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Na Guerra do Ultramar e não só - O Comando de uma LFG na Guiné (3)


O Comando de uma LFG na Guiné 


3ª Parte

A operação no rio Cacheu e não só

                                               


No Cacheu, rio de grande extensão navegável, a zona de operações da LFG’s era essencialmente entre a base de Guanturé e a povoação de Binta.

A sua missão principal era tentar impedir a travessia do rio (cambança) por parte do inimigo, que o utilizava para efectuar o seu abastecimento logístico em pessoal e material à área do Morés a partir da fronteira com o Senegal, situada a poucos quilómetros a Norte. 

Nesta zona a navegação diurna não oferecia dificuldade, pois bastava navegar a meio do rio, que embora estreita e com grande corrente, tinha profundidade suficiente para se navegar até junto das margens, pelo que havia apenas que estar com atenção às ações do inimigo, normalmente efectuadas a partir das clareiras da margem de sul. 

Dava até prazer navegar naquele rio com um luxuriante conjunto de árvores de grande porte ao longo das suas margens e recordo especialmente a sua beleza ao nascer do dia quando a macacada por vezes nos pregava sustos com os saltos e guinchos repentinamente largados à nossa passagem. 

Já a navegação noturna era bastante complicada, pois era feita normalmente em grande velocidade e total ocultação de luzes, quer para tentar surpreender o inimigo quer para dificultar as suas possíveis ações ofensivas. 

Para isso o Comandante e o Imediato posicionavam-se junto ao radar, cujo monitor emitia a única claridade permitida, rodeados de torcidas fumegantes de Lion-Brand para afugentar os inúmeros mosquitos que os mordiam impiedosamente, embrulhados muitas vezes em cobertores, pois naquele clima quente o frio noturno nos rios também era muito.

 No radar apenas se conseguia observar o troço do rio em que se estava a navegar, sabendo-se pela carta que o troço seguinte seria para estibordo ou para bombordo e qual a variação de rumo aproximada. 

Quando o navio entrava na ou curva metia-se o leme todo a um bordo e aguentava se a guinada quando no radar se começava a ver o troço seguinte. 

Às vezes as coisas não corriam bem e os navios roçavam pelas árvores lá deixando alguns vergueiros, pelo que no exterior apenas podiam permanecer os operadores das peças. 

Enfim, uma operação arriscada e votada ao insucesso, uma vez que o ruído dos motores naquele ambiente silencioso era ouvido a distâncias consideráveis e mesmo com o navio a pairar ou fundeado, ouvia-se o ruído dos geradores.




Foi no Rio Cacheu que passei o meu primeiro Natal na Guiné e aí recebi do Ministro da Marinha, senhor muito simpático, que ofereceu uma nota de 100 escudos, para pagar umas cervejas à minha guarnição.

Nesse Natal de 1972 o senhor Ministro foi fazer uma visita aos fuzileiros na base de Ganturé e depois de me pedir desculpa por não ter tempo para ir ao meu navio, disse-me para desejar um bom Natal à minha guarnição, o que fiz sem lhes revelar quem na realidade pagou a maioria das cervejas por ele oferecidas.

Mas é nessa base de Ganturé em que, passados mais 3 meses, acompanhei os trágicos episódios que se sucederam ao abate nas suas proximidades de 3 dos nossos aviões, perecendo camaradas com quem convivi.

É também aí que algum tempo depois, desembarquei e me despedi com a emoção, do meu amigo Capitão Matos Gomes, que heroicamente com os seus comandos africanos atravessou a fronteira com o Senegal durante a noite para atacar a base inimiga de Cumbamori e assim aliviar o prolongado cerco ao nosso aquartelamento fronteiriço de Guidaje, em cuja defesa se distinguiu, entre outros, o então Capitão Salgueiro Maia.

É também de Ganturé que guardo a imagem da evacuação dos feridos numa violenta emboscada sofrida na temida clareira de Tancroal, efectuada por vários helicópteros em simultâneo, numa cena que lembrava filmes de outras paragens.

A comandar a LFG DRAGÃO, em missão de escolta a várias embarcações civis e à LDG MONTANTE, entrámos numa clareira à velocidade mínima, com uma máquina parada e a outra avante devagar, cozidos com a margem onde estava o inimigo, para proteger as embarcações civis que navegavam encostadas à margem oposta.

Sem termos tomado a precaução de efetuar alguns disparos prévios, fomos atingidos a muito curta distância, valendo-nos imediata a reação das nossas peças, que acabaram por ficar inoperativas durante o contato de fogo.

A peça de vante apenas fez alguns tiros porque ficou logo sem energia, devido a termos sido atingidos na zona do quadro elétrico que a alimentava e aos ferimentos sofridos pelo seu municiador. A peça de ré por sobreaquecimento do cano, devido os muitos disparos efetuados em curto espaço de tempo.

Da emboscada resultaram 2 feridos na guarnição da LFG e 14 no pessoal da estiva da LDG, que navegava à nossa popa e também se envolveu no combate. Tivemos sorte, porque a maioria dos projéteis inimigos caíram na água e uma munição explosiva que penetrou num dos nossos cunhetes os de munições não explodiu.

No rio Combijã a navegação era completamente diferente da do rio Cacheu. Não era fácil demandar a sua barra, pois era necessário Navegar por uma estreita passagem entre 2 baixios, apoiados apenas por uma única marca radar colocada a várias milhas de distância, pelo que um pequeno desvio podia dar direito a encalhar.

À entrada do rio tínhamos a bombordo a célebre ilha do Como, alvo de uma penosa ação militar alguns anos antes quando era considerada a principal base do inimigo e estibordo, a península do Cantanhez santuário do inimigo, onde em fins de 1972 se tentou fazer uma vez mais a sua ocupação militar.




A ORION foi uma das várias unidades navais envolvidas nessa ação e recordo naquele cenário de guerra em que foram empregues avultados meios terrestres, aéreos e navais. a desagradável sensação do silvo das granadas da nossa artilharia ao passarem por cima de nós ou a de adrenalina sentida, quando numa noite escura como breu fomos forçados a abortar um desembarque de fuzileiros por termos sido detectados pelo inimigo que se encontrava na margem a curta distância do local onde tínhamos fundeado.

O enorme ruído dos motores da LDM que transportava os fuzileiros fiz com que o inimigo procurasse saber a nossa exata posição, lançando very-lights. Sem podermos sair daquele local enquanto a LDM não regressasse, também não poderíamos ripostar se fossemos atacados, pelo perigo de podermos alvejar o nosso pessoal, pelo que se viveram momentos de grande tensão.

Mas voltando à navegação no rio Combijã, este era praticável para as LFG’s até à zona de Cufar, onde existia a pista de aviação alternativa à de Bissau para aeronaves de maior porte e apoio é toda a zona sul da Guiné.

Ao contrário do rio Cacheu, no Cumbijã a navegação não podia ser efetuada a meio do rio e tinha de ser bastante cuidadosa, navegando-se junto a uma ou outra margem, conforme a sua profundidade.




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Luiz Pereira Vale

Oficial da Armada

ex-Comandante do N.R.P. Orion

Revista de Marinha, 985, Maio, Junho 2015








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