Na Guerra do Ultramar - O melhor piloto ao Norte de Moçambique


O melhor piloto ao Norte de Moçambique, em 1968... era eu!


Sem a mínima dúvida!


Eu explico, antes que comecem a pensar coisas menos decentes a meu respeito.

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Era Domingo em Vila Cabral, a cidade do planalto do Niassa que fica a 1.500m de altitude.

Manhã de nuvens muito, muito baixas.

Estava eu de serviço na Base.



A cidade de Vila Cabral (hoje "Lichinga")         




Um Tenente Coronel do exército vem direito a mim e pede-me que o leve, num T-6, a Tenente Valadim.










Tenente Valadim, em 1968, era um aquartelamento a Nordeste de Vila Cabral, a cerca de 45 minutos de voo. Era uma excelente pista em terra batida, larga e comprida, que servia um muito bem arranjado aquartelamento do nosso Exército.




O aquartelamento de Tenente Valadim

Olhei bem para o Tenente Coronel e percebi que não era “uma ordem”. Ordens operacionais só me podiam ser dadas pela cadeia de comando da Força Aérea e não por nenhuma patente do Exército. E como eu era Sargento seria fácil a um distraído Oficial do Exército tentar, tentar, passar por cima desta organização.

Mas não era, de todo, o caso.

O senhor, um Senhor, estava a pedir-me por tudo que o levasse para junto das suas tropas. Sabendo que eu podia, naturalmente, dizer-lhe que não. Porque não tinha ordens para tal mas principalmente porque a situação meteorológica não aconselhava. Disse-lhe que não havia hipóteses por causa das nuvens muito, muito baixas.

Era impossível...

Mas ele achou que para mim "o nevoeiro" não era assim um grande impedimento e insistiu.

Voltei a explicar-lhe que toda a zona do Niassa era povoada de montes e vales e que com aquelas nuvens não era fácil nem ajuizado tentar sequer voar. Mas ele insistiu de novo e só me dizia que eu era capaz e que tinha de ir ter com os seus homens.



Eu era capaz, eu era capaz!


Ao fim de largos minutos de uma muito afável “discussão”, aquele homem deu-me a volta.
Se bem que eu já estivesse, mentalmente, a fazer o voo e a pensar como o fazer, desde o início da conversa…

Eu conhecia muito bem a zona, como todos os meus camaradas conheciam, e se nos levassem de olhos fechados a qualquer sítio dessa área e perguntassem onde é que se estava, já sem a venda, segundos depois sabíamos que estávamos, por exemplo, a Oeste da Serra Jessi, depois de ter olhado a toda a roda.

E foi assim que decidi levar o senhor Tenente Coronel, num T-6 ao seu Quartel, em Tenente Valadim num dia de "nevoeiro", ou melhor, de nuvens muito, muito baixas.







Descolados, lá fomos nós a rapar, montes e vales fora, com a base das nuvens a metros da cabeça e as copas das árvores a metros das asas do avião...



A paisagem a Norte de Vila Cabral. Ligeiramente para a direita vai-se para Tenente Valadim


Metia-me por um vale e sabia que lá à frente, numa zona que ainda não se conseguia ver, havia um acesso a outro vale à direita que depois de uma volta apertada para a esquerda metia por outro corredor com um monte, perto, de cada lado. Mas às vezes as nuvens eram tão baixas que o tal vale lá à frente estava tapado e tinha de voltar para trás e procurar outro caminho.

Na minha vida sempre tive um grande lema (além do “FIEL PERO DESDICHADO” frase que encimava o meu capacete de voo, um lema de Sir Winston Churchill) que reza assim:


 - Nunca te metas por onde depois não possas sair!

Este lema serviu-me para toda e qualquer situação. Profissional ou pessoal. Mais uma vez se provou que estava certo.

Nunca me meti por nenhum vale sem dimensão para uma volta atrás, caso fosse preciso. Mas meti-me por todos os vales estreitos, sem perigo de não ter saída, que me apareceram.

E sempre a saber por onde andava, debaixo de uma grande tensão mas com o meu GPS mental a funcionar a todo o gás!

Eu sabia que conseguisse ou não chegar a Tenente Valadim podia sempre voltar para Vila Cabral. Bastava-me subir para cima das nuvens e fazer uma descida em voo por instrumentos (por ADF…)

No meu currículo aeronáutico eu tinha três excelentes cursos de Voo por Instrumentos. O primeiro em T-6 em Espanha e os outros dois nos jactos, em T-33, na Ota. Estes últimos feitos com instrutores acabados de chegar dos USA. Mas isso é outra história que fica para depois.

Além disso tinha a "Carta Verde" de voo por Instrumentos da Força Aérea que me habilitava a voar em condições meteorológicas marginais em F-86, o avião de elite da Força Aérea, na altura. Da Base Aérea Nº5, em Monte Real, casa dos Falcões, hoje "montados" em aviões  F-16.

Sentia-me, pois perfeitamente à vontade...




T-33








T-33





F-86F





Mas agora continuávamos a brincar ao gato e ao rato entre montes vales e nuvens a caminho de Tenente Valadim...



E quase uma hora depois da descolagem, sempre sob grande tensão, estava finalmente a aterrar, com toda a segurança naquela excelente pista.



Tenente Valadim



Fui recebido como um herói e tratado como um príncipe por toda aquela gente agradecida. Depois de um excelente almoço, o senhor Tenente Coronel mostrou-me todas as instalações da Unidade, inclusive os quadros pintados pela sua mulher que ali residia com ele.

Feitas as despedidas, lá voltei para casa tal como tinha planeado. Por cima das nuvens e com a tal descida em voo por instrumentos em Vila Cabral.

A única preocupação era não bater na antena do ADF que era muito alta e estava mesmo no enfiamento da Pista...




Aeroporto e Base Aérea de Vila Cabral em 1973 foto de um amigo do Facebook "Contos do Ultramar"




 Mas o problema maior não foi este voo.



Passados tempos...



Andava eu de passeio em Nampula em dia de folga, junto à grande esplanada do Hotel Portugal (o Hotel cujo proprietário se dizia que tinha sido deportado da Metrópole por andar a roubar Igrejas).

A grande esplanada estava como sempre a abarrotar de militares embrenhados em intermináveis diálogos.





O edifício do Hotel Portugal nos dias de hoje. Já não é Hotel



A beber Laurentinas (a grande cerveja Moçambicana) e a comer camarões

No meio daquele bruaá, estando eu a passar mesmo a meio da esplanada, ouvi um grande berro que calou todas as conversas.


Instantaneamente!


- "O MELHOR PILOTO AO NORTE DE MOÇAMBIQUE!!!"



E um Tenente Coronel, fardado, de pé e de dedo em riste, a apontar para mim…


E toda a esplanada de militares fardados, as conversas suspensas, virou a cabeça para ver quem era o tal "melhor piloto ao Norte de Moçambique". 


E o Tenente Coronel abraçado a mim.


E um buraquito que não me aparecia…


Daí para a frente tornou-se-me um pouco preocupante aparecer isolado na esplanada. Felizmente havia uma grande rotação de militares que iam e vinham de zonas de guerra.

Mas foi exactamente da mesma maneira que isto me aconteceu, naquele sítio, por duas vezes!

É por isso que eu sei que fui, sem dúvida nenhuma, em 1968:



- “O MELHOR PILOTO AO NORTE DE MOÇAMBIQUE”!!!


Alguém tem dúvidas?


- Cheguem-se à frente!
- Cheguem-se à frente!




NOTA:
Por informações prestadas por um amigo, em Setembro de 2020, fiquei a saber que o Comandante de Tenente Valadim, na altura, era o senhor Tenente Coronel Júlio Augusto da Cruz e a sua mulher chamava-se Helena. A ambos saúdo com Saudade e Amizade.








T-6






(Actualizada em 12 de Setembro de 2018)








5 comentários:

  1. Eu não tive dúvidas nessa expressão. Obrigado por partilhar, espero por mais histórias do antigamente...

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  2. Obrigado. Estão mais algumas histórias na calha...

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  3. Gostei Gabriel na altura também estava em Moçambique mas...nbo Comando da Região Aérea em LM. Um abraço.
    António Correia

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  4. E por Olivença??? Não há fotos??? 73/74... UM grande abraço... rui

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  5. PASSEI 24 MESES NO AM61 VILA CABRAL, COMO CABO ESP MAEQ, VISITEI TODOS ESTES DESTACAMENOS Q QUE FAZ REFª. TOU EMOCIONADO. UM ABRAÇO

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