou funções no serviço de escolta aos comboios que se dirigiam para a Inglaterra e Norte de França, primeiro no cruzador Vasco da Gama, depois no cruzador auxiliar Pedro Nunes e nos contratorpedeiros Douro e Tejo.

Comanda ainda durante este período o guarda-marinha Janeiro com a missão de protecção aos navios de pesca que operavam em alto mar.

Em 1918 é promovido a 1.º tenente e serve como oficial imediato a bordo do contratorpedeiro Tejo.

A 3 de Outubro de 1919 é nomeado para a 3.ª Direcção-Geral do Ministério da Marinha.


Em 1920 Américo Tomás entra ao serviço do navio hidrográfico “5 de Outubro “ onde serviu nos dezasseis anos seguintes, desempenhando ainda as funções de chefe da Missão Hidrográfica da Costa Portuguesa e vogal da Comissão Técnica de Hidrografia, Navegação e Meteorologia Náutica e do Conselho de Estudos de Oceanografia e Pesca.



(A Oceanografia Portuguesa nasceu em 1 de Set 1896 quando D. Carlos a iniciou a bordo do seu primeiro iate Amélia.




Com a implantação da República em 1910 o último dos iates “Amélia” do Rei D. Carlos, o “Amélia IV”,




 foi rebaptizado como “5 de Outubro” e atribuído à Missão Hidrográfica da Costa de Portugal.)



Américo Tomás, continuando a sua breve biografia, foi perito do Conselho Permanente Internacional para a Exploração do Mar.

Participou ainda em levantamentos hidrográficos nos arquipélagos dos Açores e Madeira.

A 5 de Outubro de 1928 foi feito Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.

A 5 de Outubro de 1932 foi feito Comendador da Ordem Militar de Avis.

A 9 de Maio de 1934 foi feito Comendador da Ordem Militar de Cristo.

Foi nomeado chefe de gabinete do Ministro da Marinha em 1936.

Presidente da Junta Nacional da Marinha Mercante de 1940 a 1944.

A 10 de Agosto de 1942 foi elevado a Grande-Oficial da Ordem Militar de Avis.

A 1 de Agosto de 1953 foi elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.

Em 1944, Américo Thomaz substituiu Ortins Bettencourt na pasta da Marinha, prosseguindo a política de “Regresso ao Mar”.

Foi Ministro da Marinha de 1944 a 1958.

Nesse ano é eleito Presidente da República em eleições muito contestadas em que concorreu com o General Humberto Delgado.

Foi reeleito em 1965 e em 1972 por colégio eleitoral.

Enquanto foi Presidente da República, morou sempre na sua residência particular. O Palácio de Belém servia-lhe unicamente como escritório e para as cerimónias oficiais.

Era muito pouco amado nas funções que tinha de exercer a mando de quem mais mandava, o ditador Oliveira Salazar.

Sem grandes dotes de oratória fazia normalmente a contabilidade das vezes que visitava as terras onde inaugurava amiúde os mais diversos equipamentos, como exposições de flores, sendo conhecido popularmente por "O corta-fitas".





Foi deposto na Revolução dos Cravos no dia 25 de Abril de 1974, pela Junta de Salvação Nacional, Lei nº 1/74 de 25 Abril, poucos meses antes de cessar funções.

Foi detido. enviado para a Madeira com Marcelo Caetano (o então Chefe do Governo) e mais tarde  recambiados para o Brasil.


E foi aí que um belo dia vim a ser seu vizinho de quarto.


As tripulações da TAP, nas estadias no Rio de Janeiro no início dos anos 70, ficavam hospedadas em plena Baia de Copacabana no simpático Hotel Miramar.

E uma manhã, ao sair do meu quarto, Co-Piloto de Boeing 747 a caminho da bela praia de Copacabana, dou de caras com os meus vizinhos do lado Almirante Américo Tomás a sua mulher Gertrudes e a filha Natália que saiam para o pequeno almoço no Hotel onde estavam  hospedados, dizia-se, por conta de alguns membros da Comunidade Portuguesa.

Segundo os empregados do Hotel o Almirante e a sua mulher eram simpáticos. A filha nem por isso...


Em 1978, o general Ramalho Eanes permitiu o regresso a Portugal do ex-Presidente.

Em 1980, morre, subitamente, a sua filha mais velha, Natália.

Foi-lhe negado o reingresso na Marinha e o regime de pensão extraordinária na altura em vigor para ex-presidentes da República.

A 18 de Setembro de 1987, Américo Thomaz morreu numa clínica em Cascais, após uma cirurgia, com 92 anos.


E no entanto...



Durante o desempenho de funções como Ministro da Marinha, o então Capitão de mar-e-guerra Américo Tomás foi o principal responsável pela elaboração e aplicação do Despacho 100, diploma que reestruturou e modernizou a Marinha Mercante portuguesa, permitindo também a constituição da moderna indústria da construção naval no país.

Naquele Despacho estava prevista, no prazo de 10 anos, a construção de 70 navios com um total de 376 300 toneladas de porte bruto distribuídos pelos diversos armadores nacionais.







Seriam construídos 9 navios mistos de passageiros e carga, 4 navios-tanque, 45 navios cargueiros e mais 12 navios costeiros para cabotagem em África e nas Ilhas Adjacentes.

Note-se que a 1 de Janeiro de 1945 a nossa frota de comércio de longo curso era constituída por 61 navios com 225.901 toneladas de arqueação bruta e 307.871 toneladas de porte bruto.

No Despacho 100 previa-se também que 60% das necessidades de transporte fossem supridas por navios portugueses.

O BENGUELA, navio de carga e passageiros de 1946 da Companhia Colonial de Navegação, foi o primeiro navio do Despacho 100 a navegar.

Esta acção fez com que, nos meios navais, ao contrário do resto da sociedade portuguesa, o nome do Almirante Américo Thomaz seja, ainda hoje, muito respeitado.

Surgiram assim diversas empresas que operavam quase exclusivamente entre o Continente e o Ultramar, as ex-Colónias, como as CNN, SG, CCN, EIN, CNCA, SOPONATA e SACOR. 

Funcionavam no entanto em regime de mercado altamente protegido, monopolista concorrencialmente controlado, um mercado fechado, e que operava quase exclusivamente entre as Colónias, as Ilhas e o Continente.

Os portos portugueses regiam-se também por estatuto monopolista. Eram inevitavelmente ineficientes, pouco produtivos, obrigando os navios a estadias prolongadas com custos de operação demasiado elevados.

No início dos anos 70 a CNCA funde-se na EIN, a SG funde-se na CNN e no início de 74 a EIN e a CCN dão origem à CTM.



E finalmente chega o 25 de Abril.

 


E uma série de factores empurram definitivamente o mercado marítimo para uma perda irreversível.

A massificação, eficiência rapidez e comodidade do transporte aéreo, cujo expoente máximo foi o Boeing B747, em que fui Co-Piloto na TAP entre 1974 e 1976

A Revolução do 25 de Abril, o fim do Império, o regresso definitivo de todos os militares e de pouco menos de um milhão de portugueses a Portugal Continental, quase exclusivamente em grandes e rápidos aviões, a maior parte Boeings B707 e B747 na maior Ponte Aérea da História Mundial.

A Revolução e o PREC (Processo Revolucionário Em Curso) levaram o país inevitavelmente para as nacionalizações.

Da banca e seguros, por exemplo que acarretaram a nacionalização da Marinha Mercante portuguesa transformada em várias Empresas Públicas, controladas pelo Estado através de Gestores Públicos com modelos de exploração incapazes de concorrer no mercado internacional.

De todas aquelas empresas só a SOPONATA consegue evoluir, modernizando-se e renovando a frota.

E é neste contexto que surge o que se afigurava ser a solução de todos os males:


- A União Europeia


Em 1977, a 28 de Março, Portugal apresenta a sua candidatura de adesão à União Europeia e assina o acordo de pré-adesão a 3 de Dezembro de 1980.

Em 1984 as enormes dívidas acumuladas na maioria das empresas do sector marítimo leva à extinção da CTM e CNN.

No dia 12 de Junho de 1985 é assinado em Lisboa o Tratado de Adesão de Portugal à CEE.

A Espanha assina o Tratado de Adesão em Madrid no mesmo dia.


Em 1 de Janeiro de 1986 Portugal é formalmente membro da CEE


E toda a nossa economia é obrigada a acomodar-se ao mercado comum para cumprir as normas do Tratado.



E foi assim que...


Entre 1986 e 1998, o PIB português cresceu a uma média de 5% ao ano, depois baixou para zero. O desemprego, em 1998, estava nos 5%  subiu para 8% em 2005.

A divida pública era 55% do PIB.

Subiu para 64%









Em 1992 a CEE dá origem á União Europeia





O rendimento "per capita", em 1998, era 71% da média europeia.













Portugal adere ao Euro em 2002




O rendimento "per capita", desceu para 66% da média europeia em 2005.


A moeda forte, o crédito barato, a corrupção a alto nível (que hoje começa a conhecer-se melhor e ainda a procissão vai no adro) levam ao aumento do consumo interno e ao forte endividamento das famílias.



E sem darmos por ela ficámos sem Marinha Mercante!

 Mas também sem frota de pesca...

 

Atendendo a que cerca de 90% dos bens mundiais são transportados por via marítima e, desses, 70% são-no em contentores, percebe-se o interesse da UE da altura pela nossa Marinha Mercante...



Tornámo-nos num pequeno país à bolina, num enorme Mar.

Sem barcos para navegar…

 



Os Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: 

"Navegar é preciso; viver não é preciso."




Navigare necesse; vivere non est necesse" - em latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra



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Para compor esta concisa THNMM (Trágica História da Nossa Marinha Mercante) utilizei principalmente os muitos saberes de Luis Miguel Correia que escreve em inúmeros Blogues e é uma referência em História Naval.

Fui buscar também informação a muitos outros autores, de que dou conta abaixo nas ligações que utilizei.

A todos os meus respeitos, agradecimentos e a garantia de que tudo o que escrevi a eles o devo.

Nos mesmos sítio da blogsfera encontrei as fotos que ilustram a história.

Brevemente publicarei Álbuns de fotografias dos muitos navios que cobriram os Mares do Império Português.


Em vários dos quais tive grande prazer em navegar...


É que para viver, eu precisei mesmo de navegar...

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Actualmente,

"a Empresa de Navegação Madeirense (ENM), do Grupo Sousa, a mais antiga de Portugal, a operar desde 1907, tem o maior e mais moderno navio porta-contentores detido por armadores nacionais.





A embarcação foi construída no Japão em 2009, tendo capacidade para transportar até 1.577 contentores de 20 pés.







Este navio, o ‘Raquel S’ (ex Windhoek) foi inscrito no Registo Internacional de Navios da Madeira. E será operado pela PCI – Portusline Containers International, do Grupo Sousa, entre Portugal, Marrocos, Canárias, Cabo Verde e Guiné-Bissau.

Esta nova embarcação vem “reforçar a frota de navios próprios do Grupo Sousa”, que detém, neste momento, os porta-contentores “Laura S” e “Funchalense 5”, além do ‘ferry’ “Lobo Marinho”, o qual assegura a ligação marítima de passageiros e carga rodada entre as ilhas da Madeira e Porto Santo.


Além destes quatro navios próprios, o Grupo Sousa opera ainda outros quatro fretados, tendo sob a sua gestão um total de oito embarcações."

(Notícia Sapo)



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Não percam o próximo capítulo desta novela, recentemente publicado.



Para ver aqui, nesta ligação:



<<<  As minhas viagens  nos nossos fantásticos navios do Século passado.   >>>

    
Onde, democraticamente, se misturam coristas do Vasco Santana, simulacro de abuso de menores, entre outras coisas, mas sempre no Mar Alto, naquele embalo inesquecível



Não vos quero roubar mais tempo e convido-vos então para verem os

Álbuns de fotografias

da maior parte dos navios que encheram os nossos mares.


São todos os que consegui encontrar neste outros mares, a Internet e a blogosfera.

(Todos os Álbuns abrem numa nova janela. Não se vai perder...)



Tivemos umas seis ou sete empresas apetrechadas com navios.
De carga e de passageiros.



Vejam só:


A. Couto ---- Empresa do Limpopo A. Couto Limitada - Lourenço Marques
CCN ---------- Companhia Colonial de Navegação
CNN --------- Companhia Nacional de Navegação
ENM --------- Empresa Nacional da Madeira
INSULANA -Empresa Insulana de Navegação
SG ------------ Sociedade Geral


Bons cruzeiros!













Algumas das Ligações utilizadas, mais ou menos por ordem de acesso:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_de_Lisuarte_de_Abreu
http://jaimemb.no.sapo.pt/ilustra/HistoriaTMnv.htm"://jaimemb.no.sapo.pt/ilustra/HistoriaTMnv.htm
http://www.transportes-xxi.net/noticias/810
http://lmc-naviosportugueses.blogspot.pt/
http://nossomar.blogs.sapo.pt/1282.html
http://www.companhiademocambique.blogspot.pt/
http://lusotopia.no.sapo.pt/indexPTEuropa.html
http://www.clusterdomar.com/index.php/temas/case-study/2-uncategorised/129-um-pouco-de-historia-a-marinha-mercante-portuguesa
http://www.arqnet.pt/portal/imagemsemanal/janeiro0503.html
http://salvaterraeeu.blogspot.pt/2012/01/lembrancas-da-marinha-mercante.html
http://espoliado.blogspot.pt/2011/07/marinha-mercante-portuguesa-infante-dom.html
http://www.vidaslusofonas.pt/index.htm
http://www.simplonpc.co.uk/
https://plus.google.com/106305025568133775583" Miguel Correia
http://lmcshipsandthesea.blogspot.pt/2011/08/despacho-100-promulgado-ha-66-anos.html
http://lmc-naviosportugueses.blogspot.pt/
http://santamariamanuela.blogspot.pt/
http://lmc-creoula.blogspot.pt/
http://www.companhiademocambique.blogspot.pt/2009_03_01_archive.html
https://digitarq.arquivos.pt/details?id-4166360
https://www.vesselfinder.com
http://naviosvelhos.blogspot.com
http://mz.geoview.info
https://geographic.org/geographic_names
http://lmc-naviosportugueses.blogspot.com
http://lugardoreal.com
https://funchalnoticias.net
http://www.tribunadamadeira.pt






(Actualizada em 3 de Setembro de 2018)











Na Guerra do Ultramar - As Lanchas do Lago Niassa









Esta história, recheada de inacreditáveis peripécias, muita capacidade de superar dificuldades inimagináveis, dedicação extrema de tantos que serviram exemplarmente o seu país, tem ainda um forte aroma a guerra secreta, um forte odor acre a espiões, agentes secretos amantes de golfe e desertores que afinal o não são, simulando sê-lo...

Uma história tão secreta que não há alguns documentos importantes arquivados, que se saiba.

Mas os intervenientes são conhecidos.



E como leais servidores desta estranha pátria actual, permanecem calados mas certamente em paz com a sua consciência.

Para mim tem ainda o grande atractivo de estar recheada de muita gente que conheci e conheço.

E embora num papel muito modesto, muito modesto mesmo, eu também participei numa pequena parte da acção.

Esta é a história muito resumida da vida das Lanchas da nossa Marinha de Guerra que operaram em Moçambique no Lago Niassa e de tantos conhecidos ou anónimos que cuidaram delas, de uma ou de outra maneira.

Usei muita informação de várias fontes, de muitos blogues, com muitas fotografias de que me “apoderei”, como tantas que encontro que eu coloquei na net…

No final desta história encontrarão todos os sítios que visitei para completar o que sabia e eu mesmo vivi e conto aqui, com o muito que não sabia.

A todos, o meu obrigado. Sem o vosso precioso auxílio não poderia contar o que aqui deixo.

 

 

Vamos à história!



As instalações do Comando de Defesa Marítima dos Portos do Lago Niassa, em Moçambique e a Base Naval de Metangula foram inauguradas em 1963 e nesse mesmo ano, com o fito de homenagear um distinto oficial de Marinha e cientista muito ligado àquela região, Augusto de Melo Pinto Cardoso, a localidade passou a denominar-se “Augusto Cardoso”.








Erro crasso já que nunca veio a ser conhecida por aquele ilustre nome. Eu sempre conheci a terra como Metangula e em 1975 voltou a chamar-se assim, oficialmente.






A situação de conflito com a Frelimo, o valor estratégico do vasto Lago Niassa e a sua confluência com vários países já independentes, levaram à criação, um pouco mais tarde do Comando de Esquadrilhas de Lanchas do Lago Niassa, CELN, que foi depois apetrechado com várias unidades navais, como LFPs (Lanchas de Fiscalização Pequenas), LDMs e LDPs (Lanchas de Desembarque Médias ou Pequenas).

Devido ao conflito entre o Estado Português e o Movimento de Libertação Frelimo, os EUA, que favoreciam a descolonização, não queriam autorizar a venda de material de guerra a Portugal.

Numa visita turística que fiz em 1972 à sede das Nações Unidas, numa estadia que tive em Nova Iorque como Co-Piloto de Boeing 707 da TAP, na grande sala do Conselho a guia disse aos presentes:  


“Aqui discute-se a independência das colónias portuguesas”.



A aquisição de embarcações adequadas à estratégia nacional nos vários teatros de guerra passou assim pela criação de uma “empresa privada”, a Progresso Lda que negociou com a americana “Fairbanks Morse” a compra de excedentes da 2ª Guerra Mundial, algumas embarcações do modelo americano USN LCM-6.

Tendo-se conseguido os planos técnicos dessas embarcações, foram posteriormente construídas outras unidades nos Estaleiros Navais do Mondego

Havendo agora o equipamento era necessário coloca-lo no Lago Niassa, que fica a 650km em linha recta do Oceano Índico…




E foi em 1966 e 1967 que se arquitectou um elaborado e faraónico esquema de transportar umas quantas Lanchas de Fiscalização e Desembarque desde Portugal e Angola para o Lago Niassa, no meio do Continente Africano.

 

Foi utilizado tudo o que mexia!


Como principalmente os homens que o executaram mas também o muito de que se serviram:

 - Grandes navios cargueiros

 - Grandes gruas dos portos.

 - Comboios.

 - Grandes camiões e atrelados gigantes.

 - Pontes propositadamente rectificadas, e outras construídas de propósito, algumas por cima das originais.

 - Comandos que guardaram aqueles “terrestres” navios e quem cuidava deles.

 - E também os aviões da Força Aérea que no ar tentavam dissuadir a Frelimo de atacar aqueles extraordinários comboios.

Que a muito custo, com muita coragem e sobretudo com muito querer progrediam pela selva africana, centenas de infindáveis quilómetros, conquistados literalmente palmo a palmo.

As Lanchas, adormecidas, viajaram 500km embarcadas em vagões dos Caminhos de Ferro de Moçambique, dos portos de Nacala e do Lumbo, no Índico, para o Catur, já na província do Niassa e depois mais de 250km de estradas e pontes rodoviárias que tinham de suportar os enormes camiões e atrelados, até ao porto lacustre de Meponda, já no Lago Niassa.




 

Uma homérica aventura essa extraordinária façanha!...

 









As Lancha de Desembarque LDM 400 eram o principal meio de desembarque dos Fuzileiros da Marinha.
                    
Desenho de Luís Filipe Silva



 

 

 

 

Características dos navios:



DESLOCAMENTO:
59,5 toneladas

DIMENSÕES:
17,8 x 5 x 1 metros

PROPULSÃO:
2 motores a diesel FODEN FD6 MK - 374hp
2 hélices

GUARNIÇÃO:
Cabo: 1 (Patrão da lancha)
Marinheiros: 3
Total: 4

CAPACIDADE DE CARGA:
80 militares / 35 toneladas de carga / 1 viatura blindada até 32 toneladas / 1 camião de 6 toneladas / 2 viaturas ligeiras

SISTEMAS DE ARMAS:
1 Peça OERLIKON Mk2 de 20mm/65 (2 Km de alcance)
2 Metralhadoras MG-42 de 7,62mm

VELOCIDADE MÁXIMA:
9,2 nós (16 km)

EMPREGO OPERACIONAL:
- Transporte e apoio logístico (mantimentos, munições, etc);
- Embarque e desembarque de tropas;
- Serviço público.



A LFP (Lancha de Fiscalização Pequena), “Castor”- P 580 foi a primeira que ficou colocado sob comando do CELN  em Novembro de 1963.

Primeira e única daquela classe, foi embarcada no N/M Sofala em 20 de Agosto de 1963 com destino ao porto de Nacala onde chegou a 25 de Setembro desse ano.



N/M Sofala

A LFP “Régulus”- P369 da classe “Antares” ”, embarcada a bordo do N/M Rovuma, em Luanda, no dia 14 de Setembro de 1965 depois de ali ter prestado serviço desde Janeiro de 1962, foi o 2º navio colocado no CELN, em Novembro de 1965.


N/M Rovuma

As primeiras lanchas a chegarem,  desembarcaram  no porto do Lumbo, próximo da Ilha de Moçambique. Decidiu-se que seriam depois encalhadas para poderem ser transportadas por terra. Coisa aparentemente simples, dada a pequena tonelagem e baixo calado das lanchas.

Mas o transporte da ”Régulus”, numa altura em que o conflito armado já começara, mostrou-se bastante difícil, entre outras razões porque durante o transporte de comboio ao passar num dos cruzamentos da via e por excesso de velocidade, a plataforma descarrilou saltando o navio sobre o berço, ficando a mesma deslocada cerca de 50 cm.


A ”Régulus”

A operação de recarregamento da plataforma levantou alguns problemas muito difíceis de superar, seguindo depois de completada a operação até Catur, onde se procedeu a nova transferência para uma outra plataforma, agora rodoviária que seguiu via Vila Cabral, até Meponda. Nas margens do Lago Niassa

Reposta a flutuar, rumou a Norte para Metangula.










As lanchas LFP “Mercúrio” e “Marte” mais duas LDM e uma LDP, chegaram ao porto de Nacala no início de Setembro de 1965.

Mas porque não correu bem a manobra de encaixe dos navios nas plataformas ferroviárias, os atrelados dos Caminhos de Ferro que suportariam as Lanchas desembarcadas na maré alta, os Caminhos-de-ferro de Moçambique desistiram da operação, tendo as lanchas voltado ao mar.




E foi então que o Comando Naval de Moçambique decide organizar uma grande operação conjunta dos três ramos dar Forças Armadas, terra mar e ar para levar aquelas lanchas desde o Índico até ao Lago Niassa, ao porto lacustre de Meponda, de onde seguiriam pelos seus próprios meios para Metangula, umas milhas a Norte, já a navegar no grande lago.


 

A primeira operação com o nome de código “Atum”

teve início no dia 13 de Setembro de 1965.






O problema do encaixe das embarcações no carril da linha férrea foi resolvido pelo Engº Lino Ferreira e pelo Capitão de Mar e Guerra Pedro Mouzinho, que construíram para o efeito uma autêntica linha férrea mar dentro, no Oceano Índico.

Depois, na maré alta com carris já submersos e o atrelado em posição colocaram as embarcações sobre este e esperaram pela maré vazante para que as lanchas ficassem na posição certa quando os carris estivessem novamente fora de água.








A operação de transporte decorreu sob comando de um oficial do Comando Naval de Moçambique, e contou com escolta dos Comandos. Um agrupamento formado meses antes na Namaacha, perto de Lourenço Marques, que garantiu a segurança aos homens e material. Ao Alf. Comando Cabral Sacadura que comandou esta unidade foi ainda atribuída a responsabilidade de autorizar ou não a circulação de comboios entre o Lumbo no Oceano Índico e Catur na província do Niassa, já perto do grande lago para dar total prioridade ao transporte das Lanchas.

















Durante esta última parte do trajecto, por estrada, foi necessário destruir alguns muretes das pontes, porque as lanchas eram mais largas que algumas delas.


Noutros sítios foi necessário construir autênticos viadutos com travessas em madeira, para elevar as muito pesadas embarcações em cima dos enormes atrelados e vencer dessa forma os obstáculos.



















Toda esta actividade foi realizada à custa de muita força bruta de homens, numa incrível operação extraordinariamente épica mas muito bem-sucedida.











 

 

 

 


 

 

 

 

 

À Força Aérea foi pedida a colaboração na segurança e dissuasão

de possíveis ataques dos combatentes da Frelimo entre o Catur e Meponda.

 













Fiz vários voos desses que se limitavam a ter de andar por cima dos camiões e atrelados carregados com as grandes Lanchas, armado de metralhadoras ou rockets na esperança que algum hipotético ataque fosse imediatamente neutralizado.














O único problema que tive foi o tédio da missão. Andava por ali até ao limite do combustível, sendo substituído por outro camarada, isto em contínuo, até ao anoitecer.

Que me lembre o único momento mais entusiasmante deu-se com o meu amigo Capitão Piloto Mira Godinho.





Descolado de Vila Cabral, a sua missão era de prevenção. Fiscalizar as pontes não fosse haver tentativas de sabotagem.


E uma bela manhã, debaixo de uma delas, bem grande por sinal, o Mira Godinho apercebe-se de que três almas suspeitas e aparentemente de uniforme, não se percebia bem, procediam a manobras pouco claras.

Uma ou duas passagens mais baixas e nada. Aqueles homens não queriam aparecer.

Activadas as metralhadoras o Mira Godinho efectua uma manobra sobre o rio e desce ao nível da ponte, aquelas 3 almas, a segundos de partirem para o Além, na mira certeira, é agora, gatilho puxado e nem adeus disseram…Não acredito!





Ou melhor, não ligaram nenhuma apesar da manobra.

Aconteceu que as metralhadoras encravaram…

À segunda tentativa novamente falhada, como que a agradecerem, os três militares do nosso Exército ali em patrulha de segurança também, debaixo da ponte, subiram calmamente à ponte e finalmente disseram-lhe um sentido adeus.


Se eles soubessem…




A Operação “Atum”, de transporte da LDM 404, terminou a 19 de Dezembro de 1965, quando as lanchas navegando desde Meponda, chegaram a Metangula, e a escolta regressou ao Lumbo.

As LDM 405 e LDM 408 foram transportadas em Abril de 1966.

E a LDM 407 em Agosto de 1967 ao abrigo da "Operação Roaz".



Finalmente a chegada a Meponda de uma das lanchas:







Em 1967 o CELN recebeu também as duas últimas embarcações LFP, “Saturno” e “Urano”. Estas embarcações completaram a força naval no lago Niassa.





Nas LFP Castor, Régulus, Marte, Mercúrio, Saturno e Urano, estiveram como comandantes a prestar serviço, mais de quatro dezenas de oficiais, a maioria dos quais da Reserva Naval.

A vida das Lanchas, com este começo épico não poderia continuar então na modorra e beleza do local com os seus estonteantes pôr-do-sol sobre o Lago, em grandes letargias, sem mais histórias.
Além das inúmeras acções de suporte e combate ao longo das margens do Lago Niassa, a cargo do Fuzileiros, as Lanchas deram “emprego” a mais cidadãos, militares ou não.



Assim, em Metangula a Marinha tinha ao seu serviço um pequeno avião Cessna que se dizia tinha sido “requisitado” (nós, na Força Aérea dizíamos roubado) a um Aero-Clube e que servia de ligação mais rápida com Vila Cabral.

Nunca tirei a limpo a situação real daquele avião. Mas conheci muito bem quem o tripulava, o CTEN Manuel da Silva Rodrigues que pertencera a Aviação Naval e agora desempenhava as funções de Chefe do Estado-Maior do Comando de Defesa Marítima dos Portos do Lago Niassa.


Aeroporto de Lichinga, ex-Vila Cabral - Imagem actual






Na altura não passámos do protocolar cumprimento militar para além da incomodidade de a Força Aérea e a Marinha (coisas deste estranho país…) não se entenderem e o avião não ser autorizado a estacionar e pernoitar dentro da Base Aérea em Vila Cabral. Era para todos os efeitos um avião civil (matricula e tudo) e como tal ficava na placa civil do Aeroporto que partilhava a pista com a Força Aérea.









Eu, eu também era misto…

Militar, Sargento Miliciano piloto, também não usava as instalações da Base. Vivia com a minha mulher e filha em casa do Director do Aeroporto, de quem era e sou amigo desde a juventude compartilhada no Colégio Nuno Alvares, em Quelimane, anos 50.

Alguns anos depois o Comandante Silva Rodrigues viria a juntar-se à TAP, já depois de mim, e fomos assim colegas no mesmo ramo aeronáutico. Acontece que ele é Tio da mulher de um meu grande amigo. E esse amigo, o Pedro, é filho do Dr. Gouveia e Melo, Governador Civil da província da Zambézia, também nos anos 50 e portanto chefe do meu Pai, que foi Administrador de Circunscrição de Quelimane.

A placa da Base em Vila Cabral, com T 6 e Dorniers DO 27


Como curiosidade, este Dr Gouveia e Melo, tinha um irmão mais novo, Advogado, em Quelimane.

Este senhor, o Advogado, é Pai do Vice Almirante Gouveia e Melo que tão brilhantemente nos ajudou a combater a epidemia de Covid 19 em 2021...



Mas não é tudo…


Voltemos a Metangula, agora em 1968.

Uma manhã na Base Aérea em Vila Cabral recebemos uma mensagem via rádio a dar conta de movimentos suspeitos de uma embarcação no Lago Niassa que se supunha estar ao serviço das forças da Frelimo.

Era preciso ver o que era e eventualmente abater aquele alvo.

Saímos dois aviões T-6 carregados de bombas para uma zona um pouco a Norte de Metangula. O meu chefe era um Alferes Piloto Miliciano.

Nem meia hora de voo depois de iniciarmos as buscas no Lago a embarcação é finalmente avistada.

As tentativas de contacto via rádio, como era de esperar dadas as dificuldades habituais de contacto entre aviões e quaisquer outras forças no terreno ou na água, não deram em nada. Nem a guarnição se quis mostrar, mantendo o rumo mais ou menos em direcção ao Malawi.

Tinha armamento visível a embarcação mas ninguém se mostrou preocupado em aparecer. Nenhum símbolo identificável. Uma nave mistério que se aproximava sorrateiramente da fronteira marítima, afastando-se de Moçambique.

Aí o meu chefe perde a paciência e resolve bombardear o inimigo.

Quase já em passe de tiro para largar as bombas, peço-lhe calma e que reconsidere mais uma vez.

Tudo aquilo me parecia estranho.

E foi quando, não o conseguindo demover mais, ele resolve abater mesmo aquele alvo e se faz novamente ao passe de tiro, que aquelas almas da nossa Marinha, Fuzileiros de Metangula, tripulantes daquela Lancha que nunca viramos nenhuma a navegar, resolvem aparecer e acenam para nós…

Se estes também imaginassem o que lhes esteve quase a acontecer…




E agora falemos da tal guerra secreta.
Com um forte odor acre a espiões, agentes secretos e desertores
que afinal o não são, que vos prometi no início desta história.




A partir de 1964 três países viviam junto ao Lago Niassa.

Tanzânia e Malawi independentes e a Portuguesa Província Ultramarina de Moçambique.

Com a independência da Tanzânia em 9 de Dezembro de 1961 (Ex Tanganica, que foi uma colónia alemã entre 1880 e 1919) o Lago Niassa, o 3º maior de África, torna-se a partir de 1964 um lugar de grande importância estratégica. A Tanzânia adquire um estatuto de país profundamente anticolonialista, servindo de base de apoio aos movimentos de independência das colónias portuguesas.

O Malawi anteriormente Niassalândia ou Protectorado de Niassalândia foi um protectorado britânico criado em 1907, quando o antigo Protectorado Britânico da África Central alterou o seu nome. Entre 1953 e 1963, a Niassalândia foi parte da Federação da Rodésia e Niassalândia. Depois de a Federação ter sido dissolvida, a Niassalândia tornou-se independente da Grã-Bretanha em 6 de julho de 1964 e foi renomeada Malawi.

A Frelimo lançou sua primeira ofensiva em território Moçambicano em Setembro de 1964
Ao contrário da Tanzânia, o Malawi enveredou por uma solução meio ambígua, mantendo relações com Portugal, ao mesmo tempo que permitia alguma mobilidade à Frelimo.

Portugal conseguiu obter as boas graças do líder da Malawi Hastings Kamuzu Banda, cujo cônsul honorário em Moçambique era o controverso engenheiro Jorge Jardim que fora subsecretário de Salazar.



Hotel Embaixador, na Beira - foto da época






Conheci o Engº Jorge Jardim em 1958, em casa dos meus primos Saul e Aida Brandão, num jantar de família, estando eu a frequentar o 6º Ano do Liceu Pêro de Anaia na Beira. O meu primo era ali um grande empresário, sendo por exemplo o proprietário do Hotel Embaixador.





Ver aqui uma breve biografia do Engº Jardim, neste Blogue.
É a última biografia das 3 que estão na história


O Engº Jardim tinha relações privilegiadas com o poder, relacionando-se directamente com Salazar e depois com Marcelo Caetano.

São conhecidos inúmeros contactos seus junto das chefias militares que actuavam em sintonia com ele em operações coordenadas, semiclandestinas.

E Metangula e as suas Lanchas de Desembarque e Fiscalização tornaram-se óbvios mecanismos de controlo naval da guerrilha emergente no Norte de Moçambique, com o apoio dos seus vizinhos Independentes.

E o Malawi era um polo demasiado atractivo e acessível para ser descartado.

E foi fácil negociar e chegar a acordo em 1968 de modo a colocar, com controlo dissimulado, uma lancha de Metangula ao “serviço” da inexistente Marinha do Malawi.

A Lancha seria colocada em Nkata-Bay, na margem Malawiana do Lago. A primeira unidade naval daquele Estado.

A formalização do acordo entre o Estado Português e o Malawiano foi celebrada no dia 5 de Agosto de 1968 em Metangula com a entrega da Lancha “Castor”, “por empréstimo”, rebaptizada “John Chilembwe”.

Tratou-se afinal de uma bem urdida e secreta manobra. De tal modo que não se conseguem encontrar documentos que o comprovem em nenhum arquivo conhecido.

Mas sabe-se quem formalizou o acordo. Nesse dia, estavam presentes em Metangula entre outras individualidades, o Comodoro Tierno Bagulho, Comandante Naval de Moçambique, e “em representação” do governo do Malawi, Aleke Banda, ministro da Economia e presidente do Malawi Youngers Pionners.

Existe no entanto um relato feito nos anos 80 e logo pelo primeiro Comandante da “Lancha Malawiana”, um oficial que “se passou para o outro lado”.



Este “desertor” (o ex-Comandante da Lancha “Mercurio”) que já o era antes da transacção, assistiu inclusivamente à entrega da Lancha “Castor” já como oficial da Marinha do Malawi. Que passou a existir ali, com um navio português e um único Oficial, também português…


Era o Engenheiro Manuel Alexandre de Sousa Pinto Agrelos.


Com o novo comandante da lancha seguiram o marinheiro telegrafista Mário Fernandes e o cabo fogueiro Martinica, que foram graduados, respectivamente, em segundo e primeiro-sargentos da Marinha de Guerra do Malawi. O resto da guarnição pertencia aos Young Pioneers, uma espécie de «guarda pretoriana» do regime ditatorial de Hastings Banda.

Naquela cerimónia esteve também e obviamente o Engenheiro Jorge Jardim, cônsul honorário do Malawi em Moçambique. Jardim ficou a pagar o salário de Manuel Agrelos, que o depositava numa conta especial de um banco.

Jorge Jardim passou a ser o interlocutor das informações que o oficial português da Marinha do Malawi lhe fornecia.

Manuel Agrelos, praticamente o “Ministro da Marinha” do Malawi, passou a participar nas reuniões do Conselho de Ministros Malawiano e teve vários encontros ao mais alto nível, não só com o “seu” Presidente Hastings Banda mas também com altos dirigentes da Frelimo, inclusive com Eduardo Mondlane.

Nada de muito estranho neste recente país Africano, já que o seu próprio Presidente não era quem dizia ser, tendo sub-repticiamente assumido a identidade de um estudante de medicina da Niassalândia que um belo dia desapareceu em Londres sem deixar rasto.

Um senhor que nem conseguia falar a “sua” língua natal e que quando as desconfianças sobre a sua identidade ultrapassaram o limite resolve ir “à terra da sua família” onde uma tia conhecia um sinal do sobrinho numa perna. Lá chegados a tal tia foi levada a uma sala e saiu de lá a dizer que sim. Era o seu sobrinho. Esta senhora passou a viver muito confortavelmente na vida, até ao fim dos seus dias…Teve sorte. Ficou com a cabeça e com muito dinheiro para tudo...

O Presidente não era casado mas havia uma senhora, Miss Cecilia Kadzamira Tamanda, cujo título oficial era "official hostess of the Government of Malawi" familiarmente conhecida como "Mama ou Mãe da Nação" a quem ele, quando morreu deixou a fortuna avaliada em 458 milhões de dólares. Nada mau…

No Diário de Notícias do dia 22 de Abril de 2004, num artigo de Serafim Lobato, autor do Blogue Tabanca de Ganturéde onde compilei a maior parte deste relato, pode ler-se:

«…a flotilha de lanchas de Metangula passava a ser abastecida em gasóleo vindo do Malawi.
A lancha de desembarque média, que ia buscar o combustível, levava um logótipo da SONAP (a GALP na altura) e os membros da guarnição tinham fardas da mesma companhia petrolífera portuguesa.

Agrelos foi, durante muito tempo, um enigma para muitos dos «brancos» que gravitavam, de uma maneira ou de outra, nas mesmas funções no interior das Forças Armadas do Malawi, principalmente os ingleses.

Quem seria aquele branco, que se apresentava completamente desligado das Forças Armadas portuguesas, e que falava fluentemente inglês?

Com o tempo, aceitaram-no e começou a frequentar os selectos clubes «europeus» mantidos, apesar da independência, naquela antiga colónia.

A sua missão «tipo James Bond» decorreu, pacificamente, até que terminou a sua comissão de serviço em 1969.»


O Manuel Agrelos foi depois Comandante da TAP onde evidentemente nos encontrámos. Foi Instrutor mas também amante do golfe.



Sempre foi e é muito estimado ente todos nós, tripulantes da TAP.


Quando publiquei esta história, ele era Presidente da Federação Portuguesa de Golfe.



Metangula, o Lago Niassa e Moçambique ficarão indelevelmente ligados à História da Marinha de Guerra e à importância da participação da Reserva Naval na construção dessa memória histórica.

O Lago Niassa é um verdadeiro mar. Dizem que tem tantas milhas de comprimento como dias tem um ano e tantas de largura como as semanas desse mesmo ano.



Para verem todas estas fotografias e outras aqui não publicadas, vão a:

"Álbum de Fotografias das Lanchas do Lago Niassa"





A recolha de informações escritas e de imagens foi possível através destes sítios da Internet por onde andei:


http://tabancadeganture.blogspot.pt/search?q=agrelos

http://desenvolturasedesacatos.blogspot.pt/2014/04/historia-da-guerra-colonial-23-accoes.html

http://maneldarita.blogspot.pt/2013_06_01_archive.html

http://reservanaval.blogspot.pt/2009_02_01_archive.html

http://companhia2fz.blogspot.com/

http://reservanaval.blogspot.pt/2009/02/navegando-do-indico-ao-lago-niassa-3.html

http://www.blogger.com/profile/03865066644318097470

http://gaivotasnoniassa.blogspot.pt/2010/01/1-1.html

http://reservanaval.blogspot.pt/2009_05_01_archive.html

http://picaorelha.blogspot.pt/2013/07/transporte-de-lanchaspara-o-lago-niassa.html

http://memoria-africa.ua.pt/

http://reservanaval.blogspot.pt/2009/06/mocambique-metangula.html

http://farol-da-torre.blogspot.pt/2013/10/momentos-de-historia.html

http://barcoavista.blogspot.pt/2009/10/lanchas-de-desembarque-medias.html

http://historyofafricaotherwise.blogspot.pt/2011/11/malawi-incredible-true-story-of-dr.html




(Actualizada em 08 de Outubro de 2021)