3ª Parte de 5
Foram muitos os assaltos praticados pelas quadrilhas de José do Telhado.
Conhecem-se bem, pelo menos, estes, todos em elegantes e ricas casas senhoriais, das Beiras:
José do Telhado |
Casa de Cadeade, em Santa Marinha do Zêzere – Baião
Casa de Talhos
Solar de Carrapatelo, em Penha Longa - Marco de Canaveses
Casa de Pereiró
Casa de Domingos Camelo, em Fervença - Celorico de Basto
Casa de Carrapatelo
Casa de Senra, em Aião – Felgueiras
Casa do Padre Albino Pacheco da França, em Unhão - Felgueiras
Vamos espreitar como foram alguns...
Assalto à Casa de Pereiró
Zé do Telhado orquestrou, com todo o cuidado, um assalto à Casa de Pereiró, na freguesia de S. Lourenço de Pias, em Lousada.
Acabou por ser um grande falhanço, inesperado, cujo intenso e dramático desenrolar foi contado, de geração em geração, naquela casa senhorial.
Aquela nobre casa pertencia a um distinto morador de Pias, de seu nome Constantino Elisiário Ribeiro Peixoto, que começou por receber um ultimato, em forma de carta, enviada por Zé do Telhado. Nela se ameaçava o senhor Elisiário de que se não colocasse um saco bem cheio de libras no penedo de Sant’Ana, ele e o seu bando lhe assaltariam a casa.
O homem, que não era pera doce, não se conformou e recusou-se a ceder ao ultimato.
Cumprindo a ameaça, a quadrilha de José do Telhado chega, no dia aprazado no ultimato, à casa do senhor Constantino e repara que ele se tinha entrincheirado, com armas de fogo apoiadas nos beirais de todas as janelas do 1º andar. E as janelas estavam todas abertas.
Já o rés-do-chão estava todo fortemente barricado.
Portas e janelas bem fachadas!
Intransponível o acesso imediato, fácil, ao interior!
O senhor Constantino Peixoto esperava-os numa das janelas da fachada, no piso superior, calmamente, de arma na mão, um charuto pendurado dos lábios.
Em silêncio. Tranquilo. Desafiante.
Zé do Telhado, de pé, junto à casa, mas a distância segura, o caso não era para menos, analisou a situação e com o seu cavalheirismo habitual, ergueu bem alto a sua forte voz, para que não houvesse dúvidas no diálogo, e pergunta educadamente ao proprietário daquela fazenda:
- “Dá-me autorização para assaltar a sua casa?”.
Com a mesma clareza, mas em jeito de provocação, a resposta foi imediata:
- “Sim!”.
E o tiroteio começou! Desenfreado!
Constantino Peixoto, destemidamente, descarregava, bem protegido, as armas, enviando as balas na direcção dos assaltantes e corria, de janela em janela, disparando contra eles, sempre de janela em janela diferente mas com armas bem municiadas.
Mosquete usado pela infantaria francesa |
Para isso contava com o apoio de uma sua corajosa criada que ia de arma em arma que ficava descarregada e as reabastecia, usando as munições que previamente tinha amontoado no chão de cada janela, aos montinhos.
As munições daqueles não muito recuados tempos, eram pequenos cartuchos de papel que continham, num mesmo embrulhinho, uma dose medida de pólvora negra e uma bala esférica, de chumbo. Uma bolinha...Na falta de melhor, às vezes até pedrinhas se usavam…
Os militares mais treinados, rasgavam rapidamente o papel do cartucho com os dentes, despejavam um pouco da pólvora na "panela", no sítio da pederneira e deitavam o restante no cano. A bala era então inseria no cano, usando o papel do cartucho como bucha. Só depois era introduzida no cano a vareta para calcar tudo lá dentro, calcado junto à pederneira. Depois era só procurar um alvo, fazer pontaria e disparar!
A pederneira provocava, por atrito, uma faísca que inflamava a pólvora colocada logo abaixo e que, por sua vez, fazia explodir o resto da pólvora no início do cano. E a bola de chumbo saia disparada á procura do alvo...
Esta rápida acção permitia, no entanto, ao inimigo a abater, ter tempo de rezar uma Avé-Maria, antes de levar em cheio com o chumbo no peito, acho eu…
Pouco depois de a corajosa criada reabastecer a arma com uma só bala nova, esta era devidamente enviada a um dos assaltantes pelo seu patrão, o senhor Constantino Peixoto, homem sem medo e de boa pontaria, já se vê.
Perante essa inesperada e corajosa oposição, a quadrilha decide recuar e abandonar o assalto, que ameaçava eternizar-se para além do tempo seguro e razoável.
A polícia também não andaria longe…
Zé do Telhado, admirado pela destreza e coragem do destemido dono dessa casa, remeteu-lhe, na qualidade de rei dos salteadores da região e por uma questão de lealdade e honra da sua parte, uma carta que Constantino Elisiário deveria mostrar no caso de ser assaltado. Servia essa missiva para segurar os seus bens, perante os amigos do alheio. Era uma espécie de seguro de bens pessoais… muito útil.
Certo dia, em data indefinida e para seu descanso, julgando-se a coberto das garras da autoridade, Zé do Telhado resolve pernoitar em Amarante, cujo administrador, José Guedes Cardoso da Mota, fora avisado que o fugitivo passaria a noite na casa de Manuel Teixeira, do Sardoal.
Cabos de ordens, tropas de caçadores e regedores das freguesias são mobilizados em peso para a captura, cujo comando fora confiado ao regedor Alves, de São Gonçalo.
Cercaram a casa durante a noite. Mal irrompessem os primeiros raios de sol, por imposição legal, o assalto e as prisões consumar-se-iam. A mulher do dono da casa, quase de madrugada, apercebeu-se do cerco e alertou Zé do Telhado, entretanto já ocupado a cuidar do seu visual.
Nas situações mais dramáticas, o homem cofiava a barba hirsuta, ajeitava o paletó e empertigava a forte peitaça frente ao espelho.
Dirigiu-se a uma janela e interpelou um dos cabos.
- Quem anda aí?, as palavras de Zé do Telhado rasgaram a noite gelada. A resposta chegou e trazia mau augúrio:
- É o regedor da freguesia. Por ora não queremos nada, o que queremos será mais logo. O foragido dirige-se para o lado oposto da casa e abre outra janela.
- Tu, que estás detrás do carvalho, sai!.. senão morres!
Ao grito da última palavra, colou-se um tiro que aterrorizou a patroa.
- Entregue-se, senhor, que eles não lhe fazem mal! Pediu, ajoelhada, a mulher.
Zé do Telhado nem a ouviu. Ao nascer do dia, para surpresa geral, abre a porta de casa e aparece à porta, de peito feito. Desce os degraus e simula que se vai entregar.
Em tropel, a tropa lança-se sobre a criatura.
O gesto é fulgurante! Recua, entra de novo em casa, bate com a porta e foge pelas traseiras, galgando um monte.
Os sitiantes seguiram-lhe no encalço. Sentindo-se perseguido, desfechou um tiro. Depois, outro.
O assalto ao Solar do Carrapatelo
Segundo Camilo Castelo Branco, nas suas "Memórias do Cárcere",«cinco dias após o falecimento do seu proprietário, José Joaquim de Abreu e Lemos, sargento-mor das milícias de Bemviver, deu-se o assalto ao Solar do Carrapatelo, em Penha Longa – Marco de Canaveses.
Uma casa senhorial, na serra de Monte de Eiras, feita com dinheiros do vinho do Porto. Era uma casa isolada, em ermo alcantilado», segundo Camilo..
Nesta casa morava sua filha, a Senhora D. Ana Vitória de Abreu e Vasconcelos.
Cinco dias antes, chegara aos ouvidos de José do Telhado que o fidalgo se finara, deixando aos herdeiros 30 mil cruzados em ouro.
Zé do Telhado, resolve deitar mão às moedas, enquanto a herança não era distribuída e não perde tempo. Põe logo os seus homens de mais confiança a trabalhar.
Como já vos disse, a Quadrilha era uma estrutura bem organizada, hierarquizada e toda a gente sabia o que fazer e quando e como fazer
Zé do Telhado, desde Caíde do Rei (concelho de Lousada), onde vive, até ao solar do Carrapatelo terá de percorrer, com o seu bando (uns a cavalo e outros a pé) umas boas 5 a 6 léguas, aproximadamente 30 quilómetros, atravessando serranias e vales profundos.
Decide-se que tem se tem de partir com o bando um dia antes do assalto e arranjar onde passar a noite e guardar os animais, lá por perto, mas sem darem nas vistas.
Vai ser preciso encontrar ali um guia que conheça muito bem toda aquela zona.
É enviado ao local um subcomandante com essa incumbência. Calhou a tarefa a José Vasconcelos, homem da maior confiança do chefe, conhecido por “o Morgado”.
Era um sábado, 3 de Janeiro, quando o Morgado resolve ir de visita à feira no Marco de Canaveses e ali encontra, a lamentar-se, um tal Joaquim Soares, mais conhecido por Vinagre, marchante a tentar arrematar umas reses para as revender depois a um açougueiro seu amigo, que lhas encomendara.
Não tendo conseguido fechar o negócio, lamentava-se abertamente, para quem o quisesse ouvir:
- «Ai, ai que fiquei sem meios para ganhar a vida!».
É ai que lhe aparece “o Morgado”, que se apercebera do desespero do Vinagre, e mete conversa com ele.
- Então homem! O que é que lhe aconteceu?
- Não consegui arrematar reses para um talho e fico sem meios de sustentar a família, lamenta-se o infeliz.
A conversa vai por aí fora chegando ao ponto de “o Morgado” lhe perguntar se conhece o solar de Abreu de Lemos, falecido há pouco.
O Vinagre disse que sim, conhecia bem o Solar do falecido.
Sem esperar mais, “o Morgado” pede-lhe que lhe arranje onde possam pernoitar daí a uns dias uns tantos amigos dele, terminando assim o que lhe dizia:
- Ó Vinagre, se me ensinar o caminho para lá, pago-lhe bem.
Negócio feito!
É até contratado para participar no assalto. Alucinado com a novidade e o dinheiro que viria a receber, começa por pedir emprestado a um vizinho o seu bacamarte, que de nada lhe servia, pois o homem já não caçava.
No dia anterior ao assalto, mete-se a quadrilha a caminho. Seguiam descontraidamente, divididos em grupos pequenos para não chamar a atenção.
Uns a pé, outros a cavalo, sobem serras e montes, descem a valas, contornam penedos, afugentam lobos que os espreitam e vão avançando ao encontro do Vinagre.
Zé do Telhado, montado na sua égua, com o bacamarte disfarçado e a clavina à vista, levava consigo duas cadelas para se passar por caçador, quando se cruza com outros incautos viajantes.
Terão muito para andar até toparem com o Vinagre.
Este, entretanto, conseguira tratar de alojamento para todos. A pensar no saque, levara um açougueiro conhecido a ceder-lhe uma casota que servia de palheiro e também de arrumos, já próxima do Solar do Carrapatelo.
Quando chegam ao improvisado quartel-general, cansados da longa jorna, deitam-se todos nas palhas que lhes serviriam de cama.
Toda a quadrilha se vai juntando e ajeitando. Não só os elementos efectivos mas também os reforços, arregimentados por ali
Chegada a noite, alquebrados da viagem, bem comidos e bem bebidos, todos se dão ao sono. Até ao alvorecer do dia aprazado, 8 de Janeiro de 1852.
E foi só ao fim desse dia, quando, quem tinha tido a tarefa de observar as rotinas no solar, volto ao palheiro com todas as informações, é que Zé do Telhado se dispôs a apresentar-lhes a estratégia para o assalto.
Antes de mais, é preciso não matar! Só se for para salvar o coiro!
Era preciso, também, salvaguardar qualquer ataque que a polícia ou os militares pudessem fazer. Para isso escolhe os homens que ficarão a cobrir o exterior da casa
Decide depois quais os homens que entrarão com ele na casa.
Um deles é João Ribeiro Peneireiro, um homem muito novo, quase sem barba. Loiro, bexigoso, valente, mas sem autodomínio, sem tarimba.
E avançam todos para o Solar, já noite caída, cortando um nevoeiro cerrado.
Comandava a marcha, á frente de todos, o Vinagre, que em tribunal, no julgamento, disse:
- «Vínhamos todos armados de espingardas, com exceção de um que trazia um machado e todos marcharam em direção à casa do Carrapatelo, guiados por mim, como ordenara o comandante».
«Esta Senhora estava com visitas que tinham ido desejanoja-la da morte de seu pai, falecido poucos dias antes», no dizer de Camilo. O senhor, na verdade, tinha falecido no dia 3 de Janeiro.
Explica-se aqui que, “desejanojar” significava aliviar o nojo a alguém, ou seja, o luto pela morte de alguém muito querido. Atualmente já não se desejanoja ninguém, alivia-se, quando muito, a dor pela morte de alguém muito querido, num qualquer convívio de solidariedade.
Zé do Telhado e os seus homens desciam cautelosamente o monte, Avançavam com todo o cuidado para não alarmarem os cães do Solar, que a essa hora deviam estar deitados á volta da lareira. Eram apenas sete homens e duas cadelitas de caça, muito disciplinadas.
No solar, a viúva retirara-se à pouco para uma saleta recatada, com a filha e umas amigas. Com grande pesar, falavam todas com Deus, ajoelhadas, em oração.
Na cozinha, as criadas ainda lutavam com a loiça por lavar. Luísa de Jesus, com 37 anos, metade deles a cuidar daquela família, andava ainda à roda do lume, para manter a água quente, no fogão, á espera da louça suja.
De repente, os cães da casa deixam a lareira, alarmados. Sentem, provavelmente, as perdigueiras do Zé do Telhado e desatam a latir.
A quadrilha bate à porta das traseiras, interrompendo as conversas. Os cães, que tudo percebem, fechados em casa, latiram nervosos. Um criado, de seu nome João Carvalho, assoma-se, desapercebido, à porta e, solícito, abriu-a e levou, como cumprimento, de supetão, com um golpe de machado na cabeça, que lhe assentou o Peneireiro.
Nada de grave. O sangue a escorrer pela testa e a rapar-lhe os olhos, sem poder ver nada, João Carvalho regressa à cozinha e pede ajuda a Luísa
- «Dá-me água para me lavar.»
Penetrou a quadrilha na cozinha, e um dos assaltantes, o mesmo João Ribeiro Peneireiro, grita ao criado:
- «Não tenhas pressa em lavar-te pois vais morrer!»
E enfia-lhe um balázio de pistola na barriga que lhe põe as tripas de fora. Estava morto!
- «Caiu mesmo junto a mim, pelo lado esquerdo abaixo», dirá mais tarde a pobre criada, ainda arrepiada.
Este gesto levou José do Telhado a repreender fortemente o Peneireiro pela morte desnecessária do criado. Não era coisa que fosse aceitável, em nenhum assalto. Bastava-lhe os bens da casa. Não se justificava matar ninguém, em condições normais. Ficou furioso. Mas o criado da morte não se livrou.
E essa morte viria a persegui-lo, até quando teve de dar contas à justiça.
Vinagre esclarecerá mais tarde: «O sócio João Ribeiro declarou perante todos que tinha sido ele quem tinha matado o criado, pelo que o chefe Zé do Telhado o repreendeu e até o quisera matar».
De seguida dirigem-se para a saleta onde estavam as apavoradas senhoras, e forçaram-nas a uma ida à beira do recém falecido João Carvalho, explicando-lhes muito explicitamente a sorte que teriam se começassem com disparates e não lhes dessem o dinheiro que vinham ali recolher.
Entregou-lhes a senhora, sem mais demoras, todo o dinheiro e demais valores que tinha em sua casa, 200 mil réis, pratas e ouro.
Com o seu habitual cavalheirismo, Zé do Telhado devolveu-lhe um anel que um subordinado seu, da quadrilha, tirara à força do dedo da jovem senhora, sem o seu consentimento prévio.
Zé do Telhado teve ainda de fazer valer a sua autoridade e noção de honra, mesmo em pleno assalto, quando viu que José Pinto, um vendeiro da Lixa, o nosso já conhecido e enorme José Pequeno (de um relato atrás feito na Feira de Penafiel, em 1845) tentava abraçar a jovem D. Ana Amélia, neta do fidalgo falecido. Este acto cobarde e pouco digno para a mentalidade honesta, conservadora, do nosso José do Telhado, valeu ao quadrilheiro José Pequeno uma valentíssima sova sua, em frente de toda aquela gente, coisa que o facínora nunca mais esqueceu.
Tudo teria ficado por aqui se o companheiro que organizara o assalto não dissesse, nesse momento, que sabia que José Joaquim de Abreu, o recém defunto pai da Senhora, tinha ainda outros 30000 cruzados em moedas, certamente ainda escondidas algures, por não as ter visto no rol dos bens já surripiados.
A jovem filha, que na verdade ignorava, realmente, que tais moedas existissem em sua casa, respondeu, inocentemente, que só sabia da existência do que lhes tinha entregado.
Não houve outra solução… As amedrontadíssimas senhoras foram todas, de novo, conduzidas ao cadáver do João Carvalho, e obrigadas a ajoelharem-se para receberem a morte.
O medo atiçou a memória a uma criada!
Lembrou-se que o dinheiro pudesse estar, talvez, num quarto, ainda não aberto, desde que o falecido defunto se ausentara para a cova.
Lembrou-se disto como se pensasse em voz alta e todos a ouviram.
3 homens ficaram de guarda à visita forçada das senhoras ao cadáver do criado enquanto José do Telhado e os outros membros da quadrilha foram ao tal quarto. Arrombaram todas as gavetas, uma a uma, até encontrarem realmente as sacas com o dinheiro. 30000 cruzados em moedas!
Voltando à cozinha, José do Telhado mandou que se erguessem as senhoras, já muito mais próximas à condição física do moribundo criado do que vivas.
Conduziu-as sãs e salvas àquela saleta, onde desejanojavam pouco antes, recomendou-lhes que “estivessem muito caladinhas, que eram muito bonitas” e fechou-as por fora.
E dali se foram em passo estugado.
40000 cruzados foi quanto repartiram pela quadrilha, nessa noite…
Esse assalto ficou marcado pela morte de um homem, o criado João Carvalho, e pela sova que Zé do Telhado deu a outro membro do bando, o facinoroso José Pinto, o tal grandalhão, conhecido como José Pequeno.
Este seu gesto calou fundo em D. Ana Vitória de Abreu e Vasconcelos, a herdeira do solar, mãe de D. Ana Amélia, que, embora roubada nos seus haveres, nunca deixou de mostrar a sua gratidão (e até uma pouco comum e estranha simpatia) por Zé do Telhado, como se constatou antes e durante o julgamento a que este viria a ser sujeito, anos mais tarde.
Quem não lhe perdoou a sova e a humilhação foi José Pequeno, que passou a odiá-lo profundamente, não tardando a delatar as actividades do bando ao administrador de Soalhães, Adriano José de Carvalho e Melo (situação confirmada a partir de 1853).
O inevitável confronto entre os dois (pois José do Telhado apercebeu-se da traição do facínora) aconteceria na Lixa, em data indeterminada, como se conta mais adiante.
O assalto no lugar de Paradela
Foi em Celorico de Basto, no dia 8 de Abril de 1852.
Um pouco antes da meia-noite, a quadrilha do José do Telhado assaltou a casa de Domingos Gonçalves Camelo, um abastado lavrador bem conhecido na região.
O seu “corpo auxiliar”, aqueles seus colaboradores que lhe davam informações para assaltos com sucesso garantido, avisara-o que Domingos Camelo recebera uma herança de um familiar afastado e que guardara esses bens, moedas e cordões em ouro, numa das suas casas, que tanto podia ser na casa de habitação, ou mesmo nos anexos, lojas, lagares ou armazéns, mas tudo muito bem escondido. A falta que um Banco lhe fazia…
Dizia-se até que os ladrões bem podiam vasculhar por todo o lado, que nunca dariam com as moedas nem com o ouro amealhado.
Domingos Gonçalves Camelo vivia no lugar de Paradela, freguesia de Fervença, concelho de Celorico de Basto. Na companhia de sua mulher, Maria Francisca,
Para este assalto, José do Telhado escolheu uma equipa de acordo com a acção que achava necessária. Faziam parte dela, entre outros, o Pichorra, o Glórias, o José Pequeno, o António Morgado, e mais outro homem também de nome Morgado. Estes dois últimos, para não serem reconhecidos e mais outros dois, ficaram de atalaia no exterior da propriedade.
Alguém disse que, para concretizar o assalto, “um deles subiu por cima de uma dessas ditas casas entrou ao seu curral e depois abriu o seu portal para onde entraram os mais…”
Depois de atravessarem um desabrigado terreiro, arrombaram facilmente a fechadura de uma porta das traseiras, sem que os donos da casa despertassem do sono.
Entraram sorrateiramente pela cozinha e passaram à sala que dava acesso ao quarto de dormir.
Foi só abrir a porta e entrar, de armas na mão.
Os salteadores, dois de cada lado, abeiraram-se da cama.
O desapercebido casal foi assim acordado por quatro tenebrosos vultos, tudo às escuras.
- Quem está aí? – perguntou, assustadíssimo, Domingos Camelo.
- Não se mexa e diga lá onde está o dinheiro. Já! – ameaçou o Pichorra de pistola encostada á testa..
António Morgado ainda tentou resistir, obrigando os salteadores a separaram o casal, levando um para cada lado. Usando de muita violência, à coronhada pela cabeça e pelas costelas de ambos, iam ameaçando: “Confessa, senão mato-te!”
Segundo as declarações das testemunhas, provavelmente vizinhos do casal, durante o Auto, houve recurso ao disparo de vários tiros para o ar, certamente com o intuito de intimidar os donos da casa.
- Entregamos tudo, mas não nos façam mal – pediu, rendido, Domingos Camelo.
- Vamos a isso – respondeu José do Telhado.
- O dinheiro e o ouro está nas gavetas e também numa lata. A lata está debaixo da cama.
Abriram-se logo as gavetas das mesinhas de cabeceira e da cómoda.
E de debaixo da cama retiraram a lata.
A herança estava lá toda…
Deste assalto resultou, além do dinheiro que totalizava cerca de 150$000 (cento e cinquenta mil réis), três fios de contas de ouro (que valeram nove mil réis), quatro laços, três pares de brincos, um cordão (tudo isto em ouro) dois capotes, de panos novos, doze lençóis de pano de linho e um lote de pano fino e novo.
Este assalto andou na boca do povo por muito tempo, mas não pelo valor subtraído, nem pela ousada acção.
Mas sim pelo que disse José do Telhado, ao ver Maria Francisca a choramingar, inconsolada pelos haveres que acabava de perder:
“Não se rale, mulher! De que lhe serve o dinheiro, se não pode comprar com ele uma cara mais nova e menos feia!”.
A escaramuça da Eira dos Mouros
Cerca de um mês e meio depois, na noite de 22 de Maio, José do Telhado tentou um roubo simultâneo nas casas de três brasileiros (aqueles que tinham ido fazer fortuna ao Brasil e regressado ricos).
Mas quando o bando passava num local a que chamavam a “Eira dos Mouros”, envolveu-se num feroz tiroteio com a tropa, que os surpreendeu, neste caso o Destacamento de Infantaria 2.
Aqueles militares conseguiram capturar 2 membros da quadrilha e levaram-nos para uma estalagem, para descansarem.
Foram aí encontrados, pouco depois, pelo resto do bando, comandado pelo próprio José do Telhado, com a intensão de libertar os cativos companheiros.
Com a sua voz forte, montado numa bela e irrequieta égua, no terreiro em frente, o chefe gritou para que todos o ouvissem:
- Carregai com quartos, rapazes, que está aqui José do Telhado!.
De imediato apareceram os militares do destacamento e todos se envolveram em grande tiroteio.
A Infantaria 2 não teve outro remédio, pouco depois, senão abandonar o local, antes que todos deixassem ali as vidas.
O chefe, montado na sua égua, fazendo fogo de pistola e clavina, manteve sempre liberta a vanguarda da avançada.
Os 2 saltadores, que estavam presos na cavalariça da estalagem, tentaram fugir, aproveitando a luta lá fora. Um conseguira fugir logo no início das hostilidades.
Mas o outro, com as pernas cortadas de balas, ficara ali a esvair-se em sangue, sem poder de erguer-se, o desgraçado.
- Vem! - disse José do Telhado ao camarada ferido, sem saber do seu estado.
- Não posso: matem-me, que estou sem pernas, respondeu-lhe, num suspiro.
- Faz o ato de contrição – foi a resposta imediata, breve, de quem se apercebeu de tudo e sabia actuar em casos destes, durante um combate, para aliviar sofrimentos sem remédio de camaradas gravemente feridos.
Foi o que o pobre homem fez, em voz baixa e rouca, sabendo-se aliviado, em breve, da dor imensa que o matava em vida.
A estalajadeira, em soluços, verteu lágrimas piedosas.
José do Telhado calou-a como uma grande bofetada.
E assim que o já moribundo camarada terminou a prece, desfechou-lhe um balázio contra o peito dizendo:
- Acabaram-se os teus trabalhos, e os meus estão em começo. Adeus!
O assalto à casa de Senra
Em 24/02/1859 decide José do Telhado organizar uma visita, para recolha de bens, a casa da Senhora D. Ana Ricardina Ferreira Pinto de Carvalho, situada em Senra, Aião, no concelho de Felgueiras.
A quadrilha não fora informada de que, à hora planeada para o assalto, havia lá visitas.
De modo que, contra todas as espectativas, deram de caras com uns figurões.
Eram somente uns quantos jornaleiros, que, para azar seu, estavam a mais naquele cenário. Para obviar a mais complicações e porque tais personagens não faziam falta nenhuma na acção, foram todos enfaixados numa corda, e mandados estar quietos. Sem mais incómodos.
Já quanto à dona da casa, a senhora D. Ana, que se queria manter em silêncio quanto á localização do espólio por eles pretendido, sofreu alguns empurrões, até declarar onde tinha o dinheiro e outras coisas valiosas.
Resolvida a questão, despediram-se, na posse de todos os bens pretendidos, não se esquecendo, porém, de lembrar a dama de desapertar, por caridade, os jornaleiros que “estavam emolhados”.
O assalto à casa do Padre Albino José Teixeira
Passado pouco mais de um mês deste último assalto, em Março de 1859, foram de visita a casa do senhor padre Albino José Teixeira, de Unhão. Pelos vistos pároco de avultados bens, senão não valeria a pena o incómodo da visita de uma quadrilha inteira, com quem havia de se dividir o saque.
Entraram pela cozinha onde a sua sobrinha Narcisa foi surpreendida por tanto homem e desata aos gritos.
O senhor padre, que se havia refastelado na sala, numa poltrona, já a digerir a lauta ceia que acabara de enfardar, quando ouviu o grito de socorro da sobrinha, levanta-se esbaforido e vai à cozinha. E aí encontra a menina Narcisa “filada pela gorja”!
O padre atira-se valentemente contra o bandido. O capanga que estava ao lado não vê outro remédio senão puxar de um punhal e carrega sobre ele.
Uma situação que José do Telhado nunca permitia, pelo que se atira de golpe sobre o agressor ao padre e fá-lo recuar com violência, evitando uma morte inútil.
Os gritos do aflito senhor padre Albino José Teixeira ouvem-se na noite e a casa é invadida por vizinhos que imaginam poder correr com os bandidos.
São todos corridos com violência, feridos e fogem a bom fugir.
Tudo acaba bem. Não há mortes. Nem ao padre resta bem algum. Levados todos pela quadrilha.
A história do diadema da Condessa D’Almada
Entrada actual do Paço de Lanheses |
Um estranho caso!
Que pode ser verdade ou lenda...
Coisa que, agora, pouco interessa. A história vale tudo.
Seja uma coisa ou outra, ilustra bem a forma como a lembrança deste extraordinário homem se formou no imaginário nacional.
Verdade ou lenda, este caso do diadema da Condessa D’Almada está, nos dias de hoje, documentado no site do Paço de Lanheses…
Foi de lá que colhi esta deliciosa história sobre José do Telhado.
A senhora condessa, viúva, vivia no Paço de Lanheses, Viana do Castelo, casa dos antepassados do seu marido, onde a família se tinha refugiado devido à Guerra Civil.
Vive lá hoje D. Lourenço D’Almada, um seu descendente, que transformou o Paço num elegante local onde se pode pernoitar, comer bem e desfrutar das maravilhas do Minho.
A sala de estar do Paço de Lanheses |
Reza então a história que, um belo dia, ou talvez não…a senhora Condessa D’Almada é avisada em sobressalto, pudera! por uma sua criada que lhe entra pelo quarto dentro em grande aflição, de uma visita de todo não desejada!
Com medo de que fossem más notícias sobre o seu filho mais velho, a senhora Condessa tentou acalmá-la e perguntou-lhe ao que vinha a moça, naquela aflição.
- Minha senhora! O senhor Zé do Telhado está ali á porta e pergunta por si, mas olhe que de maneira muito educada, com muito bons modos, pode crer. Pede para lhe falar…
A senhora condessa, desconfiada e com algum evidente receio, foi à porta falar com o inesperado e temido visitante.
Após as saudações inicias, aliás, muito respeitosas, José do Telhado, um pouco atabalhoadamente, cheio de mesuras e trejeitos que demonstravam algum desconforto, lá conseguiu dizer à senhora o motivo de tal inopinada visita. Sem armas nem sequazes que se vissem, a não ser um belo cavalo que, mesmo ao pé da porta, em sossego, aproveitava o pasto para comer alguma coisa com toda a tranquilidade.
- E então, ao que vem, senhor José do Telhado? Pergunta-lhe a desconfiada senhora.
- Minha senhora! Tenho conhecimento que a senhora condessa tem um diadema antigo, muito bonito. Venho pedir-lho emprestado. É para o casamento da minha filha.
- Emprestado? E quando mo devolve?
- Logo finda a boda, pode crer! Prometo-lhe!
Sem a mínima hipótese de poder recusar, sem os homens da casa para a defender, por estarem na guerra, a senhora condessa pediu-lhe que esperasse.
Foi buscar a preciosa joia, que tirou de uma caixa de madeira com entalhes de latão, gaveta aveludada em que a guardavam e entregou-a a José do Telhado, com a presunção de nunca mais a ver, obviamente. Mas nada podia fazer.
E viu o salteador agradecer-lhe, com novos efusivos meneios, saltar para o cavalo e desaparecer a galope.
Tal como esperava a senhora condessa, passados alguns dias, ainda não tinha novas do José do Telhado, nem sabia do diadema. O que já não era mau. Podia ter ficado sem nada. Fora só o diadema…
Dias depois, porém, numa soalheira manhã, no pátio, os cães desatam a ladrar furiosamente.
Da janela do quarto, a senhora condessa vê José do Telhado apear-se do cavalo, novamente sem escolta. Desarmado.
Desceu apressadamente e foi recebê-lo à porta.
Páteo do Paço de Lanheses, nos dias de hoje |
- Senhora condessa, os meus respeitos e muita desculpa pelo atraso em que estou. Saiba vossa senhoria que quando quis vir devolver-lhe o diadema, reparei que lhe faltava um brilhante, coisa que muito me amofinou.
Tratei logo de mandar colocar, pago do meu bolso, um brilhante novo, pois não queria devolvê-lo com defeito de culpa minha. Foi essa a causa do atraso. Os meus respeitos e muito obrigado, não me canso de repetir.
Deu meia-volta, montou no cavalo e saiu disparado, afastando-se daquele belo Palácio, deixando a senhora condessa sem fala, a olhar para o diadema que brilhava na sua mão tal como no dia em que fora adquirido.
Acontece que… àquela joia, há muitos, muitos anos, mesmo antes de José do Telhado ter nascido, era sabido faltar-lhe o tal brilhante, agora generosamente reposto no seu devido lugar.
Nunca ninguém se perguntou de onde teria vindo este novo brilhante, mas isso são contas de outro rosário, podem crer.
(História a ver em : Paço de Lanheses (sito no Largo Capitão Gaspar Castro, 495, Lanheses, Viana do Castelo - https://www.pacodelanheses.com/pt/ )
A morte de José Pequeno
José Pequeno, um dos mais importantes membros das quadrilhas de Zé do Telhado, apesar desta alcunha, era agigantado de estatura e o mais cruel da malta comandada por ele.
Custava-lhe refrear-lhe o instinto sanguinário e só com cuidado calculado o fazia, porque o Pequeno era o único homem que temia ter de haver-se em luta corpo a corpo.
Andava José Pequeno receoso de alguma vingança provocada pelos muitos problemas que causava no bando, com a sua tempera violenta.
Com o espírito mal aconselhado, deu-lhe, para se livrar de males maiores e salvar a pele, em atraiçoar a malta a quem devia lealdade.
Deu-se então o caso de um dia, estando todos desprevenidos e na ausência do José Pequeno, serem surpreendidos por uma forte carga de um esquadrão da polícia, comandada pelo destemido Adriano José de Carvalho e Melo, administrador do Marco de Canaveses.
Pela surpresa, outro remédio não lhes restou senão a fuga atabalhoada, de tal modo que até José Teixeira levou com um balázio nas costas.
Foi como se levasse um choque elétrico na coluna vertebral, de raspão, o que, mesmo assim, o fizera saltar 10 passos avante contra sua vontade.
No dia seguinte já José do Telhado tinha a certeza de quem os denunciara.
Ao anoitecer, foi â Lixa, á casa onde pernoitava o traidor, José Pequeno...
Entrou sem bater e disse-lhe:
- Não te quero matar à traição, previne-te como quiseres, que um de nós há de morrer aqui.
- Ou ambos! - disse José Pequeno, lançando mão de uma faca.
- Ou isso! - retorquiu José do Telhado, sacando de uma tesoura. E acrescentou:
- Hei-de cortar-te com ela a língua.
Nesse violento duelo, José Pequeno perderia a vida, muito provavelmente por um golpe de tesoura com que Zé do Telhado lhe terá desfeito a garganta. A seguir, com essa mesma tesoura, cortou-lhe a língua que o denunciara, como prometera aquele traidor.
As autoridades, curiosamente, devem ter ficado satisfeitas com o desfecho do duelo, já que nunca viriam a acusar Zé do Telhado desta morte.
A morte do José Pequeno não consta na acusação, no processo a que, mais tarde, foi submetido José do Telhado…Tal acto pareceu até ser merecedor de gratidão pelo serviço prestado á sociedade, que se livrou de um abominável celerado…
O homicida apareceu na Lixa ao outro dia, e disse à multidão parada à porta do morto:
- Se não sabem quem matou este traidor, aqui o têm.
E passou adiante, obrigando o cavalo a garbosas upas.
Na noite de 16 para 17 de Março de 1857, Zé do Telhado é já alvo de uma caça ao homem sem precedentes, o que o leva a ter de tomar medidas muito mais drásticas quanto á sua segurança.
Era um homem odiado por muitos e procurados por todos.
Já não havia onde se esconder. Não podia andar em liberdade em parte alguma.
Prendê-lo era um desígnio que ocupava toda a actividade da polícia e militares do Norte de Portugal.
Mais tarde ou mais cedo, seria apanhado.
Dúvidas, já não as tinha ele.
Havia que deixar o país, deixar a casa, a mulher amada e os filhos tão queridos.
E desapareceu...
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