OUTRAS HISTÓRIAS - José do Telhado 4 - Na Cadeia com Camilo e Julgamento

 






4ª Parte de 5







2ª Tentativa de Fuga para o Brasil

 

Finais de Março de 1859


Após ter andado escondido pelo Norte, sabe-se lá por onde, acaba por acoitar-se no Porto, numa residência que pertencia à sempre fiel D. Ana Vitória, a viuva do Solar de Carrapatelo, que lhe deu guarida. 

Sabendo que a barca "Oliveira", que já conhecia, estava no Porto, conseguiu esgueirar-se uma noite para bordo da barca,  atracada no Cais da Ribeira.


     A barca Oliveira, ao fundo, atracada no cais da Ribeira


A mesma barca em que já tinha ido para o Brasil 11 anos antes e que estava de partida, de novo, para o Rio de Janeiro. 

Escolheu o melhor refúgio possível a bordo, a despensa.

E por ali se misturou com as muitas sacas amontoadas, cheias de cereais, bolachas, farinha, etc. 


Foi, porém, denunciado de novo por dois companheiros.

Não hesitaram em trair o seu chefe, em troca de uma promessa de liberdade, através de uma denúncia feita ao administrador do concelho de Lousada, Albino Leite Rebelo da Gama

Traíram-no o padre Torcato José Coelho Pereira de Magalhães, de Valteiro, Sousela, concelho de Lousada e António Ribeiro Correia de Faria, morgado da Magantinha, de S. Miguel de Lousada. 


Zé do Telhado foi detido no dia 5 de Abril de 1859, pela delação feita por aqueles dois traidores, membros do seu próprio bando. 


De pouco valeu ao morgado de Magantinha a denúncia.


Sobre este morgado, diz o escritor Camilo Castelo Branco no seu livro “Memórias do Cárcere”, «que eu vi preso na cadeia de Penafiel, moço de 25 anos donosamente apessoado com belas barbas negras e vestido com jaleca de alamares. Já então estava condenado a degredo por 10 anos com trabalhos públicos, e José Teixeira, alguns meses depois, passando para o Marco de Canaveses, onde foi julgado, pernoitou na mesma prisão! Nenhum deles se deitou. Velaram a noite inteira, espiando-se, e esperando cada qual o ataque do outro. Tive notícias de que o morgado morreu recentemente na cadeia». 


E acrescenta Camilo, sobre a prisão de José do Telhado: «O pavoroso caudilho de salteadores, encontrado de cócoras sobre 3 quinteiros de bolachas, no esconderijo da barca Oliveira, foi entregue a dois soldados da Municipal, que o conduziram pacificamente ao Carmo». 


De mãos amarradas, completamente rendido à sua pouca sorte, certamente a pensar no que sofreriam a mulher e os pequenos filhos que tanto amava, entre 30 soldados armados de bacamartes com baionetas.



Na cadeia, com Camilo Castelo Branco


Entrou na cadeia de posse de 600.000 reis e com esse dinheiro a todos os companheiros de cárcere foi valendo. 

De tal modo era generoso que a própria mulher, quando o visitava, lhe implorava que não gastasse tanto com os outros e se lembrasse da sua própria família que penava à mingua de outros rendimentos que não tinha. 


E, socorrendo-me de novo de Camilo: «O pai chorava com ela; mas parecia ter adoptado filhos todos os presos famintos e nus». 


Até que o dinheiro se lhe acabou e ele tornou-se um igual a todos os outros ali encarcerados. 


A mulher ainda lhe mandou, durante uns tempos, uma pequena mesada, que mais não tinha porque a Justiça lhe penhorara os bens para pagar os custos de tudo isto. A pobre senhora acabou por adoecer, sem comida para dar aos seus meninos. 


O filho mais velho estava já emigrado no Brasil, mandado pelo pai.

A viver bem, como comerciante.

Envergonhado da família que tinha, o malvado nem respondia às cartas que o pai lhe escrevia. Era como se não tivesse família, o celerado…

No dizer de Camilo, «o filho ingrato estava sendo o seu primeiro carrasco».













Como se vê pelo que atrás fica dito, na Cadeia da Relação do Porto, Zé do Telhado travou conhecimento e fez amizade, com Camilo Castelo Branco, ali também encarcerado.

Camilo aproveitou a sua “estadia” para biografar uns quantos companheiros e companheiras de cárcere, dando origem ao seu muito celebrado livro
“Memórias do Cárcere”



Era a segunda permanência de Camilo naquele estabelecimento prisional.

Na primeira, havia sido ali encarcerado só por 10 dias, acusado de ter praticado um roubo.

Mas a história é muito mais rocambolesca…


Camilo, na verdade, raptara Patricia Emília, uma miúda da idade dele, 21 anos, órfã, que vivia com os tios em Vila Real. O tio da menina, para não manchar o bom nome da família, em vez de o pronunciar pelo rapto, acusou-o de lhe ter roubado 20000 cruzados...


 O casal acabou por ser preso e brevemente interrogado. O que, mesmo assim, não impediu que desse amor lhes nascesse uma filha, Bernardina Amélia, que veio a ser perfilhada, mais tarde, pelo homem com quem a mãe veio a ter, anos depois, uma vida de casada normal. 


Camilo já antes se casara em Ribeira de Pena, aos 16 anos, com Joaquina Pereira, após terem vivido uns tempos juntos, à margem da lei vigente, em Friúme, com o pretexto de estar ele a estudar latim com o padre Manuel da Lixa, na localidade vizinha da Granja Velha. 


Casaram-se, pensa-se, para obter dela a herança paterna, vindo a mulher a morrer, muito jovem, em 1847, deixando uma filha de tenra idade, a Rosa, que também morreu com muito pouca idade. 


Camilo envolveu-se pouco depois em novos amores, agora com uma freira, Isabel Cândida, do Convento portuense de São Bento de Ave-Maria. 















A freira deixou-se seduzir por Camilo… Chegou até a cuidar da sua filha, a que tivera de Patricia Emília, a jovem Bernardina Amélia, que ele antes entregara à “roda”.




(A "roda" estava num postigo, existente numa das paredes dos conventos, onde as mães entregavam recém-nascidos que não queriam ou não podiam sustentar. Dentro de um postigo havia uma roda de madeira onde os bebês eram depositados e que, depois de rodados, eram recolhidos por uma freira)


Bernardina, mais tarde, foi parar à Misericórdia, sem nunca Camilo a perfilhar. A criança chegou a viver naquele Convento, á guarda da freira-amante de Camilo. 


A segunda e última permanência de Camilo no cárcere, deveu-se a um problema deveras muito mais sério.


Camilo foi preso por adultério!


Escandalosamente reconhecido, comprovado e que provocou forte embaraço na sociedade nortenha. 


Uma jovem, de seu nome Ana Augusta Plácido, casara contrariada aos 19 anos com um rico comerciante portuense, quarentão, Manuel Pinheiro Alves, um dos “brasileiros de torna-viagem”, daqueles que faziam fortunas consideráveis no Brasil e regressavam depois á Pátria. 


Assediada por Camilo, Ana Plácido cedeu aos seus avanços e engravidou

Uma vez grávida, não conseguiu impedir que a situação se tornasse do conhecimento público...


E numa noite de grande aflição, confessa, em reunião de família, o seu amor por Camilo. O marido, obviamente apoplexo, de cabeça perdida, expulsa-a de casa para resgatar assim a sua maculada honra. 


Os amantes passam a viver juntos, mas em constante aflição, dada a ilegitimidade da relação, face às leis vigentes daquela muito casta época. 


Vivem sempre em permanentes mudanças de paradeiro. Entre Lisboa, Coimbra e Famalicão, perseguidos pelas rejeições sociais que provoca tal escândalo. Uma mulher casada a viver em concubinato com outro homem, desonrando o pobre marido! Um muito condenável adultério, punível mesmo com cadeia!!! 


Após porfiados esforços, o rejeitado consorte, Pinheiro Alves, com a ajuda de influentes amigos, consegue que sejam ambos sujeitos à Justiça.













A 26 de Março de 1860, Ana Plácido foi denunciada e acusada pelo crime de adultério, o que teve como consequência imediata ser presa na Cadeia da Relação do Porto, com o seu filho, o pequeno Manuel, com um ano de idade, o pobre miúdo… Que fez ali, preso também, os 2 e os 3 anos, pois vivia com a sua detida mãe, a prisioneira Nº 1889. 





Camilo, opta, durante meses, por uma espécie de clandestinidade pelo Norte do país, pensando até em fugir para Espanha.

Farto daquela vida de foragido à Justiça, decide entregar-se também, meses depois, no dia 1 de Outubro desse mesmo ano.


As enxovias daquela cadeia (as celas dos presos) tinham nomes de Santos. A Camilo coube-lhe o quarto de São João.


Ficam ambos enclausurados na mesma miserável cadeia do Porto. 


Que, no entanto, oferecia condições diferentes a condizer com a situação social dos e das detidas. 


Ana Plácido, por exemplo, ficou alojada na cela 12, no pavilhão das mulheres, tendo por companhia um cão e um canário. Dispunha do serviço de uma criada e usufruía até de um piano. Ouvia-se a ilustre reclusa, muitas vezes, a cantar, acompanhando-se ao piano, árias da “Traviata” …


E nós… vamos ter de continuar a história do nosso biografado.


Chegou entretanto o dia de José Teixeira ser julgado.


Casa onde foi julgado José do Telhado, em Marco de Canaveses


Foi escolhido o Tribunal de Marco de Canaveses.

Mas ele não tinha dinheiro nem para as suas despesas, nem para pagar a defesa ao Dr. Marcelino de Matos, o mesmo advogado de Camilo, com quem no princípio se ajustara para a sua defesa. 

Desesperado, escreve a Camilo confessando-lhe a total pobreza em que se atolara, sem dinheiro para a sua própria defesa, dizendo-lhe que até a sua roupa empenhara e pedindo-lhe ajuda, por caridade! 

Camilo, enquanto esteve preso por adultério, temia pela sua vida, pois imaginava que Pinheiro Alves, o marido enganado por Ana Plácido, poderia subornar um preso qualquer para o matar. Esta sua preocupação, que lhe tirava o sono e o sossego, foi transmitida a José do Telhado, que lhe terá respondido:


“[…] que estivesse descansado, pois se alguém lhe tocasse com um dedo, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos […]”. 


Como reconhecimento por esta protecção, Camilo conseguiu que o seu advogado de defesa ajudasse gratuitamente Zé do Telhado. 



Julgamento de José do Telhado


Não havia ninguém com tino que acreditasse que, perante tantas e tão graves acusações, tal homem conseguisse escapar à pena capital. 

A instrução do processo fora iniciada já em 30 de Maio de 1859. 

A acusação pública foi feita em 9 de Dezembro do mesmo ano, pelo delegado do Ministério Público, Dr. Joaquim Cabral de Noronha e Meneses, da Casa da Bouça, em Nogueira, Lousada. 

O polémico julgamento de Marco de Canaveses teve início às dez da manhã do dia 25 de Abril de 1861, mas ficou logo marcado por evidentes irregularidades. 

A começou pela constituição do júri: escolha a dedo dos jurados, conhecidos inimigos de Zé do Telhado, em vez do habitual sorteio.

Houve exclusão inexplicável de várias testemunhas de defesa importantes. 

Houve manipulação de várias outras testemunhas, com um único propósito: o de mandar o réu para a forca. 

Foi um julgamento relâmpago que durou menos de dois dias úteis e parecia ter um desfecho há muito premeditado, a pena de morte para o réu. 

Mas não foi essa a sentença que Zé do Telhado ouviu, mercê da brilhante defesa que o advogado “oferecido” por Camilo Castelo Branco elaborou.


E tão brilhantemente o fez, que o livrou da forca!


Na verdade, durante os assaltos, ele não matara ninguém… Não conseguiu, no entanto, o doutor Marcelino de Matos, livrá-lo do degredo. Não era, evidentemente, possível! 

No dia 27 de Abril de 1861, às duas horas da madrugada, o júri, presidido pelo Juiz António Pereira Ferraz, deliberou considerar Zé do Telhado culpado da prática dos seguintes doze crimes.

(Segundo texto, adaptado, de Guilherme Pereira, em www.setubalnarede.pt):


"Tentativa de roubo em casa de António Patrício Lopes Monteiro, em Santa Marinha do Zêzere, comarca de Baião.

Homicídio de João de Carvalho, criado de Ana Victória de Abreu e Vasconcelos, de Penha Longa, Baião.

Roubo na casa daquela senhora, a Casa de Carrapatelo, de objectos de ouro e prata no valor de oitocentos mil e um contos de reis e algumas sacas com dinheiro, cujo valor a queixosa calculou em doze contos de reis, ainda que revelasse desconhecer os montantes visto que o dinheiro se encontrava na casa mortuária onde jazera, poucos dias antes, seu pai, e, após isso, ela ainda nem sequer lá voltara a entrar.

Roubo em casa do Padre Padre Albino José Teixeira, de Unhão, comarca de Felgueiras, no valor de um conto e quatrocentos mil reis em dinheiro e ainda objectos de prata."


Foi também condenado por outros crimes de roubo, de resistência à autoridade e por ser o autor e chefe de uma associação de malfeitores.

Além da tentativa de evasão do reino, sem passaporte."




Leitura da Sentença


O mesmo Juiz, António Pereira Ferraz, leu-lhe a sentença:


“Condeno o réu José Teixeira da Silva da freguesia de Caíde de Rei, comarca de Lousada, na pena de trabalhos públicos por toda a vida na Costa Ocidental de África e no pagamento de custas, assim determinou o tribunal”.


Esta pena foi mantida pela Relação do Porto, substituindo apenas a expressão "costa ocidental de África" por "Ultramar". 


José Teixeira ficou a saber que estava pois condenado e por toda a vida, ao degredo, na pena de trabalhos públicos, em Angola! 


Mas escapara á pena capital… 


O julgamento, foi uma completa farsa. Basta fazer uma consulta superficial aos documentos arquivados no Tribunal da Relação do Porto e no Arquivo Distrital do Porto para se perceber que não há nenhuma margem para dúvidas.

Alguns dos membros socialmente mais importantes das quadrilhas foram arroladas pela acusação e safaram-se. Como morgados, regedores, padres, administradores, etc. Todos eles tinham cometido os mesmos crimes, e sob a chefia do réu e nunca foram sequer acusados.

Testemunhas de acusação que nada viram e de tudo souberam por “terem ouvido dizer”.


Exemplos, constantes no processo:


- António Ribeiro, pedreiro, ouviu dizer que fora José do Telhado a roubar.

- Alexandre Nogueira, um comerciante, não consegue dizer que armas feriram o regedor, se as do acusado ou as dos sitiantes.

- António da Silva, este lavrador, soube “por ter ouvido dizer ao padre roubado” que o Zé do Telhado fora um dos que entrara dentro da casa armado. “E é isto o que tenho ouvido dizer ao povo”.

- Manuel de Sousa, outro lavrador, disse que sabe “por ser de todos conhecido” que tivera lugar aquele roubo de que se trata nos autos, no dia e da mesma maneira que nos autos se descreve.

- Timóteo José de Magalhães, mais um lavrador, disse que “sabe pelo ter ouvido dizer ao povo” que tivera lugar aquele mesmo roubo de que agora se fala nos autos.

- Francisco Moreira da Cunha, lavrador também, “ouviu dizer, por ser público e de conhecimento geral”, que o réu ali julgado e o irmão ausente, estavam para fugir para o Brasil.

Só Francisco António de Carvalho, lavrador, afirmou, contra todas as espectativas, que o Zé do Telhado pagava crimes que não tinha cometido e ouviu dizer que se havia combinado com o administrador do concelho para imputar os dois crimes de roubo, que ali se discutiam, ao Zé do Telhado. 

E para evitarem a justiça, vários quadrilheiros nobres evadiram-se, ou deixaram as autoridades que eles escapassem para o Brasil.

Já o padre Torcato, e vários outros, colaboraram com a acusação, a troco da ilibação. 

Quanto ao morgado da Magantinha, de S. Miguel de Lousada que á traição denunciara, com o padre Torcato, o esconderijo de José do Telhado na Nau “Oliveira” e que acabou condenado a 10 anos de degredo, como atrás já se disse, sabe-se, pelos autos do processo, que a sua própria ilibação neste processo está igualmente documentada nos autos. 

A acusação subornou a testemunha António Eliziário que, perante o juiz, afirmou saber que Margantinha foi um dia convidado pelo padre Torcato a ir ter à capela de Santa Águeda e, indo ali, o encontrou com alguns membros da quadrilha e quatro bois roubados, pedindo-lhe o padre que tomasse conta dos bois para os vender, mas o Margantinha recusou-se. 

Tanto quanto se sabe hoje, o padre Torcato, entretanto também dera à sola, por essa altura, não tendo sido julgado


De volta à cadeia do Porto, encontrou-se brevemente com a sua mulher, que lhe apareceu do nada a despedir-se… para sempre! Para nunca mais se verem!


Foi quando caiu em si e se apercebeu que a vida lhe acabara ali.

Nunca mais poderia ter nos braços a mulher que tanto amava!

Nunca mais poderia beijar os seus meninos, que eram tudo para ele!

De agora em diante seria um outro homem. Um homem novo feito de farrapos velhos, de trapos imundos. Seria uma imagem gasta, irreconhecível, de si mesmo. 

Olhar para trás seria demasiado castigo com que teria de se haver em longas noites de suplício. 

Era uma morte com suspiros de alguma vida, amargurada, difícil, penosa, que teria de suportar para sempre. 

E deu entrada, de novo, na cadeia do Porto, 

Durante alguns dias foi ainda sujeito à solitária, para maior desespero. 

Depois, voltaram a deixar que saísse da cela e a passear nos corredores da prisão, mas proibido de entrar nos quartos dos outros detidos. 

Segundo Camilo, nas suas Memórias, José do Telhado entrava dissimuladamente, muito a medo, no dele, porque Camilo aceitava partilhar a “responsabilidade da transgressão”. Mas era só para chorar ali o seu desespero e confessar-lhe o desejo de uma morte breve. 

Naquela cadeia da Relação do Porto, tudo era miserável.

Era feita de enxovias frias, húmidas e sujas. As latrinas largavam um fedor tal que se sentia até nas ruas. 









O rei D. Pedro V, no dia 23 de Novembro de 1860, de visita ao Porto, ao passar junto a esta cadeia, manda parar a caleche em que seguia, inopinadamente, junto à porta de entrada, 



Recebido atabalhoadamente por um espantadíssimo veterano alferes, chefe daquele estabelecimento prisional, o Rei ordena-lhe:


Conduza-me às enxovias! 


Sua Majestade desceu da caleche e perante o espanto de alguns prisioneiros, que o reconheceram, dirigiu-se em estugado passo à enfermaria dos presos, e logo de seguida à das presas. 

Aqui, reparou que, ao fundo, havia uma porta que dava para o quarto de uma senhora, que ali estava presa.


Que é ali dentro? Perguntou ao alferes.


Saberá Vossa Majestade – respondeu-lhe – que é o quarto da senhora. D. Ana Plácido.


D. Pedro entrou e mandou vir à sua presença a senhora que apareceu acompanhada de uma ama com um menino nos braços.









O Rei cumprimentou a presa e não resistiu a fazer uma festa na cabeça da criança, perguntando ao mesmo tempo à mãe qual o seu nome e a idade, enquanto observava a infeliz prisioneira.

A acompanhar o Rei, estava o marquês de Loulé, bastante incomodado, a pensar que, naquele mesmo dia, ia banquetear-se no palácio de uma irmã daquela pobre senhora. 



D. Pedro V despediu-se com alguma tristeza e, ao sair daquela imunda cadeia, escandalizado com as condições deprimentes que viu, exclamou, antes de embarcar de novo na caleche: 











- “Isto precisa de ser completamente arrasado!”.


 


Pela costumeira falta de dinheiro para dar seguimento à vontade régia, fizeram-se apenas pequenos arranjos… 

E tudo ficou como dantes… até à revolução de Abril de 1974, altura em que foi desativada. 


Hoje, depois de obras de remodelação total, o edifício, que mantém a cela de Camilo intacta, alberga agora todos os serviços do Centro Português de Fotografia.


Camilo Castelo Branco e Ana Plácido foram julgados um ano depois, em finais de 1861, enquanto José do Telhado também penava naquela tenebrosa prisão, onde dera entrada meses antes, no dia 5 de Abril de 1861. 


O juiz que presidiu ao julgamento do famoso  casal, foi, nem mais nem menos, José Maria de Almeida Teixeira de Queirós.

Pai do escritor Eça de Queiroz, que de início se recusou a julgá-los por ter vivido uma situação em tudo semelhante… 











A Relação, no entanto, indeferiu o pedido e os réus foram julgados por ele e… obviamente, absolvidos. Pela mesma justiça que os perseguira tão afincadamente, está de ver…




Ana Plácido e Camilo, uma vez absolvidos, foram libertados no dia 17 de Outubro de 1861. 



 

Livres, passaram a viver, a normal vida de qualquer casal. Viveram, de início, no Porto, um pouco mais adiante da prisão, no Nº 630 da Rua de Santa Catarina, a casa sob cujo teto casaram.





A zelosa sociedade da moral e dos bons costumes, é claro, nunca os indultou. 


Ficou também sempre imprecisa a paternidade do pequeno Manuel, o filho que Ana Plácido dera à luz no meio daquele conturbado caso. 


O enganado ex-marido, resolvera entretanto dar a paternidade à criança, para configurar um certo ar de alguma decência ao seu bom nome e mostrar simultaneamente o seu poder sobre o miúdo, que queria mostrar a todos não ser fruto de nenhuma infidelidade matrimonial. O menino não era filho de uma desonra pessoal, podia lá ser!

O filho era dele! 

O certo é que Camilo o tratará sempre como seu… 


Desta agora calma relação, dá-se o nascimento de um segundo filho, Jorge. 


“brasileiro de torna-viagem”, Pinheiro Alves, morre 2 anos depois.

Constou que de desgosto pela absolvição da mulher.


E o casal passa então a residir, calmamente, em São Miguel de Seide, a casa que o jovem Manuel veio, obviamente, a herdar do “talvez” pai Pinheiro Alves, como parte da herança, que passa a ser administrada...pela mãe, Ana Plácido, claro.


Coisas da vida… 

Deus é grande! 




Nesta casa, hoje “Casa-Museu de Camilo”, viveu o casal a partir do Inverno de 1863



No ano seguinte, no dia 15 de Setembro de 1864, nasce-lhes o último filho, o Nuno Plácido de Castelo Branco.



Camilo Castelo Branco, não foi, porém feliz, no fim da sua vida.


Além de estar a cegar, em consequência de uma sífilis, os dois filhos que tivera de Ana Plácido, causaram-lhe muitos sofrimentos – um tinha problemas mentais e o outro era rebelde. 


Não suportando todos estes constrangimentos, no dia 1 de Junho de 1890, Camilo suicida-se com um tiro de pistola. Na cabeça…



A José do Telhado, dada a perigosidade do seu normal comportamento, foi negada a possibilidade de embarcar, para o desterro em Angola, num normal navio de carga ou passageiros.


Achou-se mais prudente enviá-lo num brigue da Marinha, onde estaria sob vigilância mais apertada.


Foi por essa razão que um dia recebeu uma inesperada ordem de marcha para seguir para a cadeia do Limoeiro, em Lisboa, onde ficaria a aguardar transporte para Luanda


Só teve tempo de fazer uma pequena trouxa com os seus parcos pertences, descer até à escolta que já o esperava e estender os pulsos às cordas que o manietaram. 


Foi recebido no Limoeiro, em Lisboa, como herói, pelos presos que congeminavam uma sublevação e quiseram fazer dele o chefe daquilo. Recusou, mas eles avançaram sem ele, desorganizadamente, pegando fogo á cadeia. 


Para evitar males maiores, José do Telhado dá-se como único autor da ocorrência, para grande espanto até de guardas prisionais que sabiam da sua inocência. 


Acabou transferido para o Castelo de S. Jorge onde vem a encontrar um companheiro de outras lutas, um tal Manuel Afonso, da guerrilha de Resende, nos tempos da Patuleia. 


Tinham um passado comum de combates nessas lutas e, inevitavelmente, é convidado por ele para um plano de fuga do Castelo. 

É claro que a coisa correu mal e o companheiro Manuel Afonso acaba transferido para outra prisão.


E, finalmente, chegou o dia de José do Telhado embarcar num navio da Marinha e seguir para o degredo, onde passaria o resto da vida.



Leia, já a seguir, a inacreditável viagem de José do Telhado no Brigue que o levou ao degredo...




 

Não percam. Leiam aqui a 5ª e íltima parte


Para voltar ao índice dos 5 capítulos que

compõem esta história, clique aqui.





Sem comentários:

Enviar um comentário