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LINHA AÉREA e outros voos - Travessia 7 - O voo de Sacadura Cabral e Gago Coutinho entre Lisboa e o Rio de Janeiro

 

O voo de Sacadura Cabral e Gago Coutinho,

entre Lisboa e o Rio de Janeiro







Esta história é melhor compreendida depois da leitura dos seguintes capítulos, que a precedem:


Preâmbulo a toda a história

Aviões empregues nestas travessias

 O sextante modificado por Gago Coutinho (e Sacadura Cabral, também)

 Preparativos para a viagem


(Encontra os links, para os capítulos da lista acima, no fim desta história)






ETAPA:  Lisboa > Canárias, Las Palmas, porto artificial de La Luz
30 de Março 1922



Tinha chegado o grande dia!


Na Doca do Bom Sucesso, no Centro de Aviação Naval, junto á Torre de Belém, o hidroavião Fairey F III-D MkII versão Transalantic Load Carrier, "Lusitânea", nome com que foi baptizado, aguardava ansioso o momento em que o elevassem na zorra para o depositarem nas águas da doca.












No seu "Relatório da Viagem Aérea Lisboa - Rio de Janeiro", Sacadura Cabral descreve assim o que ia acontecendo, no elegante português do início do Seculo XX:



"Antes de romper o dia, 06H25, fez-se alvorada, e após um rápido exame do barómetro e do estado geral do tempo, decidi a partida e dei ordem para se pôr o hidroavião na zorra.

Apesar de não se ter anunciado a viagem, iam chegando muitos visitantes.

Nenhumas aprehensões e uma grande confiança em que tudo correria bem.

O Comandante Coutinho começou arrumando os instrumentos e livros de navegação.

O mecânico Tips, da casa Fairey (que viera a Portugal dar assistência á montagem do hidro) põe o motor a trabalhar ao ralenti. O dia ia rompendo. Vento fraco de NNW, um ligeiro chuvisco.





Ás 6h45 aperto a mão de alguns visitantes, cujo numero já excedia uma centena, e depois de apresentar a minha despedida a S. Ex o Major General, que nos dera a honra de vir assistir à largada, embarco e dou ordem para arriar o hidro.











E o "Lusitânea" entra na água. 







Um pouco mais de gás, e ele ahi vae hidroplanando até à entrada da doca do Bom Sucesso, Ainda tenho tempo para esboçar um último adeus, e uma vez sahida a apertada garganta da doca, corto para a outra margem do rio, afim de tomar posição para descolar.






Às 7h meto face ao vento, e a toda a força do motor e digo:


“Alea jacta est”!







O motor gira a 1800 rotações por minuto e o hidro, após uns 15 segundos de corrida, descola sem dificuldade, tendo a bordo 220 galões de gasolina e 15 de óleo.


Sobre a terra um ligeiro aguaceiro e um arco-íris completo envolvendo a histórica Torre de Belém como n'uma aureola de gloria.


O último adeus e voltando suavemente, meto a proa ao Bugio, sobre o qual passamos às 7h 5m".


Estava iniciada a fantástica travessia aérea Lisboa-Rio, cujos dois tripulantes ficarão para sempre na História da Aviação Mundial:



Piloto Capitão Tenente Sacadura Cabral, 41 anos, autor da ideia da viagem.

Navegador Capitão de Mar e Guerra Gago Coutinho, 53 anos, inventor do sextante adaptado para navegação aérea astronómica.



A bordo há, ainda, uma garrafa de vinho do Porto, um exemplar dos Lusíadas, para ser oferecido ao Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, e uma carta do Presidente Português, 
António José de Almeida, para o Presidente Brasileiro, Epitácio Pessoa.



O Ministro da Marinha prometeu estar na partida do voo mas, por se ter atrasado, Victor Hugo de Azevedo Coutinho já só conseguiu ver um pontinho no céu a afastar-se.



Sacadura Cabral continua a descrever assim o início do voo:


"A terra perde-se de vista às 7h 22m.

Terminada a natural excitação da partida, começo sentindo-me á vontade, e encaixo-me o mais confortavelmente que me é possível na acanhada e inconfortável cadeira do piloto preparando-me para umas 9 horas seguidas de volante.

Vamos a uns 200 metros de altura. O indicador de velocidade marca 68 milhas, mas sente-se que o hidroavião devora o espaço ajudado pelo vento.

Fazem-se as primeiras observações astronómicas.  O óleo que vem da descarga do motor pouco a pouco tudo invade e tudo suja, asas, fuselagem, para-brisas".


Ás 08h. 30 m. o caderno do Comandante Coutinho diz:


“Vento NW de 8 a 10 milhas, céu de nuvens soltas, algum balanço, muito óleo e muita porcaria”.


E continua assim:


"A melhor prova de que as nossa aprehensões são diminutas, é o apetite que sentimos, e que nos faz atacar os mantimentos de bordo – paus de chocolate, bolachas de água e sal e … água da Companhia, além de uma garrafa de “Porto” Ramos Pinto, guardada para casos extremos.


Ao meio dia o ponto observado é -Latitude 31º 27' N, Longitude 13º 44' W. Andamos 486 milhas em 6 horas [ 1 milha náutica = 1852 m; 900 km] , o que dá perto de 81 milhas de velocidade média [150 km/h]. Parece-me que o consumo de gasolina tem sido exagerado, uns 20 galões por hora [1 Galão Imperial=4,54 litros; 90 litros] , circunstância que não me agrada.


Ás 13h 25m e 13h 27m, vemos mais dois vapores, passando-se sobre o último. Calculamos ter andado 530 milhas [ 982 km] , batendo assim os records da Aviação Portuguesa, mesmo o da nossa viagem à Madeira  [no ano anterior, 1921, quando foram validados experimentalmente os métodos e instrumentos de navegação astronómica da Gago Coutinho].


Ás 14h 15 m avista-se a Selvagem Grande, para vante do travez de estibordo, a umas 50 milhas [93 km] de distância. Como largamos a terra de Portugal às 7h 22m, estivemos apenas 6h e 53 m sem ver terra!


Ás 14h 47m avistamos a ponta norte de Tenerife, e às 15h 02m a Isleta de Gran Canaria pela prôa. A alegria dá-nos apetite, e o acontecimento é festejado comendo-se mais duas bolachas e um pau de chocolate!

Subo a 2000 pés passando sobre alguma nuvens. A Isleta aproxima-se a a olhos vistos, distinguindo-se já as casas de Las Palmas.


Avistaram a Gran Canaria e o Porto de La Luz, mesmo em frente


Ás 15h 30 m estamos sobre o porto artificial de La Luz, (o porto da Gran Canaria, a NE da ilha) que vejo cheio de navios, notando igualmente que mesmo à entrada, fora do molhe,  há vapores fundeados.









Vendo a impossibilidade de poisar no porto artificial, corto o motor e desço suavemente preparando para ir assentar na água entre dois navios fundeados à entrada. Alguma mareta e bastante ondulação larga.



O hidro apanha a crista de uma ondulação, e saltando, vae poisar na crista seguinte. Parece que alguma coisa se danificou ...

Verifico que se partiram dois cabos que ligam as asas aos flutuadores, avaria que não tem grande importância".


(Amararam na Gran Canaria, no Porto de La Luz, 703 milhas depois, ao fim de 8h e 37m de voo)


"Entro no porto artificial, sendo rodeado por numerosas embarcações cheias de gente, e vou amarar à popa do Cruzador “5 de Outubro”.

Somos cumprimentados por várias entidades oficiais, e visitados pelo medico do porto que nos perguntou … pela carta de saúde!

Examino as avarias e com o nosso Cônsul, vou à casa Blandy, que tem um plano inclinado, (uma rampa) para ver se é possível lá encalhar o hidro, afim de mais facilmente se reparar a avaria.

Tudo fica combinado n’esse sentido,  começando-se imediatamente a preparar o plano".












No dia seguinte, 31 de Março, Sacadura Cabral apercebe-se de que o porto de La Luz não tinha condições para uma descolagem segura. O vento não era favorável, o porto era pequeno e estava normalmente pejado de embarcações que impediam a manobra. Além do mais, logo a seguir ao limite do porto as águas agitavam-se pondo em perigo a descolagem com um avião bastante carregado de combustível, como o que seria necessário para atingir Cabo Verde.


E assim, segundo Sacadura Cabral:


"pela manhã, sahimos no “5 de Outubro” para irmos à bahia do Gando, (exactamente ao lado do actual Aeroporto da Gran Canaria) situada a umas 15 milhas ao sul de La Luz, afim de examinar as possibilidades de ahi descolar". 

"Gostei da bahia do Gando, que além de abrigado do NE, tem a vantagem de ter terra baixa do lado do norte, o que permite passar-lhe por cima, e assim decidi ir para lá logo que terminassem as reparações do hidro.

De regresso a La Luz, o hidro foi encalhado no plano da casa Blandy começando-se imediatamente a revistar o motor e a reparar as avarias, serviços esse que se prolongaram para o dia seguinte.

Enquanto o comandante  Coutinho agradecia as visitas oficiais, andei num escaler examinando detidamente o porto, para ver a melhor forma de sahir do buraco que é La Luz".



ETAPA:  Porto artificial de La Luz > Gando

02 de Abril de 1922


Em 02Abril pela manhã sahiu o “5 de Outubro” com destino à bahia do Gando, e preparámo-nos também para largar.

Como o hidro tinha passado a noite na água,  passou-se revista ao compartimento dos flutuadores,  vendo com estranheza que tinham água, facto que na ocasião atribui ao facto de ter estado quase 3 dias ao sol em terra, o que poderia ter dado lugar a que a madeira dos flutuadores secasse.

Volto a examinar o porto e vj que só é possível sahir adotando a solução de correr com o vento á popa dentro do porto artificial.

É contra todas as regras, mas não vejo outra forma de o fazer.

Ás 10 h. 56 m. põe-se o motor em marcha. Depois de o aquecer, venho tomar posição junto aos navios, e meto a toda a força. O motor obedeceu como um “pur-sang” e o hidro descolou em poucos segundos,  ainda dentro do porto. Quando passámos na extremidade do molhe, onde muito público se tinha juntado, já íamos a 20 metros de altura.


Baia de Gando (e o actual Aeroporto) em 1º plano e o porto de La Luz no topo da imagem



20 minutos depois estavamos  na bahia do Gando, amarrando à pôpa do “5 de Outubro”, que pouco tempo antes tinha fundeado.

Durante a curta viagem de 15 milhas, não houve descarga de óleo, mas reparei que o hidro tinha uma acentuada tendência para “cabrar”.


Nota:

"Cabrar" é um termo aeronáutico usado pelos pilotos para significar que o avião tem tendência a voar "com o nariz em cima". Essa atitude de voo levava a que, para se manter linha de voo, ou seja manter sempre a mesma altitude, os pilotos tinham de fazer muita força, para a frente, no volante, mais tarde apelidado de "manche", para o conseguir, Neste caso, dado que o avião depois de algum consumo de combustível tornava-se mais estavel, mais fácil de dominar, era certamente devido ao centro de gravidade deslocado pelo peso adicional e a localização, muito atrás, da água indevidamente infiltrada nos flutuadores.

Estes problemas de equilíbrio do avião de modo a não obrigarem o piloto a fazer muita força para o controlar, para evitar a "cabragem", foram mais tarde corrigidos, em todos os aviões e ainda hoje, com "compensadores" que obrigam as superfícies a posicionarem-se de modo a anular esta força.



A “Bengo”, depois da nossa partida para La Luz, seguiu com destino a Porto Praia, Cabo Verde.


Na bahia de Gando


Depois de chegarmos a Gando, passou-se revista ao motor, e meteram-se 240 galões (1091 litros) de gasolina. Com este peso, o flutuador da cauda mergulhava muito na água. Colocamos pesos na parte da frente do flutuador. Assim, a cauda não batia na água, e era possível abrir as tampas de visita dos flutuadores para  esgoto da água que pudessem ter.


Em 3 de Abril pela madrugada preparámo-nos para partir  para Cabo Verde.

Passa-se revista aos compartimentos dos flutuadores, com excepção do último compartimento de ré, que a mareta não permite que se visite, e viu-se que tinham muita água, o que me deixa muito preocupado.

Em Porto Praia, poucas ou nenhumas probabilidades existiam de ali por o hidroavião em terra, condição necessária para o completo esgoto da água dos flutuadores.

Desde que isso não fosse exequível, a travessia directa Praia – Fernando Noronha seria impossível de realizar, sobretudo se se confirmassem as desconfianças que a viagem Lisboa – Las Palmas me dera relativamente ao consumo de combustível.

Depois de se esgotar a água o melhor possível, poz-se o motor em marcha, indo tomar posição para largar.

Ceu de cumulus solto, vento NE fresco e mareta com alguma ondulação.

Apoz tres tentativas para descolar, sem que o hidro mostrásse a minima vontade de o fazer, resolvo abandonar a ideia de partir nesse dia, e no intuito de passar boa revista aos flutuadores, o hidro é rebocado para junto da praia, onde o vento muito pouco se fazia sentir, e o mar estava completamente tranquilo.

Descarregou-se a gasolina para barris afim de aliviar o hidro o mais possível, e desenroscando as tampas dos compartimento dos flutuadores que de manhã a mareta não tinha deixado abrir, viu-se que estavam quasi completamente cheios de água.

É claro que com tal excesso de carga, e tão mal situada, muito a ré do centro de gravidade, a descolagem era impossível, por muito boas que fossem as condições de tempo e mar.

Em vista do acontecido, resolvi alterar o programa de viagem e ir fazer escala em S. Vicente de Cabo Verde, onde sabia existir um plano inclinado pertencente ao governo. [...]

Tencionava aproveita-lo para pôr o hidro em terra afim de instalar nos compartimentos de ré dos flutuadores uma disposição semelhante á que em Lisboa se fisera nos compartimentos onde estavam os reservatorios de gasolina, isto é, tubos de cobre que atravessando a tampa do flutuador iam até ao fundo do compartimento e aos quaes seria possível, mesmo quando submersos, adaptar o chupadouro de uma bomba para esgotar a agua.

Outras vantagens haveria ainda em pôr o hidroavião em terra: a inspecção do motor  seria mais facil de faser e poder-se-hia faser nova regulação, O que me parecia necessario porque a grande têndencia a «cabrar» que ele manifestara durante o trajeto La Luz – Gando  fisera-me desconfiar que estava mal regulado, o que só em terra seria possivel verificar.

Desta alteração do programa dei conhecimento ao Ministerio e ao crusador “República” que estava na Ilha do Sal aguardando a nossa passagem para Porto-Praia.

Á tarde o hidro voltou a. ficar amarrado a pôpa do “5 de Outubro”, sem gasolina nos tanques. Com tubos de cobre e borracha arranjou-se uma disposição que permitia meter rapidamente a gasolina por meio de bomba instalada á pôpa do navio.

A 4 de Abril, de madrugada, ainda de noite, esgotou-se a agua dos flutuadores e meteram-se novamente os 240 galões de gasolina. Quando nos preparávamos para largar chegou o crusador Carvalho Araújo que seguia viagem para Lisboa e nos informou que apanhára muito mar e vento NE fresco.


No Gando o mesmo tempo do dia anterior.




O hidro começou correndo mas já quando no «step» e prestes a descolar, partiu-se a chapa onde vae fixar-se um dos cabos que ligam as asas aos flutuadores, avaria semelhante á que acontecera em La Luz mas  agora no cabo que nessa ocasião nada sofrera.


A ideia de partir é naturalmente abandonada, o hidro é outra vez rebocado para junto da praia e novamente se descarrega a gasolina enquanto a bordo se faz uma nova chapa,

A tarde a avaria ficou reparada e o hidro voltou a ficar amarrado á pôpa do “5 de Outubro”.




ETAPA:  Gando > S. Vicente, Cabo Verde

05 de Abril de 1922


"Em 5 de Abril de madrugada, o mesmo trabalho do dia anterior; esgoto prévio da agua dos flutuadores e depois meter gasolina. O tempo egualmente o mesmo.


Motor em marcha às 07 h. 23 m. e ás 7 h. 35 m., apóz uma corrida regular, o hidro descola com 240 galões [ 1 091 litros] de gasolina, Passamos sobre a terra do norte da bahia, e dando a volta, fasemos rumo a S. Vicente.

Vento NE de mais de 25 milhas [43 km/h], muito balanço, muita carneirada no mar, ceu limpo mas horisontes curtos e encinseirados.

Logo depois da descolagem a agulha de governo começou a andar de roda, sendo impossível servir-me dela. Apoz breve hesitação, resolvo continuar viagem governando pela direçăo da vaga e, quando ha sol, pela sombra dos mastros do hidroavião, segundo as indicações, que o comandante Coutinho me transmite, da grosseira agulha que havia instalada a ré.


Imagino que quaesquer outros, que não tivessem pratica de viagens aéreas sobre o mar ou que não tivessem absoluta confiança nas observações astronómicas tivessem voltado para traz desde que a agulha de governo tivesse endoidecido, como aconteceu á nossa.


Avista-se o pico de Tenerife completamente limpo. Passamos perto de um navio ás 8 h. 06 m. O horisonte está pessimo sendo impossivel servirmo-nos dele para observar.

Ás 8 h. 23 m. perdemos de vista a Gran Canária e às 8 h. e 30 m. deixa de ver-se o pico de Tenerife. Vamos cortando ares virgens a mais de 90 milhas á hora [167 km/h]. Há muito mar vendo-se bem a vaga apesar de irmos altos.


Creio que se o motor parásse nem a aIma se nos aproveitava!


Continuo governando pela vaga e sombra dos mastros e pensando na forma de evitar que a agulha de governo ande de roda. [...]  entalo um bocado de trapo entre a caixa da agulha e a antepara da fuselagem.

Resultado ótimo! A agulha passa a marcar, como qualquer outra, o rumo a que seguimos!


Tinhamos andado 1 hora e 50 minutos sem agulha de governo!


O horisonte parece melhorar e descemos para observar. Continua havendo muito mar. O resultado das observações não é de muita confiança porque o horisonte continua pessimo mas temos esperança em que acabará por melhorar visto não ser natural que haja 900 milhas [1666 km] seguidas de mau tempo.

O hidroavião permanece com uma acentuada tendencia para “cabrar” sendo necessario empregar muita força para o manter em linha de vôo. É fatigante o esforço que faço e por veses sinto os braços dormentes.

Ao meio dia verdadeiro o nosso ponto é: Latitude 22º 38' N, Longitude 20° 22‛ W.  Faltam-nos 430 milhas [796 km] para chegar a S. Vicente e a nossa velocidade media até agora tem sido cerca de 90 milhas por hora.

Ás 13 h. 30 m. ainda temos 110 galões de gasolina nos tanques. O nosso consumo tem sido cerca de 20 galões [91 litros] por hora  e não vejo possibilidade de o reduzir porque se vê bem que que o hidro dificilmente se aguenta em linha de vôo com menos rotações do motor.

Pelas boias de fumo sabe-se que o vento é NNE mas já não tem mais que 5 milhas de força.

Ás 15 h. 30 m. avistamos um passaro, primeiro anuncio da terra que calculamos estar a umas 160 milhas [270 km]. O vento fez-se N muito fraco e o mar está chão.

ÀS 16 h. 30 m. subo a 2000 pés encontrando horisonte mais limpo mas não avisto terra. Volto a descer. O vento em baixo é agora NW fraco e o mar por veses se apresenta espelhado.

Ás 17 h. 30 m. subo novamente avistando ás 17 h. 35 m. o pico de S. Nicolau, por cima das nuvens e por bombordo da prôa. Continuo subindo e avisto Santo Antão por estibordo, egualmente por cima de nuvens, e pouco depois Santa Luzia e S. Vicente.




Desço mas só passado algum tempo se vê terra devido á neblina que reina em baixo.

Demandamos o canal de S. Vicente. Ás 18 h. 10 m. no canal.






Dou a volta pelo sul do porto e venho poísar no Mindelo, na praia da Matióta (a NW da Ilha de S. Vicente) ás 18 h. 18 m. cobrindo assim em 10 h. 43 m. á velocidade média de 79,5 milhas  [147 km] por hora, as 850 milhas [1574 km] que nos separam da bahia do Gando.






No porto temos tempo esplendido e mar chão, poisando sem novidade. Somos cercados por numerosas embarcações a remos e a vapor, cheias de gente que nos aclama, enquanto as sereias e apitos fazem um barulho ensurdecedor.

Amarro o hidro a pôpa de um palhabote fundeado no porto porque nem o “República” nem a “Bengo” ainda chegaram. O “República” está a caminho, de regresso da ilha do Sal e a “Bengo” só amanhã poderá chegar.

A 6 de Abril pela manhã chegaram o Republica e a Bengo.

O hidro foi encalhado no plano das oficinas do Estado e o pessoal da Aviação começou imediatamente a ocupar-se da sua beneficiação.





Durante todo o dia receberam-se inumeros telegramas de felicitações e à noite pensamos no beco sem sahida em que nos parece estarmos metidos."

“ Efectivamente não me resta dúvida de que o consumo de gasolina é, pelo menos, de 20 galões (91 litros) por hora!


N'estas condições os 330 galões (1471 litros) dos tanques darão, quando muito, para 16 horas e para que o voo directo Praia (Ilha de S. Tiago) - Ilha de Fernando de Noronha se possa efectuar será necessário voar à velocidade media de 80 milhas  por hora (148 km/h).


É problemático, mas exequível se o vento ajudar.

Contudo será indispensável descolar com toda a carga, e isto só se as condições de Porto Praia (na ilha de Santiago) forem  excelentes e se se esgotar completamente os flutuadores, em terra,

Desde que estás condições se não realizem, o voo directo Praia – Fernando Noronha tornar-se-há impossível, havendo duas soluções a tomar:


1- desistir de continuar a viagem, [...] ou

2- tentar fazer escala nos Penedos de S. Pedro e S. Paulo [...], e meter aí gasolina para ir até Fernando Noronha.


Desistir da viagem é uma resolução que, dado o entusiasmo que se está manifestando em todo o País, só em último caso posso tomar.

Ir aos Penedos é uma solução arriscada [...].


Os Penedos são rochedos isolados tendo uns 200 metros de comprido. O abrigo que darão será nulo […].


O República pode esperar-nos ali e como estará ao alcance da T.S.F. (Telegrafia sem fios, incipiente naquela altura) da ilha de Fernando de Noronha, poderemos ter, com pouca demora, noticias exactas sobre o tempo reinante o que nos permitirá aproveitar qualquer sóta favorável. “

Examinado assim o problema combinei com o comandante do Republica irmos no navio visitar Porto Praia enquanto o pessoal da Aviação continua passando cuidadosa revista ao motor, se ocupa de regular o hidroavião e de instalar tubos para esgoto da água dos flutuadores.

As informações colhidas em S. Vicente davam Porto Praia como quási sem recursos não havendo no porto nenhum escaler a gasolina ou vapor.

Como a Bengo também não tinha d'estes escaleres o que tornava o seu auxílio muito deficiente, e como era conveniente prever a hipótese de necessitar o auxilio de 2 navios na viagem para o sul, pedi que “5 de Outubro”  viesse a Cabo Verde, pedido que foi imediatamente satisfeito.



A Bengo fundeada em S. Vicente, Cabo Verde


Largámos para o Porto Praia a 7 de Abril de tarde, chegando a 8 pela manhã.

Examinado o porto, viu-se que não havia possibilidade de pôr o hidroavião em terra. No ilhéu, onde em tempos houve um depósito de carvão, havia ainda um antigo plano inclinado mas não tinha largura suficiente. Para o aproveitar seria necessário derrubar os muros laterais, obra que levaria dias.

Quanto às condições do porto também os resultados do exame eram desanimadores. O vento dominante é de NNE e NE; a descolagem teria de se efectuar contra a terra do norte do porto, terra que é alta e por Isso, para a galgar, seria necessário iniciar a corrida bastante fora.

Ora durante o dia soprara brisa fresca de 18 milhas de força e com este vento já havia, mesmo dentro do porto, mareta rija e grande ondulação. E' claro que fora ainda estava peor, e n'estas condições a descolagem com grande carga seria impossível.

Em resumo: não só o porto não era grande coisa para descolar como não havia possibilidade de pôr o hidroavião em terra e assim o fazer o trajecto directo Praia-Noronha era inexequível.


Restava a solução de fazer escala nos Penedos e para isso parecia-me preferível começar por experimentar largar directamente de S Vicente, o que tinha as seguintes vantagens: evitar uma escala, poder continuar a ter o hidroavião em terra d'onde sairia à hora que me conviesse e com os flutuadores completamente esgotados, e estar n'um porto onde mais rapidamente chegariam os telegramas do Republica".


Decidido assim o assunto voltamos para São Vicente nessa mesma tarde chegando a 9 pela manhã.

 No canal de São Vicente encontramos nordeste fresco com carneirada mas dentro do porto estava abrigado o que me fez ter a impressão, que depois reconheci bem errada, de que o Porto de São Vicente era mais abrigado e melhor para descolar do que Porto Praia.


[…] Como a beneficiação do hidro, que por Decreto tinha sido baptizado com o nome de Lusitânia, estava terminada, o Republica largou n'essa mesma tarde para os Penedos, onde devia chegar a 13 pela manhã, ficando combinado que mandaria diariamente dois boletins de tempo.



      O NRP República parte de S. Vicente para os Penedos, no dia 9 de Abril de 1922.



[…] Só então tive ocasião de ver bem quanto o porto de S, Vicente é mau para a aviação. Cercado de montes altos e ravinados, o vento despeja-se em rajadas que vêem de direcções diferentes; a ondulação, provocada pelo mar que geralmente se levanta no canal de S. Vicente, entra pelo porto dentro dificultando a descolagem e a circunstância de o porto ser cercado de montes muito altos torna a saída difícil e perigosa […] 

Na esperança de que o vento abrandaria, aguardamos pacientemente a chegada do Republica aos Penedos.

A 12 chegou o “5 de Outubro” que imediatamente preparou para comissão e a 13 o “Republica” informou ter chegado aos Penedos avisando de que «estava bom para poisar». “

A 14 de Abril de madrugada, depois de ter ido num gasolina examinar o porto, pôs-se o motor em marcha e às 4 h. 50 m. ainda antes do romper do dia, já estava hidro planando, levando a bordo 270 galões  [1200 litros] de gasolina.

Faço três tentativas para descolar mas nada consigo. Muito mar, vento de rajadas e o hidro não mostra a mais pequena tendência para descolar.





Volto para o plano, onde depois de muito trabalho se consegue encalhar novamente o hidro. “

A 15 de Abril [de 1922] ainda o vento sopra mais rijo e nem penso em experimentar partir.

Aproveito para ir na "Bengo" ver o porto de Tarrafal, de Santo Antão, que me dizem ser muito abrigado.

É na verdade abrigado do NE, havendo mesmo quando ali cheguei um ligeiro embate de vento de W, mas desde que tenha de mudar para local onde o hidro terá de permanecer na água, acho preferível ir para Porto Praia porque assim encurto a distancia aos Penedos em 90 milhas, o que é muito importante,

O facto de no dia 16 o vento continuar muito forte leva-me a decidir ir para Porto Praia, e n'esta ordem de ideias alívio por completo o hidro e peço ao 5 de Outubro para seguir para aquele local. “



ETAPA:  S. Vicente > Santiago, Porto Praia
17 de Abril de 1922


Partiram no dia 17 de Abril da Ilha de São Vicente rumo à Ilha de Santiago num voo de 170 milhas com a duração de 2h e 15m.


"A saída do plano foi arriscada e difícil. Às 3 h. 55 m. [15H55 locais, 1735 TMG] estamos no ar, dando formidáveis balanços quando passamos em frente da Matióta e apanhamos as rajadas que os montes despejam. Nem parecia o mesmo local tranquilo onde à chegada tínhamos poisado!






Meto ao caminho contornando a ilha, mas apesar de um grande resguardo de mais de 5 milhas, o hidro dá quatro formidáveis saltos quando passamos em frente da Bahia de S Pedro, a SW da ilha, porque o vento vem encanado e parece redobrar de intensidade.

Depois de largarmos a ilha de S Vicente, o vento abrandou um pouco e o mar abonançou mas o balanço continuou. Durante o trajecto o vento variou entre NE e NNE de 10 a 15 milhas de força. Algumas nuvens e horizontes muito curtos.

Às 5 h. 16 m. avista-se pelo través, e por cima das nuvens, o pico do Fogo e às 5 h, 24 m. vê-se a terra de S. Tiago começando novamente a sentir-se vento de rajadas.

A cautela dou resguardo, mas ao entrar na sombra da ilha encontro bom tempo e mar bonançoso.


Às 5 h. 50 m. [ 17H50 locais, 1950 TMG] poisamos sem novidade em Porto Praia, indo amarrar à pôpa do "5 de Outubro" [...] 






Depois da nossa chegada vieram vários telegramas, e entre eles o boletim da tarde do “República”, que indica continuar a haver bom tempo nos Penedos.

N'estas condições parece-me preferível aproveitar a sóta de tempo e n'essa mesma noite preparamo-nos para largar passando revista ao motor e metendo 255 galões [1024 litros] de gasolina, serviços estes que se acabam depois da meia-noite."



Toda a viagem tinha sido preparada para estarem onde estavam (Cabo Verde) nesse mês e nessa semana:

Nesse mês, para aproveitarem os ventos Alísios: “[…] Passado esta época [Abril], já o alisado de SE estaria muito ao Norte, as chuvas teriam começado no Hemisfério Sul, e assim a Travessia seria muito arriscada […] ”

E nessa semana, para aproveitarem a lua cheia, uma vez que o atravessamento do Atlântico teria de se iniciar de noite, pela longa duração da etapa, 16 horas de voo estimadas...






ETAPA:  Porto Praia > Arquipélago de São Pedro e São Paulo,
(na altura conhecido pelo nome de “Rochedos” ou "Penedos" de São Pedro e São Paulo).
18 de Abril


A etapa rainha de toda a viagem!


Sacadura Cabral e Gago Coutinho estão em Cabo Verde, desde 05 de Abril, aguardando tempo favorável para a partida para o “Grande Salto”. Chegaram ao Mindelo nesse dia e decidiram partir do porto da Praia, na Ilha de Santiago, para terem melhores condições de descolagem e encurtarem o mais possível a longa etapa até aos Rochedos.

“Às 5 h. 15 m. pôs-se o motor em marcha, hidroplanando para tomar posição a SW da Ponte Temerosa, no intuito de largar passando sobre a terra baixa desta ponte.

Faço duas corridas sem resultado; bastante ondulação e vento NNE muito fraco.

Como já começa a ser tarde, desisto de sair e volto para dentro, mas parecendo-me que havia agora um pouco mais de vento, dou uma terceira corrida, já dentro do porto, e o hidro descola às 5 h. 55 m. [ 07H55 TMG ]

Dou a volta antes de chegar à terra e meto a caminho. Vento fraco de NNE, céu quási limpo, mas tempo encinzeirado e horizontes curtos. “


Descolam ás 5 horas e 55 minutos com 255 galões de gasolina.

Com destino a uma meia dúzia de penedos perdidos no meio do Atlântico Sul, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, com uma previsão de 12 horas de voo num monomotor sobre o mar sem absolutamente nada para ver no horizonte em qualquer direcção durante essas 12 horas, a não ser mar e maias mar...!

Os Penedos são 8 ilhotas com uma área total aproximada de 2 hectares, o tamanho de dois campos de futebol, distantes  627 km do Arquipélago de Fernando de Noronha e 1100 km de Natal, no Brasil e 1800 km de Dakar, no Senegal!


Foi nesta etapa que o génio de Gago Coutinho e o seu sextante ficaram para sempre inscritos nos feitos científicos mais importantes da História.

Porém...

Ás 6h10 perde-se a terra de vista.

Começo a gastar gasolina dos tanques dos flutuadores e ás 8 h. isto é, a duas horas de partida, vejo com surpresa que estão completamente esgotados, não me restando mais que 195 galões [870 litros]de gasolina nos tanques da fuselagem, ou seja menos de 10 horas de voo!

O vento começa abrandando e isto preocupa-me porque me vejo muito escasso de combustível.

Troco impressões com o comandante Coutinho examinando a nossa situação e encarando a hipótese de voltar para traz.

Calculo que durante a noite, devido á elevada temperatura que faz houve evaporação de gasolina e por essa rasão e pelo facto de ter hidroplanado muito tempo, teríamos descolado, quando muito, com uns 235 galões de gasolina, isto é, com menos de 12 horas de voo e, para conseguir percorrer n'esse lapso de tempo as 918 milhas que separam Porto Praia dos Penedos, seria necessário marchar a 76 milhas á hora, velocidade que temos estado longe de conseguir porque o vento tem sido fraco.

A situação não se apresenta agradável mas decidimos continuar para ver o que faz o vento.

Às 9 h. 10 m., avista-se um grande navio por bombordo e aproximo-me um pouco para que nos vejam. O Vento continua abrandando e o consumo de gasolina mantém-se em, pelo menos, 20 galões por hora!

Volto a discutir com o comandante Coutinho a nossa situação que me parece bastante grave. Devemos estar a 690 milhas dos Penedos e não temos mais que 8 horas e meia de gasolina!

Para chegarmos, precisaríamos andar a 80 milhas á hora e estamos andando a 72 !!

O lógico, o prudente seria voltar para traz mas a má impressão produzida se assim fizéssemos, certamente seria enorme!!

[...]Alem d'isso em Porto Praia, onde já não temos gasolina de aviação, com dificuldade arranjaríamos gasolina ordinária de automóveis e ficaríamos arriscados a que na próxima tentativa nos acontecesse o mesmo com a agravante de o motor já ter mais umas horas de trabalhos.

Confesso que, para mim, foi este voo o bocado mais amargo da viagem aérea Lisboa-Rio, porque durante nove horas e meia vivi sempre na incerteza de ter ou não gasolina suficiente para chegar ao términus.

Se assim acontecesse e tivéssemos de poisar no mar, longe dos Penedos, aqueles que não nos conhecessem suporiam sempre que tínhamos partido com gasolina mais que suficiente mas que, tendo-nos perdido, tínhamos terminado por poisar ao acaso em qualquer ponto do Oceano e assim ficaria por demonstrar aquilo que pretendíamos provar, isto é, que a navegação aérea é susceptível da mesma precisão que a navegação marítima!!

Depois de muita hesitação e de muita discussão, - que é demorada, porque só por escrito podíamos comunicar as nossas impressões - decidimos continuar.

Desde que partíramos de Lisboa tínhamos metido a vida em despesa e n'estas condições o melhor era ir até onde a gasolina desse!




O vento até às 10 h, continuou o mesmo mas d'essa hora em diante começou refrescando fazendo-nos renascer a esperança de podermos chegar até ao “República”.


Gago Coutinho disse:

Confiávamos em que, se fosse preciso poisar no mar, não muito longe do ponto de chegada, ao anoitecer, o navio que nos esperasse nos Rochedos, largando para norte, encontraria o Avião, ouvindo tiros da nossa pistola de sinais.

A meio do voo, as bombas de vento  [que traziam o combustível para o motor], avariaram;  foi preciso que o Navegador as substituísse, dando à bomba de mão.

Assim foram elevados, dos flutuadores para o tanque sobre o avião, uns 500 litros de gasolina.

Este pormenor, pouco falado, concorreu eficazmente para que o voo, não falhando, pudesse dar muita alegria ao Povo Português...  


Prossegue Sacadura Cabral:

“Ao meio dia o vento é NE de umas 15 milhas e o ponto dá-nos: Latitude 41º N Longitude 26º 26' W, mostrando assim que tínhamos conseguido um andamento médio de perto de 80 milhas por hora, resultado bastante animador. A temperatura ambiente porém, subiu muito o que me faz recear que tenha como consequência grande evaporação de gasolina.

O hidro continua com acentuada tendência a “cabrar" obrigando-me a um esforço continuo e fatigante para o manter em linha de voo.

As 14 h. 30 m. pintam alguns salseiros e o céu forra-se, apresentando o aspecto equatorial.”

"Às 15 h. atravessamos alguns aguaceiros e o vento abranda bastante mas mantém-se entre NE e NNE. Devemos estar agora a umas 115 milhas dos Penedos e decidimos navegar um pouco para oeste para demandar à recta de altura que por eles passa, mas o céu continua forrado, não permitindo observar, o  que é outra complicação." 

"As 16 h. acaba-se a gasolina dos tanques principais restando apenas os 24 galões contidos no tanque de gravidade, isto é cerca de uma hora e um quarto de voo.

Pouco depois o sol descobre e podemos fazer observações. Apanhamos a recta de altura que passa nos Penedos e seguimos por ela.

Agora, o chegar, é uma questão de termos ou não gasolina bastante e assim vamos seguindo, sempre com esta preocupação. "





A questão, que não os preocupava minimamente, uma vez que estavam cientes do que estavam afazer (e nunca mencionaram este facto como sendo um problema) era encontrar aqueles penedos com 200m de comprido e uns 15 metros de altura, 11 horas já passadas desde que tinham partido de Cabo Verde, sem nada poderem ver em redor durante todo esse tempo, sem nenhuma outra referência, porque, na realidade, nada há para ver...

E foi isto o que, naquele dia, com 11 horas de voo, Sacadura Cabral escreveu:

"Às 17 h. avistamos os Penedos - umas pedras pouco elevadas que só se podem avistar muito de perto, dos 300 metros de altura a que voávamos e, quási ao mesmo tempo, o Republica, situado cerca de 8 milhas a NW dele.


Veja aqui um filme, no YouTube, sobre o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, que se abre numa nova janela.

(Clicar em "Ignorar anúncio" na janela á direita no vídeo)


Mas as preocupações ainda não tinham terminado porque, passadas 11h e 21 minutos de voo, a gasolina estava mesmo a acabar.


Faço rumo para o Republica e às 17 h. 15 m, corto o motor descendo para poisar junto do navio. Não devíamos ter mais de 2 ou 3 litros de gasolina no tanque!!


      Imagem de 1922 (colorida por mim)


Há ondulação bastante cavada e pequena mareta e por isso decido poisar correndo ao longo da ondulação junto dos escaleres que o República tinha na água — agitada por "ondulação larga".

Nesse momento uma ondulação maior apanha o flutuador de bombordo, parte-o e leva-o!

O choque quási nem se sente!!

Perde-se um dos flutuadores, que se desfez por ser de madeira podre.

O que nos surpreendeu porque, após os 1600 Km de voo sem apoio, queimados os nossos 700 Kg de gasolina, o Avião ia leve.

O hidro continua correndo ainda durante alguns segundos em linha de voo e termina por poisar normalmente, mas como lhe falta um dos flutuadores, inclina-se vagarosamente para bombordo e depois mete a proa na agua, armando em pilone!!

Apenas damos conta do sucedido ao vermos a nossa posição inclinada!!

Os escaleres do República acodem imediatamente e saltamos para bordo levando o que estava solto e se podia tirar: livros, sextante, cronometro, instrumentos, além do diário de navegação de Gago Coutinho. Nem nos molháramos!!!

Os Lusíadas tinham conseguido escapar a outo naufrágio!

Vejo bem que o hidro está perdido mas tenta-se salvar o motor que desde Lisboa tão bem trabalhara e n'esse intuito o hidroavião é rebocado para junto do ”Republica”.

A água, porém, vai entrando nos tanques de gasolina, o hidro mergulha lentamente e afunda-se, depois de várias tentativas infrutíferas para se passar um cabo ao motor que já estava submerso!! ".






A precisão dos cálculos astronómicos de Gago Coutinho e de performance do avião de Sacadura Cabral, permitiu que o avião iniciasse a sua descida em direcção ao cruzador República, que os aguardava, junto àqueles poucos penedos perdidos em pleno Oceano, 908 milhas depois da descolagem, ocorrida 11h e 20 minutos antes... 


Um facto deveras extraordinário!

Nunca antes tentado por ninguém em todo o Mundo...

E com toda a confiança de quem sabia o que estava a fazer


"Acabámos por ser recolhidos pelo Cruzador “República”, que no Penedo nos esperava, pairando, informados pelo rádio sobre a nossa partida de Cabo Verde, e que tinham vivido todo aquele dia sobressaltados, na ignorância do que se vinha passando a bordo do Avião...

Até que, ao fim da tarde, ao avistarem-nos no céu, a Norte, tiveram extraordinária comoção de surpresa e prazer."

Simples geógrafos tinham demonstrado ao Mundo a possibilidade de atravessar os Ares, com a mesma segurança e autonomia com que os Navios o faziam nos Mares.




      Penedos - Imagem actual


Sacadura Cabral comunica então para Lisboa tudo o que aconteceu indicando que teria um grande prazer em continuar a viagem se assim fosse decidido pelo Governo.

A guarnição do República fizera entretanto um padrão para deixar nos Penedos como recordação da viagem, padrão constituído por uma chapa de ferro onde estão cravadas letras de latão formando as palavras hidroavião lusitânia -cruzador República tendo igualmente 

os fac-simile das nossas assinaturas e da do comandante Muzanty.

O estado do mar não permite porém que ele seja desembarcado.

Apesar da quase falência do Estado Português (daí o voo ter sido feito num mono motor porque não havia verba para mais) a Nação portuguesa entrou em delírio e o clima emocional levou o Ministro da Marinha Comandante Victor Hugo de Azevedo Coutinho a enviar  um telegrama determinando que o República seguisse para Fernando de Noronha aguardar ordens e informando que ia ser enviado outro hidroavião a fim de que a travessia pudesse prosseguir

E como a 20 de manhã continua a haver muita ondulação nos Penedos, o Republica segue para Fernando de Noronha onde chega a 21.

“Fernando Noronha é hoje [em 1922] um presídio do Estado de Pernambuco. Fazemos os nossos cumprimentos ao director do presídio, Coronel Manoel Breyner, que com a maior amabilidade nos oferece hospitalidade […] e recebemos numerosos telegramas de felicitações entre os quaes sobressaem os dos Exm.º Presidentes das Repúblicas Portuguesa e Brasileira".

Durante estes contratempos, os dois heróis ficaram ancorados na ilha de Fernando de Noronha, a bordo do República., onde decidiram que a nova etapa não devia ser iniciada naquela ilha, sendo preciso voltar atrás e sobrevoar os Penedos de S. Pedro, para completar realmente a Travessia Lisboa - Rio de Janeiro.








O Governo, com o Patrocínio da casa Pinto & Sotto Mayor, agente em Lisboa do Lloyd brasileira decide enviar outro Fairey pelo vapor Bagé, cujo frete o seu representante em Lisboa amavelmente ofereceu.











O Fairey F 16 ("Pátria-Portugal", nome não registado) saiu de Lisboa no navio Bagé no dia 27 de Abril, logo após o embarque.



Entretanto, o República é autorizado a ir a Pernambuco meter carvão, água e mantimentos o que faz em 26 pela manhã enquanto nós desembarcamos em Fernando de Noronha aceitando o amável oferecimento do diretor do presídio que nos aloja na sua residência.

Aproveito estes dias em Fernando de Noronha para fazer um ligeiro reconhecimento da ilha sob o ponto de vista aviação apesar de ela ser bastante acidentada será possível arranjar um pequeno aeródromo num trato de terreno situado no sudoeste da chamada praia do sul este

O República está de volta a 3 de maio tendo aproveitado a estadia em Pernambuco para instalar um pau de carga de fortuna (um guindaste)

Voltamos para bordo e a 4 seguimos para os Penedos ao encontro do Bagé.

A 6 de Maio aproveitando uma sota de tempo consegue-se desembarcar o padrão feito pela marinhagem da República.


      O Cruzador Republica nos Penedos













Nesse mesmo dia chega o Bagé e vou a bordo examinar o hidro que vem otimamente instalado. Um outro Fairey IIID, Nº 16." a que Gago Coutinho chamava F-16)"


Sacadura Cabral sobe ao Bagé


O avião foi montado de imediato no convés do Bagé, onde vinha, já que as asas não viajaram instaladas.

A equipa da Aviação Naval responsável pelo transporte e montagem do Fairey eram o 1º tenente piloto aviador M. Ortins de Bettencourt e o 1º tenente engenheiro maquinista José A. Marques.


      A fuselagem


      As asas da direita





      As asas da esquerda


      O Fairey pronto a voar



O mar continua com bastante ondulação e pequena vaga e nestas condições o desembarque do Fairey será bastante arriscado.




De combinação entre Sacadura Cabral e o Comandante Costa Mendes do Bagé,  ficou decidido que, se no dia seguinte pela manhã as condições do mar fosse as mesmas, como o navio não pode demorar-se por ter passageiros a bordo, os 2 navios seguirão para Fernando de  Noronha onde se efetuará o desembarque do hidro e onde se  decidirá sobre a continuação da viagem.



      Sacadura Cabral no convés do Bagé, nos Penedos









Assim aconteceu e a 7 de Maio pela manhã os 2 barcos largaram para Fernando de Noronha onde chegam a 8.



      O Republica e o Bagé, com o F 16, chegam a Fernando de Noronha no dia 8 de Maio




Ana de Medeiros, que representava a comissão de senhoras brasileiras de Lisboa encabeçada pela embaixatriz do Brasil e sua filha, que a encarregara de oferecer aos aviadores uma bandeira com a Cruz de Cristo da caravela de Pedro Álvares Cabral, para ser hasteada á chegada do hidroavião ao Brasil









      O hidro é lançado à água:












Com o 1º Marinheiro Mecânico Nº4610, David dos Santos, realizo 3 voos de experiência, encontrando que está tudo em bom estado.










      Primeiro voo de experiência do F 16 em Fernando de Noronha



Gago Coutinho á conversa com Álvaro Marta, o chefe da secção marítima do Lloyd brasileiro, armadora do Bagé



O Bagé larga pouco depois e ocupamo-nos da continuação da viagem. O pau de carga do República está muito teoricamente instalado e a experiência que se faz com a chata do navio deixa muito a desejar.


Nestas condições acho muito arriscado içar o hidro ainda mais arriscado arriá-lo nos Penedos quando quase sempre há grande ondulação.


Por estas razões parece-me preferível prepará-lo para fazer o trajeto Noronha-Penedos-Noronha instalando-lhe mais um tanque de gasolina e largar de Fernando de Noronha onde a descolagem é quase sempre possível, ir aos Penedos e voltar.



      Do Bagé observa-se o Republica, nos Penedos, a partir para Fernando de Noronha.



      Fernando de Noronha














ETAPA: Fernando de Noronha > Mar
11 de Maio 1922



“Às 4 h. da madrugada de 11 de Maio [1922] começou-se a esgotar a água dos flutuadores e a seguir meteu-se gasolina, [...] Levamos ao todo 161 galões de gasolina [...] sendo 24 galões em latas que seriam, vazadas durante a viagem para um dos tanques “

“Às 8 h. 37 m. motor em marcha. Tento por duas vezes descolar sem o conseguir: sente-se que o hidro está muito carregado […] faço uma terceira tentativa, indo para o ar às 9 h. locaes.




      Partida do F 16 para os Penedos, á vista do cruzador Republica e do navio de guerra brasileiro Pará



Vento ENE, de umas 10 milhas de força, céu de cúmulos soltos, aspecto geral de bom tempo.

Contorno o aguaceiro e meto a caminho".



Iniciaram assim aquela que viria a ser

etapa mais dramática de toda a viagem!



O hidro apresenta grande tendência a «cabrar», o que certamente é devido à muita carga. Vamos com cerca de 1650 rotações no motor e devemos voar a umas 70 milhas reais. “


Sacadura Cabral, após a perda do "Lusitania", tripulava agora o 2º Fairey III D, este com o Nº do fabricante F-401, Nº 16 dado pela Aviação Naval (e designado F-16 por Gago Coutinho).

Era uma versão um pouco diferente, feita por encomenda, com asas um pouco mais compridas.

“As 10 h 30 m o vento faz-se leste e enfraquece. O tempo continua o mesmo, pintando alguns aguaceiros ao longe. Ao meio dia observa-se Latitude 0º 50' S. A nossa velocidade até agora foi de 71 milhas por hora mas deve aumentar porque o vento está mais fraco. O hidro, como já está bastante aliviado, voa agora sem causar fadiga e às 13 h já se aguenta bem em linha de voo a menos de 1550 rotações no motor.  Continuamos a vista de vários aguaceiros e vou-lhes fugindo, sempre que é necessário.”


“Às 13 h. 30 m. avisto os Penedos, quási pela proa e a estibordo, a menos de 15 milhas de distância, mas pouco depois um aguaceiro encobre-os. Ando para eles ainda durante algum tempo mas como o aguaceiro continua, resolvo, às 13 h. 35 m. voltar e faço rumo a Fernando de Noronha.






O tempo continua o mesmo mas agora ajuda-nos um pouco. O hidro vai bem equilibrado, voando por si mesmo.”


“Ás 15 h. 25 m., esgotados os tanques de ré, meto em serviço o tanque principal onde, pelo nível, vejo que tenho uns 50 galões de gasolina.


As 15 h. 30 m. o motor começa com ratés.


“O aparelho começou a descer como um pássaro ferido pelo chumbo do caçador”, contará Gago Coutinho.


Preparo para poisar e, como o motor fraqueja por completo, desço com rara felicidade às 15 h. e 35 m.  O hidro tocou na crista de uma vaga e foi poisar sem avarias na crista seguinte.



 O motor pára.”






Examinamos o hidro.


Não há avarias e o mar está balseiro. Estendemo-nos sobre os flutuadores trocando impressões. Sentimo-nos á vontade apesar da vizinhança de dois tubarões que vêm passar entre os flutuadores. Procuramos pôr o motor em marcha mas não o conseguimos.

Julgo que a pane  vem da canalização da gasolina e que algum pedaço de durit ou sujidade está impedindo a passagem do líquido. [...]”

"Para descansar voltamos a tomar lugar nos flutuadores, o que tem a vantagem de aliviar a cauda, e notamos que estão mais mergulhados o que não é de estranhar porque o contínuo balanço deve ter favorecido a entrada da água"

"Examinamos a nossa situação. Calculo que estaremos um pouco a barlavento da linha Penedos - Noronha e a umas 170 milhas de Noronha e que, devido ao vento, estejamos abatendo para Oeste entre meia e 1 milha por hora". 

"Os navios que fazem a carreira do Brasil para a Europa encostam geralmente à ilha de Fernando de Noronha, mas vão passar a umas 30 mi a Oeste dos Penedos."

"Na latitude em que estamos devem, pois, passar umas 30 mi a Oeste da nossa da nossa posição". 

"É muito longe e por isso poucas probabilidades há de sermos avistados hoje por alguns deles". 

"Amanhã ou depois será possível se abatermos com o vento e o hidro resistir".

"O República, segundo as instruções que lhe deixei, foi esperar-nos a 70 mi de Fernando de Noronha, em azimute 25º NE. Deve, pois, estar a umas 100 mi de distância de nós mas é natural que só das 18 para as 19 horas, depois de perdidas todas as esperanças nos ver regressar a Fernando de Noronha, se ponha em marcha para nos procurar e por isso não poderá passar pela nossa latitude antes da 1:00 da madrugada.



Foi o 3º naufrágio daquele livro de 1572.

Os Lusíadas.

Tentam também preservá-lo agora das águas.

 Exactamente como 400 anos antes

Luis Vaz de Camões conseguira...

E que talvez... talvez... ainda consiga

chegar ao seu destino, o

Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro.



"Tentamos novamente pôr o motor em marcha sem o conseguirmos. 

Ao pôr do sol observamos (com o sextante). A iluminação falha e o calculo é demorado. Vê se depois que estamos em Latitude 1º 27' S e Longitude 30º 54' W, isto é, umas 4 milhas a oeste da linha Penedos-Noronha e a umas 170 milhas de Fernando Noronha.

Os flutuadores estão agora muito mais mergulhados, o hidro fatiga-se bastante com as pancadas que dá a cauda e manifesta tendência a inclinar-se sobre a asa direita, parecendo que o flutuador direito mete mais água que o esquerdo.”

Entretanto, o navio cargueiro inglês Paris City, vindo de Barry, na Inglaterra em rota para o Rio de Janeiro em viagem directa, completamente carregado com carvão, navegava calmamente ali por perto.





O Paris City, um cargueiro da Companhia Reardon Smith Line, construído em 1920, navio que sobreviveu á 2ª Grande Guerra, vindo a acabar os seus dias em 1953, com o nome Greenville.














Era seu capitão John Albert Edward Tamlyn nascido em 12 de Dezembro de 1889, natural de Appledore, na Inglaterra. Tamlyn era filho de John Tamlyn, um comerciante de carvão e de sua mulher Mary, que também dirigia uma mercearia geral.

A travessia que Sacadura Cabral e Gago Coutinho estavam a fazer era seguida em todo o mundo com emoção. O próprio comandante do Paris City estava a par da história, tendo até afirmado que "cada homem do navio, incluindo ele, desejavam que os aviadores fossem bem-sucedidos no seu salto de uma nação para a outra".

A bordo todos estavam atentos ás comunicações TSF (Telegrafia Sem Fios, uma tecnologia incipiente) no caso de haver alguma informação quanto ao voo.




As notícias surgiram, mas com um pedido de socorro, ás 20h45m desse dia 11 de Maio. A origem da mensagem era do cruzador "República", com um pedido do comandante Muzanty.

A mensagem, rotulada de prioritária e importante, fora interceptada pelo rádio-telegrafista do Paris City, a quem chamavam pela alcunha de "Sparks". 


A mensagem captada por Sparks dizia que:

"se supunha que o hidroavião pilotado pelo aviador Capitão Sacadura se tinha perdido no mar perto da linha Fernando Noronha/Penedos de S. Pedro”.


O pedido era feito pelo "Captain Portuguese Cruiser Republica, a todos os navios que navegassem por perto para lhes prestar toda a ajuda”.


O comandante Tamlyn depois de "alguns minutos de reflexão", decidiu alterar a rota do navio, colocando algum pessoal na busca dos náufragos. Tão pequeno alvo naquele imenso mar, em plena noite escura...

Segundo o capitão Tamlyn afirmou mais tarde,  "todo o navio se encheu de vontade de descobrir os náufragos e toda a tripulação se pôs de vigia":


-  "we all felt it was going to be a lucky night"

 

Entretanto, no Hidroavião...


“Fazendo novas tentativas para pôr o motor em marcha, conseguindo-o ás 21 h. 30 m. Metemos ao ralenti fazendo rumo ao sul […]”

“… mas às 22 h. 25 m. o motor, sem razão aparente, volta a parar e não mais conseguimos pô-lo em marcha apesar de haver muita gasolina no tanque. Os flutuadores continuam mergulhando e o hidro está com cara de não resistir muito tempo. “

Entretanto no cargueiro Paris City a ansiedade era muita e todos tinham os olhos postos a bombordo do navio.


Sacadura Cabral continua o seu relato:


"Os flutuadores continuam mergulhando e o hidro está com cara de não resistir muito tempo. Para o equilibrar melhor e evitar as pancadas da cauda, instalo-me sobre o motor enquanto o meu companheiro toma o meu lugar de piloto".


"Com a monotonia do balanço, o sono invade-nos e por vezes tenho de me agarrar com força aos tubos do motor para não cair".


“As 23 h. 45 m. avista-se uma luz pela amura de estibordo.


É um navio, não pode haver dúvidas!


Faço dois tiros com a pistola de sinaes, tiros que são imediatamente correspondidos.


No cargueiro foi uma explosão de alegria!


Avistadas as luzes a bombordo, o rumo do Paris City foi novamente alterado em direcção aos very lights lançados pelos náufragos.


Sacadura Cabral prossegue:

“Às 0 h. 35 m. isto é, uns 50 minutos depois de avistado, o navio vem parar a uns 500 metros de nós. Vê-se que é um grande «cargo». 

Entretanto no Paris City baixam um escaler, o de estibordo, com 8 homens comandados pelo oficial do navio F. O. Taylor.

O mar não estava para muitas graças e a operação de resgate dos aviadores e o reboque do avião tornou-se uma manobra muito arriscada.

Mas pela muita experiência dos marinheiros do Paris City, “clever work from the Paris City sailors”, tudo se resolveu sem nenhum acidente.


Diz Sacadura Cabral:

O cargueiro "arria um escaler. Desembarcamos, toma-se o hidro a reboque e vae-se-lhe amarrar á pôpa. Saltamos para bordo e agradecemos ao comandante a sua intervenção".


Passavam 15 minutos da 1 da manhã do dia 12 de Maio.






A recepção foi efusiva com toda a tripulação orgulhosa pelo milagroso salvamento que todo o Mundo estaria em breve a testemunhar.

O comandante Tamlyn sentiu imediatamente forte empatia por aqueles homens, a quem chamou "dois homens valentes", como afirmou ao jornal Brazilian American:


“Everyone in my crew was happy to be a member of the rescuing party and especially of two brave chaps as Cabral and Coutinho”.


O capitão comentou também que os dois náufragos  se "encontravam exaustos" e que lhe parecia que “não seriam capazes de sobreviver mais duas horas” àquela situação.

Além do mais foi bem visível pelos socorristas do escaler a presença de tubarões que aguardavam a sua hora... o que levou o capitão Tamlyn a comentar ainda que os tubarões "esperavam pacientemente que as suas presas caíssem na água

Afirmaram, no entanto, confessaram os náufragos, que “tinham acreditado a partir do momento em que tinham ficado no mar, que seriam salvos”.

Depois dos cumprimentos iniciais rapidamente se voltou à acção, tentando salvar o Fairey, meio submerso.

Sendo impossível içá-lo para bordo, fez-se de tudo para o amarrar ao navio de modo a esperar pelo cruzador "República".

Para este encontro entre os dois navios começaram a trocar-se mensagens via rádio.

Ao todo 3, entre a 1h15m e as 5h30m, hora aproximada em que o cruzador se aproximou do cargueiro.

“As 4 h. 30 m. o Republica telegrafa dizendo estar na posição que o Paris City lhe indicára mas que não avista o navio e pede que rectifiquemos essa posição.

Felizmente da ponte avista-se de vez em quando o clarão dos projectores e assim pode responder-se-lhe que estamos a 38º SE".

Entretanto amanhece e á luz do dia vê-se que o hidro já tinha a asa direita metida na água e os flutuadores quasi submersos. A nossa situação, se ainda estivéssemos a bordo, já não seria muito cómoda !! Na realidade o encontro do Paris City tinha sido providencial !!! “


“As 6 h. 30 m. chegou o Republica.




Estava na hora de abandonar o cargueiro e aquela generosa gente que os salvara não deixando de passar alguns perigos, também.

Todo o pessoal do navio tinha passado uma noite de inquietação até chegar o aviso de que tínhamos sido encontrados ! Ninguém dormira a bordo !!

Despedimo-nos do capitão Tamlyn e vamos para bordo do cruzador levando o hidro a reboque.



      O Paris City pouco antes de retomar a sua viagem para o Rio de Janeiro


Fico impressionado com a comoção do comandante Muzantydo República, ao abraçar-nos !!

Tendo assistido ao poisar do Lusitânia nos Penedos e lembrando-se da facilidade rapidez com que ele se submergiu, poucas ou nenhumas esperanças tinham de nos encontrar ainda com vida.“

Pouco depois o cargueiro retomou a sua viagem para o Rio de Janeiro onde todos se voltariam a encontrar nas várias homenagens que a todos eles o Brasil e Portugal, prestaram e de que mais adiante se tomará nota.

No Republica, as tentativas de salvar o hidro aparentavam ser infrutíferas já que o F-16 Pátria mostrava sinais de querer afundar-se de vez, além de estar constantemente a bater, com muita força, no casco do cruzador. Não se conseguiu içar o Fairey para bordo, acabando o pau de carga, que tinham instalado em Pernambuco, ceder. Vergou pela extremidade.

Levaram o avião, a muito custo, puxando-o á tona de água,  até á proa e ali acabaram por enlaçar o motor com uma espia de aço e conseguiram recuperá-lo, deixando a fuselagem, exausta, ficar por ali, no fundo do mar.

Para sempre.


      No Paris City vê-se o mergulho final do Pátria. Ao fundo o Cruzador República.


 

“Telegrafa-se para Lisboa narrando o acontecido e à tarde (do dia 12 de Maio) o República volta para Fernando Noronha onde vamos encontrar o destróyer brasileiro Pará cujo comandante, Henrique Aristides Guilhem veio a bordo narrar a forma como executára as pesquisas que, antes da nossa partida lhe tinha pedido para fazer no caso de não nos ver regressar a Fernando Noronha no tempo normal. Estas pesquisas deviam efectuar-se entre Fernando Noronha e a posição de espera do República.

O "Pará" assim fizera percorrendo toda a noite esta zona em zig-zag, o que muito agradecemos”.







"Nos dias seguintes a situação definia-se. No Brasil e em Portugal iniciavam-se subscrições para compra de hidroaviões e de toda a parte chegavam telegramas pelos quais se viu desejo unânime de que continuássemos a viagem.

O Governo, interpretando o sentido geral, punha à nossa disposição os recursos de que dispunha e ia enviar-nos o último dos Fairey que a Aviação Marítima possuía, a bordo do cruzador Carvalho Araújo. Estava bem entregue.













O Comandante, capitão-tenente Cisneiros de Faria, velho amigo e camarada do curso, certamente faria o impossível para bem desempenhar a sua missão.

No dia 24 de Maio sai de Lisboa o Carvalho Araújo com o 3º Fairey IIID, o Nº 17.

Portugal, emocionado com a Travessia, enviou um novo avião!



      Embarque em Lis do F 17 "Santa Cruz", no NRP Carvalho Araujo




Pelas notícias recebidas calculava se que o hidro não poderia chegar antes de 4 de junho e como a estadia do República em Fernando de Noronha para nada serviria propus ao comandante Muzanty obter autorização para voltar a Pernambuco onde teria a vantagem de poder beneficiar a máquina e caldeiras e assim ficar novamente pronto para a comissão demorada.

Apesar da sua relutância em nos deixar outra vez em Fernando de Noronha, assim se fez e assim foi decidido pelo Ministério e nós aceitámos novamente a hospitalidade acolhedora do coronel Manuel Breyner."

Ficam instalados em Fernando de Noronha a aguardar instruções.

Entretanto o cargueiro Paris City tinha chegado ao Rio de Janeiro no dia 18 de Maio, sendo o Comandante Tamlyn e a sua tripulação sido alvo de grandes manifestações de apreço, como mais tarde vos contarei.

“A 2 de Junho regressou a Fernando de Noronha o cruzador “República” para bordo do qual passamos, e nessa noite  chegou também o cruzador “Carvalho Araújo” que nos traz o 3º Fairey IIID, centenas de cartas e milhares de abraços de milhares de portugueses. [...]




      Cruzador Carvalho Araújo

















A esse 3º Fairey a mulher do Presidente da República do Brasil, Epitácio Pessoa, Mary Sayão Pessoa, resolver dar o nome de Santa Cruz, em memória do descobridor do Brasil, Alvares Cabral, que ali desembarcou num local a que chamou Santa Cruz.



Nestas duas imagens abaixo, os mecânicos (vindos de Lisboa) montam o F 17 no Carvalho Araújo, na véspera da chegada a Fernando de Noronha.



















Combino com os comandantes, Muzanty, do República e Cisneiros, do Carvalho Araújo, a continuação da viagem estabelecendo um programa que conduzia a ter sempre um navio no porto de partida e outro no porto de chegada.










Em conformidade com este programa, o “República" sai a 4 de Junho de manhã com destino ao Recife, onde deve esperar-nos.


Nesta imagem, Sacadura Cabral deixa o Carvalho Araújo em Fernando de Noronha















O hidro é lançado á agua n'esse mesmo dia e experimentado, apesar do mau tempo que faz. A manobra de o pôr na agua correu muito bem [...]”










ETAPA: Fernando de Noronha - Recife
 5 de Junho 1922


No dia seguinte descolaram rumo ao Recife.


“Em 5 de Junho pela manhã, com 6 horas de gasolina nos tanques o hidro é posto na agua e embarcamos ao som de três entusiásticos “Boa viagem” soltados por toda a guarnição do “Carvalho Araújo". Momento solene e comovedor esse!!

Sentia-se bem que a marujada nos acompanhava de alma e coração, que em nós depositava a esperança de que déssemos maior brilho a essa Marinha a que todos nós pertencíamos !!! […]”


“Às 8 h. 48 m. estamos no ar. Céu de nuvens soltas, horizonte encinseirado e algum balanço, o que não é para admirar porque voamos por sotavento da ilha.

As 8h. 55 m. alcançamos a ponta sul de Fernando Noronha e metemos rumo ao Recife.




Vento SE de 12 milhas de força e que nos faz abater uns 10 graus. […]”


“Às 9 h. 15 m. a terra perde-se de vista. O vento refresca um pouco, vê-se alguma carneirada no mar. Voamos a 90 pés de altura e o nosso andamento real dever ser de umas 65 milhas.  […]”


“Ás 9 h. 27 m. passamos sobre um “cargo” que navega para o sul e ás 9 h. 51 m. sobre um vapor de passageiros que segue para o norte e transmite ao “República" a nossa posição.

Como há algum balanço, subo para 1800 pés e encontro ar mais sossegado. Aparecem alguns aguaceiros, e para lhes fugir, continuo subindo. Chegamos a 5000 pés tendo atravessado uma camada de cúmulos soltos.

Navegamos agora sobre um mar de nuvens semelhando flocos de algodão, espectáculo sempre interessante. Pelas clareiras das nuvens vê-se o mar que, d'esta altura, parece espelhado. […]”


“Ás 11 h. 40 m., olhando para oeste, reparo n'uma linha branca definida que, de começo, julgo ser a parte inferior de um grande aguaceiro, mas em breve reconheço ser a areia da praia iluminada pelo sol.

Era a terra do Brasil, essa terra que há tanto tempo constituía o nosso objectivo !!


“Altero um pouco o rumo para mais rapidamente nos aproximarmos da costa e ás 11 h. 58 m. estamos no través do Rio Mamanguape, ás 12 h. 12 m. passamos em frente de Parahiba e no Cabo Branco ás 12 h. 20 m.

Vamos navegando ao longo da costa, mas como aparecem alguns aguaceiros, desço para a hão perder de vista e seguimos em zig-zags para não sermos apanhados pela chuva.

Avistam-se vários barcos de vela, muitas jangadas pernambucanas e numerosas armações de pesca.  […]”

“Ás 13 h. 2 m. dá-se vista da Olinda sobre a qual vamos passar ás 13 h. 11 m. vendo o estralejar de numerosos foguetes.  […]”

"Damos uma volta sobre a cidade do Recife e ás 13 h. 20 m. poisamos sem novidade no porto artificial do Recife.



      Aproximação ao Recife


Tinham voado 4,5 horas e percorrido 300 milhas à velocidade média de 67 milhas por hora.



Estava completada a travessia aérea do Atlântico Sul!!!



Pode calcular-se a alegria que sentíamos por termos conquistado para o nosso País a glória de ser o primeiro a realizar essa travessia!!

Não vou descrever a forma como fomos recebidos porque os jornais se encarregaram de o fazer em detalhe.



      Chegada ao Recife


Sentíamo-nos estonteados!!

O hidroavião foi colocado em terra com o auxilio de um dos guindastes do porto e durante todo o tempo que ali permaneceu houve uma verdadeira romaria de gente para o visitar. Todos queriam ver, todos queriam tocar!! .  […]”






“Os dias 6 e 7 de Junho desse ano de 1922, passámo-los no Recife aguardando que o “Carvalho Araújo" chegasse à Bahia, o que aconteceu na tarde de 7, e durante esse tempo posso dizer que não tivemos um momento de descanso para a todos atendermos e abraçarmos, para a todos agradecermos a gentileza e carinho com que nos recebiam.” 


No Recife tiveram um encontro com Santos=Dumont.

Era assim, com o sinal = entre os dois nomes, que ele assinava.


Para significar o amor igual que tinha ao Brasil e á França.



      Fotografia tirada em Lisboa um ano mais tarde
     Gago Coutinho, Santos=Dumont e Sacadura Cabral


Sacadura Cabral e Gago Coutinho tiveram, ainda, um encontro histórico ao desembarcar na capital pernambucana. Eles eram esperados pelo pai da aviação, o brasileiro Santos Dumont.... - Veja mais em https://todosabordo.blogosfera.uol.com.br/2017/06/15/feita-ha-95-anos-primeira-viagem-de-aviao-de-lisboa-ao-rio-durou-79-dias/?cmpid=copiaecola... - Veja mais em https://todosabordo.blogosfera.uol.com.br/2017/06/15/feita-ha-95-anos-primeira-viagem-de-aviao-de-lisboa-ao-rio-durou-79-dias/?cmpid=copiaecola


ETAPA: Recife - Baía
8 de Junho

Rumo à Baía, numa distância de 380 milhas em 5h e 30m de voo.

“Em 8 de Junho, pelas 8 h. 30 m. da manhã, pôs-se o hidroavião na agua com a assistência de uma compacta multidão que, apesar da hora matutina, se tinha juntado para presenciar a largada.







Ás 8 h. 53 m. o motor estava em marcha e seguimos até à extremidade norte do porto artificial para tomar posição para descolar.


      A descolagem do Recife para a Baia


O hidro sae da agua muito rapidamente e vamos passar, a pequena altura, entre o molhe e o “Urânia” que estava fundeado no canal, saída sensacional que provoca entusiasmo.

Passamos sobre a cidade e seguimos ao longo da costa com um tempo esplêndido, o melhor que temos tido para voar desde que partimos de Lisboa. Céu de cúmulos soltos, por vezes completamente limpo, e vento muito brando de SE para E durante toda a viagem.

Se não fosse o ruído do motor poderia dizer-se que estávamos parados, tão sereno estava o tempo e tão bem regulado estava o hidro!!”

“Passamos ás 9 h. 23 m. no farol do Cabo Santo Agostinho, ás 9 h. 47 m. no farol de Tamandaré, ás 10 h. 10 m. na Barra Grande ...”


“… e ás 10 h. 43 m. na Ponta de Maceió. Corto para cima da cidade e demoro-me uns 10 minutos fazendo evoluções para assim satisfazer ao pedido que tinha recebido e compensar a população do desgosto que lhe dera resolvendo desistir de ali fazer escala para apressar a chegada ao Rio.”


As 11 h. 44 m. estamos na Barra do Rio de S. Francisco e ás 12 h. 20 m. voamos sobre Aracajú, fazendo evoluções.  As 12 h. 36 m, passamos no rio Vasa Barris e ás 13 h. 55 m. no farol da Ponta Aguda.”


“Ás 14 h. 28 m. chegamos ao Rio Vermelho, atravessamos a cidade da Bahia por entre o estralejar de centenas de foguetes e vamos ao norte do molhe, junto das embarcações do “Carvalho Araújo", com a assistência de uma enorme multidão que enchia por completo os cais e navios fundeados no porto. Andáramos no ar 5,5 h. fazendo a viagem à velocidade media de 69 milhas.



      Chegada á Baia


A nossa recepção na Bahia foi delirante e deu-nos bem a sensação de que estávamos sendo recebidos não só pela colónia portuguesa, que ali é diminuta (uns 2000 portugueses n'uma população de 300.000) como pelos brasileiros que se mostravam tanto ou mais entusiasmados que os nossos compatriotas pelo resultado da viagem.”




     O delírio na Baia, na recepção aos heróis


“Na Bahia demorámo-nos até 13 de Junho, aguardando que passasse uma corda de mau tempo que tinha começado em 9 e dera vento muito forte de S e SE acompanhado de chuvas grossas. O aspecto do dia 13 parece bom; céu quasi limpo, SE moderado.



ETAPA: Baía - Porto Seguro
 13 de Junho

Rumo a Porto Seguro num total de 212 milhas em 4h e 03m de voo.

Motor em marcha ás 7 h. 16 m, Levamos 8,5 horas de gasolina, das quaes uma hora em latas que teremos de despejar para os tanques durante a viagem.

O meu desejo era, se o tempo ajudasse, ir directamente a Victoria. Caso contrario ficaria em Porto Seguro onde o “República" já estava escalonado.

A primeira tentativa para descolar não deu resultado; o hidro estava bastante carregado. Tento novamente mas agora por fora do molhe porque no porto interior se tinham juntado numerosas embarcações com gente que quer ver a largada mas não se lembra de que preciso correr 90 quilómetros à hora antes de ir para o ar e que não vejo quasi nada do que se passa na minha frente por ter o motor avante. [...]"


“Ás 8 h. 5 m. passamos no morro de S. Paulo lutando com vento fresco de SSE que nos reduz o andamento a menos de 50 milhas. Vários aguaceiros mas o aspecto do tempo para o sul parece melhor.[...]"


“As 9 h. 43 m. passamos em S. Jorge dos Ilhéus, sobre o qual damos uma volta para dar razão aos numerosos foguetes com que acolhem a nossa passagem. As 9 h. 53 m. passamos em Olivença e ás 10 h. 50 m. em Belmonte, avistando ás 10 h. 56 m. o celebre Monte Pascoal, primeira terra do Brasil avistada por Pedro Alvares Cabral.

O tempo tem melhorado muito ; temos agora céu limpo com vento fraco e mar tranquilo. [...]"


“Ás 11 h. 11 m. passamos em Santo António e ás 11 h. 17 m. em Santa Cruz. As 11 h. 30 m, estávamos em Porto Seguro, tendo voado sobre os lugares históricos do tempo da descoberta do Brasil.

Como o nosso andamento foi muito contrariado pelo vento, só temos mais 4 horas de gasolina, o que torna problemático chegar a Victoria se aparecer vento contrario.

Esta razão, o facto de recear sempre qualquer acidente devido aos cabos partidos e o natural desejo de visitar os lugares onde aportaram os descobridores do Brasil, levam-me a poisar em Porto Seguro ás 11 h. 33 m., para o que também muito concorreu o ver que era um local muito abrigado e com uma esplêndida praia onde facilmente se poderia encalhar o hidro.[...]"




“Passámos o dia 14 de Junho em Porto Seguro esperando que se conclua a reparação do hidro

E descansando do tempo agitado que tínhamos passado na Bahia. [...]”

















ETAPA: Porto Seguro - Vitória
15 de Junho

Descolam de Porto Seguro rumo a Vitória, num total de 260 milhas em 3h e 40m de voo.  


“A 15 de Junho o motor está em marcha ás 7 h. 40 m., e vamos para o ar ás 7 h. 55 m. Céu limpo, mar chão, horizontes claros e extensos. 8 h. 15 m. o mudar de tanque provoca alguns ratés e um preparar para poisar, que felizmente não foi preciso porque os ratés acabaram.

Vento NE multo fraco; na praia quasi não há rebentação.[...]”


“ As 8h. 45 m. passamos em Prado, ás 9 h. 07 m. em Caravelas e ás 9 h. 31 m. em Porto Alegre.

O Monte Pascoal deixou de ver-se a 90 milhas de distancia, tão claro estava o tempo. [...]”


“As 10 h. 48 m. passamos na barra do Rio Doce. O vento faz-se norte de umas 12 milhas; algum balanço, principalmente quando entrámos na zona do vento. Continuamos ao longo da costa e ás 11 h. 30 m. voamos sobre Victoria descendo ás 11 h. 35 m. na parte do canal que tem a direcção norte-sul e fica a oeste da cidade. Taxíamos para o “Carvalho Araújo", à pôpa do qual vamos amarrar.





Victoria, apesar da sua diminuta população, não quis ficar atrás das outras cidades na gentileza da recepção e conseguiu-o. [...]”



E... Finalmente! A última etapa:



ETAPA: Vitória-Rio de Janeiro
17 de Junho


Em 17 de Junho, como o telegrama do Observatório Meteorológico do Rio indicasse que o tempo estava melhorando naquela localidade, resolvo largar.

Às 9 h. o hidro é arriado e embarcamos após uma afectuosíssima despedida.

Motor em marcha às 9 h, 20 m. e taxíamos para o local onde tínhamos poisado quando da chegada.

Vento sul moderado, mas céu limpo. Levamos 6 horas de gasolina. [...]

“Ás 9 h. 42 m. o hidro descola rapidamente e rapidamente sobe a 1000 pés de altura. Algum balanço no ar, devido ao acidentado do terreno.

Seguimos em direcção à barra e metemos pela costa. O céu continua limpo, mas para o sul vê-se um acastelado de nuvens de mau aspecto. O vento, que continua sul, tem já 12 milhas de força reduzindo-nos muito o andamento. . […]”

“Ás 10 h. 30 m. estamos no travez de Benavente. As 10 h. 45 m. o céu começa a forrar-se e o vento a refrescar. O nosso andamento regula por 52 milhas por hora. Passamos em Itabapuana ás 11 h. 4 m. e na barra do Parahiba ás 11 h. 24 m.

O aspecto do tempo torna-se cada vez mais carrancudo vendo-se ao longe grandes aguaceiros. . […]”

Passamos em Itabapoana às 11 h. 4 m. e na barra do Paraíba às 11 h. 24 m. O aspecto do tempo torna-se cada vez mais carrancudo vendo-se ao longe grandes aguaceiros. 






À 11 h. 47 m. chegamos ao Cabo S. Tomé.

Grande aguaceiro logo depois de passarmos o cabo.

Tenho ideia de o contornar pelo sul, mas como o aspecto do tempo parece de chuva pesada receio, se assim fizer, perder a terra de vista e não a tornar a ver a tempo de evitar ir esbarrar com qualquer dos muitos montes que por aqui existem.

Decido por isso meter-me ao aguaceiro e conservar-me sempre à vista da praia.

Muito balanço e muita neblina no começo. Algumas vezes sou obrigado a descer a menos de 50 metros de altura para não perder de vista a linha da costa.

Ondulação muito cavada no mar.

As 12 h. 15 m, saímos do aguaceiro mas o aspecto do tempo continua o mesmo. . […]”


“Ás 12 h. 40 m. estamos no travez do ilhéu de Santa Ana avistando ao longe terras do Cabo Frio. No travez do Cabo dos Buzios ás 13 h 4 m. Cortamos por cima da terra para Porto Frio onde passamos ás 13 h. 16 m. e seguimos voando sobre as numerosas lagoas que há no litoral.

O tempo agora aliviou um pouco mas vê-se que a melhoria é momentânea. O vento passou para W com cerca de 15 milhas, ou seka, 28 km/h de força."


"Às 13 h. 46 m. passamos em Nossa Senhora da Nazaré e no Cabo Negro às 13 h. 57 m.

Voltam os aguaceiros e o nevoeiro.

Novamente sou obrigado a descer e a contornar a linha da praia, mas agora com bastante receio porque a costa junto ao mar é alta e nada mais fácil do que, nalguma curva mais pronunciada, ir esbarrar com a terra, pois a neblina é tanta que por vezes deixa de ver-se a areia da praia.[…]


Às 14 h 10 m. avisto um dos ilhéus da entrada da Bahia do Guanabara, mas, segundos depois, perde-se no nevoeiro.

Às 14 h. 17 m. vejo, já muito perto, um destroyer brasileiro.

Sei que estou á entrada da baía, mas nada se vê, tão cerrado está o nevoeiro!!

Tenho um momento de indecisão porque se sabe que a entrada é estreita e ladeada por montes altos!!

A primeira ideia que me acudiu foi a de acompanhar o destroyer que vimos ter metido a toda a força da máquina para a baía, mas, já enervado e com vontade de acabar, resolvo experimentar ir um pouco mais longe para ver se avisto terra.”

“Passado algum tempo, ás 14 h. 24 m., numa clareira de nevoeiro, diviso qualquer coisa que me parece ser uma fortaleza. Meto para lá e tenho o prazer de ver que era o forte de Santa Cruz.


Estávamos dentro da baía do Guanabara !!!








      Baia de Guanabara e ao centro a Ilha das Enxadas


Dou uma volta sobre a cidade do Rio de Janeiro, mas, como já fui avistado e numerosos aviões começam voando, resolvo poisar, o que faço às 14 h. 32 m do dia 17 de Junho de 1922, em frente á Ilha das Enxadas, onde estão os hangares da Aviação Marítima Brasileira.



      Ilha das Enxadas



Estava completada a travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro ! ! !


Última etapa, numa distância de 250 milhas, e 4h e 50m de voo...

A bordo da aeronave, já desamarrados e de pé, os recém promovidos Capitão de Fragata Sacadura Cabral e Contra-Almirante Gago Coutinho, içaram uma bandeira do Brasil e deram uma salva de 21 tiros, com a pistola de sinais luminosos, alternando entre as cores verde e vermelho.





"As manifestações com que a cidade do Rio de Janeiro nos acolheu e depois aquelas de que fomos alvo nas varias cidades que tivemos de visitar, S. Paulo, Santos, Belo Horizonte, Pará, Maranhão, etc. são indescritíveis !!"


Ou talvez não...


      Gago Coutinho, de pé em cima de um dos flutuadores, saboreia a sua extraordinária proeza!






      O Santa Cruz aproxima-se dos hangares na Ilha das Enxadas




A lancha do Cruzador Republica reboca o Santa Cruz para os hangares da Aviação Marítima Brasileira.


      Sacadura Cabral é recebido na Ilha das Enxadas, Escola de Aviação Naval Brasileira


A recepção que estes dois heróis tiveram no Rio de Janeiro foi digna de tamanho feito!






Índice da Travessia

 

          1 - Preâmbulo a toda a história

                       1a - Os Antecedentes, os Homens envolvidos e os Aviões utilizados. 

             1b - O voo do capitão-tenente Read

             1c - A Travessia feita pelo capitão Alcock e pelo tenente Brown

2 - Aviões empregues nestas travessias

              2a - A escolha do avião para a Travessia Lisboa . Rio de Janeiro

3 - Primeiro raid aéreo Lisboa - Funchal

4 - O sextante modificado de Gago Coutinho 

          5 - Breves biografias de Sacadura Cabral e Gago Coutinho 

               5a - Artur de Sacadura Freire Cabral 

               5b - Carlos Viegas Gago Coutinho 

               5c - As Ordens Militares atribuídas

          6 - Preparativos para a viagem 

          

          7 - O voo de Sacadura Cabral e Gago Coutinho entre Lisboa e o Rio de Janeiro (Capítulo actual)

           

          8- As homenagens no Brasil e o regresso a Portugal





(Actualizada em 17 de Abril de 2022)



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