Outras histórias - Madgermanes, meus irmãos





Tão parecidos que nós somos...



No dia 24 de Fevereiro de 1979 o presidente da RDA (República Democrática da Alemanha, comunista, de Leste) Erich Honecker assinou em Maputo, com Samora Machel, presidente da República Popular de Moçambique, acordos de “amizade e cooperação” entre os dois estados.

O interesse era comum. Aos alemães de leste interessava-lhes uma mão de obra barata, que teriam que formar. À Frelimo dava jeito a injecção de divisas e a mais valia de terem uma elite formada na Alemanha, capaz de ajudar na reconstrução do país, a braços com uma sangrenta guerra civil que durou 15 anos.

Entre 1979 e até à queda do muro de Berlim e a consequente reunificação da Alemanha em 3 de Outubro de 1990, mais de 20.000 moçambicanos trabalharam a custo reduzido em 193 empresas estatais da RDA ou estudaram em escolas criadas para o efeito.



   A Escola poucos dias depois de aberta











A “Escola da Amizade”, símbolo da Amizade Internacional,  abriu em 1982, perto de Magdeburgo. 899 crianças moçambicanas estudaram lá, num curso de 4 anos.

Algumas com 12 anos de idade...










 


Aprendiam ofícios de pedreiro, soldadores, lavadeiras… e a ideologia Socialista, tão do agrado da Ministra da Educação moçambicana, Graça Machel.





Em 1987, 13 jovens pescadores de Moçambique receberam instruções sobre como trabalhar
com motores na empresa estatal VEB Fischfang Rostock. 



Moçambicanas durante uma formação de indústria téxtil na empresa estatal VEB Frottana Großschönau (Löbau-Zittau) em Março de 1983. 


 

 









A Ministra de Educação da RDA, Margot Honecker, de visita à Escola da Amizade no dia 25 de Junho de 1983.




 









Samora Machel,Presidente da República Popular de Moçambique e a Ministra de Educação da RDA, Margot Honecker encontraram-se em 3 de Março de 1983.



As mulheres dos presidentes dos dois países eram pois Ministras da Educação
 



Esta “amizade”... “acabou” um ano antes da queda do muro de Berlim e a escola fechou.



Quando, no final dos anos 80 do séc. passado, a RDA começou a desmoronar-se e a economia também sucumbiu. À beira da reunificação da Alemanha, em 3/10/90, os tais Acordos de 1979 também deixaram de fazer sentido.

Obrigados a regressar inesperadamente a casa estes moçambicanos encontraram um país em guerra civil e sem ofícios para eles.

Alguns voltaram à Alemanha.

Quando o muro de Berlim caiu, em 9/9/89, cerca de 15.500 moçambicanos ainda trabalhavam na RDA.

Muitos tinham constituído família, uma vida, com filhos e tudo.

E quando  voltaram à terra-mãe eram falantes de Alemão, altamente competentes em Socialismo e nos seus ofícios manuais, cultura de rigor alemão, profissionalismo e nenhum sítio onde aplicar todas estas aptidões.

Mas com um nível académico muito baixo, 4ª classe. Na tal escola da amizade alemã a cultura ministrada pouco passava do Socialismo e corte e costura…


Além disso eram fervorosos adeptos do Leipzig Futeball Club, evidentemente…

(Leipzig, a city that can claim to be the home of German football )

 


Por tudo isto ficaram conhecidos por Madgermanes, de “Made in Germany”…




E aqui começou o calvário para milhares de Madgermanes. 


Viram-se sem emprego e sem dinheiro.

Sem dinheiro significa que os 60% do salário da Alemanha que lhes era descontado e enviado para Moçambique para futuramente lhes ser pago, referente à segurança social abono de família, indemnização por rescisão de contrato, juros de mora, etc., constituindo uma futura reforma, desapareceram! 



A Alemanha diz que mandou os Marcos.

Moçambique não diz nada.

E eles, sem emprego, nada recebam… 



E de uma elite emergente para a qual foram aliciados, acabaram por pertencer à mais cruel geração perdida.

Partiram da Alemanha socialista depois de amealharem um pé de meia e regressaram a casa onde o socialismo já não era o que tinha sido, com uma economia de mercado nascente, sem trabalho e sem o pé de meia que foram obrigados a entregar à guarda de dois Estados, que lhes ficaram com o dinheiro.

Pelo menos um deles...

Entregues a si, inúteis na sua terra e não desejados numa parte da Alemanha afinal muito pobre e atrasada.


E a recordarem melhores dias passados, de cachecol do Leipzig FC ao pescoço e a entoarem slogans num alemão perfeito…





Numa visita oficial a Moçambique nos finais de Novembro de 2015, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha Frank-Walter Steinmeier, actual presidente da Alemanha, disse:
“Há seis anos que estou no governo e, durante esse tempo, nunca fui consultado nem solicitado por parte do Governo Alemão ou de Moçambique, bem como dos ex-trabalhadores da RDA sobre esse diferendo”.













O presidente da Associação dos ex-trabalhadores na antiga RDA, Zeca Cossa, ficou indignado com o ministro.



Oldemiro Balói, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, visitou a Alemanha em 2009 e em 2014.

Guido Westewelle, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, visitou Moçambique em 2013.

Não parece credível que toda esta gente desconhecesse o que se passava com estes ex-trabalhadores da RDA...



No dia 6 de Fevereiro 2009 o presidente da Assembleia da República (AR), Eduardo Mulémbwè, evitou, mais uma vez, reunir-se com a Associação dos Antigos Trabalhadores Moçambicanos na Alemanha (ATMA), adiando o encontro que tinha sido marcado ...por razões de infelicidade pessoal!



 
Infelicidade pessoal têm os Madgermanes, que se reúnem regularmente, nem todos filiados na Associação, ás 4ªs Feiras no jardim 28 de Maio em pleno centro de Maputo ( o magnífico Jardim Vasco da Gama, no meu tempo) e também em vários núcleos por todo Moçambique.


















Organizam, desde 2002,
manifestações de protesto
geralmente não autorizadas










 Maputo 2009











Estas manifestações por vezes acabam mal...



   Familiar de Cachopa no funeral









Como no dia 3 de Julho de 2012 em que Carlos João Chivambo (Cachopa para os amigos) foi morto à queima roupa naquele jardim por um polícia de folga e à paisana. 




Ou com cargas policiais, como aconteceu em Maputo há exactamente 3 anos, Dez de 2014.

Em Berlim também foi organizada por muitos moçambicanos residentes na Alemanha uma manifestação, a 12 de Setembro de 2015 à qual também compareceram filhos de Madgermanes.

Lázaro Magalhães, membro fundador da Associação dos Antigos Trabalhadores Moçambicanos na Alemanha (ATMA), resolveu mudar de estratégia e entregar o caso aos Tribunais.

"Decidimos remeter uma queixa formal junto do Tribunal Administrativo da cidade de Maputo", revela Lázaro Magalhães.

“Ao abrigo dos acordos entre os dois países, deveríamos ser reintegrados”.

Na antiga RDA ficaram 3.000 moçambicanos.

Em Moçambique existem pouco mais de 11.000 Madgermanes dos quais 5.000 são filiados na associação.

Vários perderam a vida, "por várias razões", lamenta o antigo trabalhador na RDA. "Tiros da polícia, nas manifestações, para intimidar este grupo. Disparar para matar, para impedir que outros viessem", descreve. Outros, acrescenta, foram vítimas de doença, uma vez que "uma pessoa que não trabalha não consegue arranjar nem um metical para poder ir ao posto médico, ao hospital ou ao centro de saúde". Numa estimativa pessoal, o membro fundador da ATMA fala em "cerca de 4 a 5 mil mortes".

(Este último parágrafo é um texto da DW)




Madgermanes, meus irmãos!

 

Falantes de Alemão e...

 

adeptos do Leipzig  FC.

 




Com votos de que os Tribunais vos façam justiça e o Estado vos pague, se tiver dinheiro...





Sites consultados (além de um documentário num canal da DW):














http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2009/02/mul%C3%A9mbw%C3%A8-foge-dos-magermanes.html?asset_id=6a00d83451e35069e2011168578406970c









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