LINHA AÉREA e outros voos - Travessia 4 - O sextante modificado por Gago Coutinho

 


O sextante modificado por Gago Coutinho

e Sacadura Cabral, também





(que mudou para sempre a Navegação Aérea
e fez nascer a Aviação Comercial)













O sextante usado na Marinha, modificado por Gago Coutinho. Para aplicar à navegação aérea os processos usados nos navios, mas de modo a calcular com rapidez e precisão a longitude e a latitude de um avião em voo, pela observação da Altura dos Astros.

Independentemente das condições do voo, como o vento (direcção e intensidade) luminosidade (de dia ou de noite) e com ou sem visibilidade para usar a linha do horizonte (a base do cálculo da Altura dos Astros).




Por ser muitas vezes difícil, em voo, determinar com exactidão essa linha do horizonte, acrescentou ao sextante um nível de bolha de ar, na verdade um horizonte artificial, que permitia os cálculos baseados na vertical exacta do momento dessa medição, sem que esse valor se alterasse com as oscilações do avião.








Gago Coutinho e Sacadura Cabral adaptaram e simplificaram também todo o processo de cálculo das coordenadas normalmente usado na navegação marítima, com a criação de um algoritmo expedito que reduzia o tempo do cálculo e traçado duma Recta de Altura, tornando-o rápido e automático.









Sacadura Cabral também contribui, não só na simplificação dos cálculos como também na introdução de um pequeno dispositivo para calcular a direcção e a força do vento, o 
"corretor de rumos" (o "plaqué de abatimento") para compensar o desvio causado pelo vento. 

O Sextante modificado completa-se ainda com um óculo que permite focar simultaneamente o astro observado e a bolha do nível (que tem iluminação própria, possibilitando fazer observações nocturnas).

Era, pois, um Sextante totalmente modificado e aperfeiçoado entre 1919 e 1938, ao qual Gago Coutinho chamava carinhosamente o seu «Astrolábio de Precisão», 
que incluia iluminação eléctrica e um óculo especial que focava simultaneamente o astro e a bolha de nível.

Podemos ainda acrescentar à sua plêiade de inovações a adopção ao uso da mão esquerda, permitindo que a direita ficasse livre para o registo das horas do cronómetro e das alturas lidas no Astro (bolha). Estes princípios de vanguarda foram depois adoptados a todos os sextantes, tanto para uso aéreo como para uso marítimo (quando é noite ou em neblina), verificando-se a sua expansão internacionalmente.

No entanto, o sextante só se tornou conhecido e triunfou como instrumento preciso e necessário, após o sucesso obtido com a sua utilização na viagem Lisboa – Rio de Janeiro.

Em Novembro de 1921, no Congresso Internacional de Navegação Aérea de Paris, estes inventos e procedimentos foram ali apresentados com grande êxito.

Este instrumento veio depois a ser fabricado e comercializado pelo construtor alemão C. Plath (que adquiriu a patente) com o nome de «System Admiral Gago Coutinho».

A História da Aviação ficou assim definitivamente marcada pelo contributo destes dois Oficiais da Marinha portuguesa que permitiu pela primeira vez uma Navegação Aérea astronómica, científica e de precisão, com todas as implicações na segurança, na economia e na segurança.

Desde aí até ao aparecimento dos sistemas electrónicos de navegação (o primeiro avião da TAP equipado com um moderno sistema destes foi o Boeing B747 introduzido em 1972!) o Sextante e os procedimentos para os cálculos abreviados, de Gago Coutinho foram a ferramenta essencial de navegação de toda a aviação mundial.

Voei muitas horas em Boeing 707, entre 1971 e 1974, com o auxílio de um Navegador que se servia de um instrumento semelhante para a orientação dos voos entre Lisboa e África ou as Américas, do Norte e do Sul.



Boeing B 707     



Destapava um orifício no tecto do cockpit, sem o despressurizar, enfiava ali o aparelho e dava pouco depois as correcções ao rumo a voar, ao Comandante.

O sistema de Navegação que dois anos depois, em 1974, usava no B 747, o 
Inertial, era baseado em acelerómetros e dependia só da introdução,  num pequeno aparelho, no cockpit, na consola entre os dois pilotos, antes da descolagem, das coordenadas do local de partida. Depois bastava introduzir, consecutivamente, os próximos nove pontos seguintes a sobrevoar, para a Navegação se fazer automaticamente. Uma maravilha da ciência de então, sem GPSs nem satélites...



      Boeing B 747



Os Navegadores tinham perdido o emprego na Aviação...

Assim como os Radiotelegrafistas, com quem eu ainda voei nos Boeing 707. Nos inícios de 1971 éramos ainda 5 no cockpit!

Quando passei a comando no Longo Curso, em Airbus A310, no início dos anos 90 do século passado, já só éramos 2 no cockpit e com metade dos motores para fazer o mesmo, com mais passageiros e a maior velocidade...



Airbus A 310-300     



Tinham desaparecido o Radiotelegrafista, o Navegador e o Mecânico, depois chamado Tecnico de Voo.

Não notei grande diferença quanto á aerodinâmica ou á performance dos aviões, mas aqueles homens fizeram-nos muita falta...

No Boeing B 747 não havia observações astronómicas a fazer, mas era preciso ir preenchendo periodicamente os nove pontos seguintes, sucessivamente, até ao fim do voo.

Trabalho de Copiloto...

Fi-lo muitas vezes, durante os 3 anos em que tive o imenso prazer de voar tão fantástico avião!

O Boeing B 747!

O melhor avião que voei!

Para verificar a eficácia do seu sextante modificado, Gago Coutinho e Sacadura Cabral fizeram várias viagens aéreas, uma das quais foi a viagem entre Lisboa e o Funchal em 1921, em aproximadamente sete horas e meia.



Nada melhor que as palavras de Gago Coutinho para nos falar sobre a sua Navegação Aérea:


"A travessia aérea Lisboa-Rio foi caracterizada pela necessidade de viajarmos entre pontos que não se avistavam uns dos outros, pontos separados por largos troços de mar, entre os quais não havia referências para nos dirigirmos, como seriam ilhas ou navios de apoio.

Para satisfazermos essa necessidade servimo-nos de recursos simples que não inventámos mas apenas a adaptámos da navegação marítima e tivemos confiança em que levávamos na mão os meios de irmos aos pontos, que eram etapas obrigatórias, sem hesitações, que a escassez de combustível não me permitia.

Depois da viagem aérea Lisboa Funchal ficou demonstrado que os nossos processos, adaptados da nossa navegação marítima, como disse, eram os suficientes para demandar com exatidão qualquer ponto afastado de Terra, por pequeno que fosse, recurso este que se tornava muito essencial em uma projectada viagem aérea de Lisboa ao Brasil.


Como princípios fundamentais era preciso:

1º -  As operações da navegação aérea deviam ser fáceis e materiais, porque os navegadores aéreos não têm a experiência de frequentes e largas viagens o que por enquanto se não tem realizado.

2º - Como o avião marcha a grande velocidade, geralmente mais de 1 milha por minuto, essas operações têm que ser também rápidas.

3º - Visto o avião, do alto, ter facilidade em reconhecer a terra, não é necessária grande precisão de navegação.


Da experiência das nossas viagens concluímos:

A - A primeira condição para se fazer uma boa navegação é haver boa disposição de espírito, e por isso o espaço reservado ao navegador deve ser cuidadosamente preparado. Tudo deve estar à mão, ocupando lugares apropriados, de modo a não cair nem se perder, e ser cómodo e facilmente empregado.

B - Os métodos de navegação devem ser simples e ter-se prática suficiente para os executar quase que mecanicamente; um bom navegador aéreo só se consegue com muita prática. Não basta saber como observar e fazer os cálculos; é necessário ir preparado para rapidamente resolver com segurança quaisquer dificuldades, porque as velocidades das aeronaves são enormes e o combustível é limitado. 

Em terra, o voar alto é uma necessidade para termos tempo de procurar um campo onde poisar em caso de pane. No mar, para pousar tanto faz que se vá alto como baixo, e por isso bastará voar à altura suficiente para, em caso de pane, haver tempo para fazer face ao vento e preparar para poisar."




O Corrector de rumos:


O corretor de rumos (inventado por Sacadura Cabral) serve também para o estudo prévio de uma viagem pois que permite por simples inspeção, fazer ideia da influência de um vento previsto.

Efetivamente, é fácil, admitindo uma direção e velocidade do vento, avaliar imediatamente a correção do rumo a fazer, e qual será a velocidade útil do avião.

Para medição do abatimento empregamos sempre em viagem a boia de fumo, que é, como se sabe, um flutuador, contendo fosforeto de cálcio, que ao cair na água se inflama espontaneamente, produzindo um fumo branco, que se vê alguma distância, e que fica marcando no mar um lugar por cima do qual se passou


O Corrector de Rumos     


















O Comandante Silva Soares, da TAP explica o funcionamento do Corrector.
Este Comandante é uma das figuras emblemáticas da fundação da TAP.
Com ele aprendi muito num voo em que me assistiu na minha formação de Comandante de Boeing B 727



A medição do ângulo do abatimento pode fazer-se de bordo do avião, empregando o taquímetro vulgar. Mas preferimos empregar uma graduação especial da cauda do avião, com riscos bem visíveis de 5 em 5°, referidos a pontos de mira de um e outro lado do observador. O processo é prático e preciso, sendo, como é natural, necessário que o piloto previna o observador sempre que o avião vai exatamente ao rumo, para ele então observar a marcação das boias.

Na navegação astronómica empregou se, como a bordo dos navios, um cronómetro médio, que dá a hora de Greenwich; e levávamos também um bom contador médio. Na previsão de observações astronómicas de noite, tínhamos mais um cronómetro regulado para o tempo sideral de Greenwich.

Para as observações astronómicas íamos prevenidos com o mesmo sextante de alumínio, que já serviu na viagem à Madeira, o qual permitia observar alturas, tanto em horizonte de mar, como os sextantes vulgares, como em horizonte artificial de nível de bolha de ar, recurso este que está sendo adotado nas aviações estrangeiras. 

O sistema de horizonte artificial, que levamos, já foi pormenorizadamente descrito nos anais do Clube Militar Naval de 1919. Em princípio, adaptado ao sextante um pequeno nível de bolha de ar, cuja imagem se traz, por meio de um espelho, a mesma direção em que se fazem as observações no horizonte de mar: sobre essa imagem do nível, vista por trás do espelho horizontal, que é furado, se aplica a imagem do astro. E como a distância do olho do observador à imagem virtual da bolha do nível é igual o raio do mesmo nível, basta fazer a coincidência de imagens em qualquer ponto do campo, respeitando-se assim o antigo princípio fundamental do emprego do sextante."

Apesar de tanta ciência e de tanto trabalho e empenho, o carácter irreverente de Sacadura Cabral comparava ironicamente o corrector de rumos desenvolvido por si e pelo seu camarada aos “elixires que os charlatães costumavam oferecer no Terreiro do Paço, de tal modo as suas aplicações eram numerosas”...



Vejam aqui este filme da 

"Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul" (Duração: 08:20)







Índice da Travessia

 

          1 - Preâmbulo a toda a história

                       1a - Os Antecedentes, os Homens envolvidos e os Aviões utilizados. 

             1b - O voo do capitão-tenente Read

             1c - A Travessia feita pelo capitão Alcock e pelo tenente Brown

2 - Aviões empregues nestas travessias

              2a - A escolha do avião para a Travessia Lisboa . Rio de Janeiro

3 - Primeiro raid aéreo Lisboa - Funchal 


4 - O sextante modificado de Gago Coutinho (Capítulo actual)


          5 - Breves biografias de Sacadura Cabral e Gago Coutinho 

               5a - Artur de Sacadura Freire Cabral 

               5b - Carlos Viegas Gago Coutinho 

               5c - As Ordens Militares atribuídas

          6 - Preparativos para a viagem 

          7 - O voo de Sacadura Cabral e Gago Coutinho entre Lisboa e o Rio de Janeiro

          8 - As homenagens no Brasil e o regresso a Portg al






(Actualizada em 8 de Abril de 2022)












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