LINHA AÉREA e outros voos - Travessia 3 - Primeiro raid aéreo Lisboa-Funchal

 


O 1º raid Aéreo entre Lisboa e a Madeira,

ou a tentativa de o realizar, foi no dia 21 de Outubro de 1920.

Essa tentativa, num avião com trem de aterragem, partiu da Amadora, Vila Nova da Rainha, o berço da nossa Aviação Militar.



     As instalações em Vila Nova da Rainha, na Amadora



O voo foi preparado em segredo pois não havia, até então, autorização para o fazer.

Afinal, tratava-se de descolar da Amadora, voar 970km sobre o mar, sem orientação alguma, seguindo uma direcção, apoiados numa bússola, num voo sujeito a ventos de força e direcção desconhecidos e tentar encontrar aquele pequena ilha para aterrar lá em cima, no topo, no Paul da Serra.

O tempo de voo "cego", estimado, era de 7h40 minutos...

E para um sítio onde nem pista havia...

Hoje, o local é um parque eólico.



                                      Era preciso mesmo muita vontade...



A tentativa foi realizada por Brito Pais e Sarmento de Beires




Num avião Bréguet 14 2/A



"O Mar tinha de ser vencido. Naquele tempo, todos éramos assim", escreverá mais tarde Sarmento de Beires

Voando sem apoio meteorológico, que não existia ainda, meteram-se em nevoeiros, perderam-se e quando a gasolina acabou foram, naturalmente, obrigados a amarar, num avião com rodas e sem flutuadores, pois não era um hidroavião.

Tinham voado ao todo 1500km, usando muita coragem e vontade de o fazer, apoiados somente numa bussola, num velocímetro, um relógio, um conta-rotações, um termómetro de óleo, e um emissor de TSF.


E aquela imensa e tresloucada vontade daqueles tempos heroicos!


Com muita sorte foram salvos por um cargueiro Inglês, tal como dois anos depois o foram também Sacadura Cabral e Gago Coutinho.

O avião, naturalmente, afundou-se ali...


Tinha sido baptisado com o nome de "Cavaleiro Negro".



Á 2ª tentativa...

5 meses depois, tudo mudou.

A mesma vontade, a mesma capacidade, outros saberes...













Sacadura Cabral, Director do Centro Aviação Naval, na doca do Bom Sucesso, junto á Torre de Belém, pensava no mesmo...

E queria fazê-lo de outra maneira. Á sua maneira...

Só que o propósito da ligação Lisboa-Funchal era muitíssimo menor que a distância entre as duas cidades em que pensava.

Sacadura Cabral propunha-se ligar Lisboa ao Rio de Janeiro num voo só possível se houvesse maneira de navegar sobre o Mar, mais de uma dezena de horas, com a precisão com que os navios o faziam.

Tinha que atravessar o Oceana Atlântico de um lado ao outro...







Por essa altura, um outro homem, um homem brilhante, cismava em tornar possível adaptar os instrumentos usados para navegar em cima das ondas a uma outra navegação muito mais rápida, em cima das nuvens...


Como fazer?


A ideia que tinha era poder adaptar-se ao voo a navegação que desde os Descobrimentos se fazia. Pelos astros, com o sextante.

E Sacadura Cabral conhecia bem este homem de quem tinha sido até subalterno, em África

E talvez se pudessem ajudar mutuamente...

Este homem, Gago Coutinho, era um geógrafo de reconhecida competência, autor, entre muitas outras coisas, de marcos geodésicos que implantara com precisão milimétrica, em Moçambique (e que eu tive o prazer de utilizar, como aluno topógrafo que fui, ali, em 1961).








Aqueles marcos ainda hoje ajudam Moçambique a mapear com rigor o seu território. A ele o devem. E sabem disso.







Em conversas, certamente demoradas, o piloto e o geógrafo acharam que seria interessante tentar adaptar o sextante usado por todo o mundo na navegação marítima, com a ajuda de tabelas e cálculos demorados, para uso na navegação em longas distâncias, pelos aviões, agora capazes de voos de longas horas de autonomia.

Podia-se tentar, quem sabe, atravessar o Oceano Atlântico, ainda por cima á beira de se completarem os 100 anos da independência do Brasil!

O desafio foi aceite e Gago Coutinho, o Geógrafo, e Sacadura Cabral o piloto e autor da ideia de tal voo, deitaram mãos á obra. Estavam seguros de que seria possível tal coisa

Seria uma grande Comemoração!. Mas acima de tudo uma grande façanha aeronáutica!

Jamais tentada por ninguém no Mundo. E ninguém tinha, até então, tanta capacidade para o fazer como aqueles dois predestinados Homens!














Gago Coutinho, com a introdução no sextante marítimo de um nível de bolha de ar, que funcionava com um horizonte artificial e algumas outras pequenas alterações, juntamente com alguns cálculos previamente preparados para a viagem a fazer-se, mostrou ter em mãos a ferramenta que poderia tornar o sonho de Sacadura Cabral fazível, com toda a segurança.










Por causa do efeito do vento, tanto em força como em direcção, que influenciava a todo o momento o rumo a voar correctamente entre dois pontos, Sacadura Cabral sugeriu a construção de um outro aparelho a que deu o nome de «Plaqué de abatimento» ou «Corrector de Rumos», que permitia calcular num gráfico qual o número de graus a voar á direita ou á esquerda para seguir a trajectória desejada, qualquer que fosse o vento, intensidade e direcção, no momento.





As características da Ria de Aveiro, com as suas águas calmas por oposição à agitação do rio Tejo, levou Sacadura Cabral e Gago Coutinho a fazerem ali os treinos de descolagem e amaragem para a viagem aérea Lisboa – Funchal.

Faltava só testar, demonstrar, em voo real, que as adaptações feitas ao sextante mais os cálculos previamente preparados para uso num avião em deslocamento a velocidade muito superior á de um navio, funcionavam como o desejado.


A escolha recaiu num voo de teste a tudo isto, ao Funchal.


Afinal não seriam muito mais de 7 horas de voo, num Hidroavião, dada a inexistência de pistas na Madeira.

Planeado com todo o rigor, o voo foi marcado, para ser feito num Hidro, no dia 22 de Março de 1921.

Além de Sacadura Cabral, a bordo seguiriam Gago Coutinho, o navegador, Ortins de Bettencourt como copiloto e o engenheiro mecânico Roger de Soubiran,  também piloto, francês.















Ortins de Bettencourt, era um açoriano da Graciosa, Oficial de Marinha. Frequentou o curso de piloto, nos Estados Unidos, onde tirou o brevet em Junho de 1920.














Quanto a Roger de Soubiran, Sacadura Cabral tinha-o conhecido em França quando ali estivera em 1916 a fazer o seu curso de pilotagem. Soubiran foi convidado a vir para Portugal nesse mesmo ano para formar e dirigir os mecânicos portugueses dos hidroaviões da nossa Aviação Naval.




O avião empregue nesse voo experimental de navegação aérea de precisão, com novos métodos científicos e os devidos instrumentos para o efeito, foi um hidroavião Felixstowe F3.












Para se aferir com toda a precisão da validade do método que naquele voo se experimentava pela primeira vez em todo o Mundo, Sacadura Cabral, pedira ao imediato do paquete "Porto", também de partida para o Funchal naqueles dias, para que, se vissem o avião sobrevoa-los durante o trajecto, o sinalizassem com bandeiras que içassem, para depois, no Funchal, se compararem os cálculos feitos por ambos os navegadores.

Tudo preparado, chegado o dia 22 de Março de 1921, descolaram frente á Torre de Belém, exactamente ás 10h25 e rumaram logo ao Funchal.







Ás 10h35 sobrevoavam o Bugio e por volta das 11h deixaram de ver terra, ficando completamente entregues á ciência de Gago Coutinho e aos seus novos instrumentos de Navegação Aérea.

Era o 1º voo da História a ser conduzido com precisão matemática entre dois pontos, distantes quase 1.000km um do outro, só com mar pelo meio...

Apanharam um vento favorável que os fez voar a uma velocidade média de aproximadamente 70 milhas por hora.
















Ás 12h20 avistaram o navio "Funchal" e pouco depois o paquete "Porto" foi sobrevoado e mostrou-lhes as bandeiras a confirmar o sobrevoo.

     Na imagem o navio "Porto"



Foram avistados também mais quatro outros navios na mesma rota.

Horas depois, muitas horas depois, avistou-se ao longe a Ilha de Porto Santo

E após 7h40m de voo sobre o Mar, amarava Ortins de Bettencourt na baia do Funchal, entre o vapor "São Miguel" e a praia.











No meio de enormes festejos de uma multidão delirante que aclamava os 4 heróis.




Eram 18h04m da tarde do dia 22 de Março de 1921.




Estava terminada com êxito absoluto a primeira travessia aérea de 1000km de Mar
entre dois pontos, com recurso a Navegação Astronómica de precisão, da História.







400 anos depois, os Lusíadas, Nobre Povo, voltavam a conquistar o Mar.


Desta vez a Caravela não tinha velas.

Tinha asas...








Recebidos pelo capitão do Porto do Funchal, a mesma lancha rebocou o Félixtowe F-3 4018 até á pontinha.

Pouco depois foram de carro para o Palácio de São Lourenço, onde foram recebidos pelo governador civil António da Cruz Rodrigues dos Santos.






Depois das homenagens, seguiram-se as saudações da multidão que se encontrava na rua e finalmente um brinde, na sala amarela, com champanhe.

Sacadura Cabral, aproveitou a ocasião para homenagear os seus colegas, o capitão Brito Pais e o tenente Sarmento de Beires, os primeiros aviadores, em 1920, a tentarem a travessia.

Quando, já em terra, no Funchal,  se compararam as posições achadas por Gago Coutinho e pelo piloto do paquete "Porto", havia somente uma pequena diferença de 5 milhas. Nada mais!

Coisa que, obviamente, não satisfez Gago Coutinho...

Até descobrir que o paquete tinha tomada Cascais como referência. Era, afinal, "onde o navio tinha largado o piloto e posto o odómetro na água".

"A nossa referência para os cálculos era o farol do Bugio".

De Cascais ao Bugio... são 5 milhas...





      Momento da amaragem do Felixtowe no Funchal. A pilotar vinha Ortins Bettencourt





       Chegada ao Funchal. Da esquerda para a direita: Gago Coutinho, Sacadura Cabral e Ortins Bettencourt


















Foi um voo que serviu para testar o uso do sextante com horizonte artificial e corrector de rumos, invenções de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, como preparativo para a grande travessia do Atlântico Sul no ano seguinte





Da esquerda para a direita, Sacadura Cabral, Roger de Soubiran, Ortins de Bettencourt e Gago Coutinho





Raid Aéreo Lisboa-Funchal
foi protagonizado pelos 
seguintes oficiais da Marinha,
da esquerda para a direita:







Capitão Tenente Aviador
Arthur Sacadura Freire Cabral
Mecanico
Roger Soubiran,
Primero Tenente Aviador
Manoel Ortins Tôrres Bettencourt
Capitão de Mar e Guerra
Carlos Viegas Gago Coutinho

(Da esquerda para a direita)










       Índice da Travessia

 

          1 - Preâmbulo a toda a história

                       1a - Os Antecedentes, os Homens envolvidos e os Aviões utilizados. 

             1b - O voo do capitão-tenente Read

             1c - A Travessia feita pelo capitão Alcock e pelo tenente Brown

2 - Aviões empregues nestas travessias

              2a - A escolha do avião para a Travessia Lisboa . Rio de Janeiro


3 - Primeiro raid aéreo Lisboa - Funchal (Capítulo actual)


4 - O sextante modificado de Gago Coutinho 

          5 - Breves biografias de Sacadura Cabral e Gago Coutinho 

               5a - Artur de Sacadura Freire Cabral 

               5b - Carlos Viegas Gago Coutinho 

               5c - As Ordens Militares atribuídas

          6 - Preparativos para a viagem 

          7 - O voo de Sacadura Cabral e Gago Coutinho entre Lisboa e o Rio de Janeiro

          8 - As homenagens no Brasil e o regresso a Portugal






(Actualizada em 7 de Abril de 2022)












Sem comentários:

Enviar um comentário