Na Guerra do Ultramar - Encontros e desencontros


A Guerra no Ultramar foi palco de inúmeros encontros e desencontros havidos entre naturais da mesma Província Ultramarina.


Houve amigos de longa data que subitamente se encontraram em “trincheiras” diferentes embora nem sempre em confronto aberto de ideias ou mesmo no campo de batalha.


Estes desencontros, muitas vezes aligeirados pela forte amizade de anos atrás, puderam, num ou noutro caso, permitir que cada um mantivesse as suas opções sem violentar o outro nem interferir no decurso dos acontecimentos, num hino á amizade e lealdade mútuos.


Em 1968 o Director do Aeroporto de Vila Cabral, era um colega e amigo meu dos tempos do Colégio do Sagrado Coração de Maria em Quelimane, anos 50. Depois da independência foi Director da Aviação Civil de Moçambique.


Acabado o Colégio em Quelimane, que só leccionava até ao antigo 5º ano, voltámos a encontrar-nos mais tarde em Lourenço Marques. Deu-me guarida em sua casa, na Av. 24 de Julho, nos meses que mediaram entre o meu abandono do Liceu Salazar e o início do meu curso de Topógrafo nos Serviços Geográficos e Cadastrais, antes de tentar a Força Aérea. Nessa altura ele trabalhou numa espécie de sucursal do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, antes de se meter na Aviação Civil, como Controlador de Tráfego Aéreo.

Inesperadamene os nossos percursos de vida passaram pela Aviação, já que eu fui para a Força Aérea.

E cinco anos depois de começar a minha carreira militar ofereci-me como voluntário para combater em Moçambique. Mais uma vez como voluntário, ofereci-me também para o destacamento em Vila Cabral, o tempo que conseguisse ali permanecer.


Pois foi este amigo que me deu novamente guarida, agora em Vila Cabral, em sua casa, a 100m da “Base Aérea”, desta vez extensível á minha mulher e filha de um mês e meio. Na residência oficial do Director do Aeroporto de Vila Cabral.

Aeroporto de Vila Cabral (Lichinga, hoje)
 

Rapidamente a “minha casa” se tornou um refúgio dos pilotos do destacamento, com alguns momentos bem passados. Era a única família de pilotos daquele destacamento.

Houve muito piloto que acabou por tirar ali uma espécie de “curso de Pai”. Levavam-me a miúda e iam fazer corridas na placa com o carrinho dela. E ela em pé agarrada aos ferros a rir… como castigo ela teve uma filha no género…

Torre de controle de Vila Cabral - Foto do Blogue Voa Portugal

Estive destacado, voluntariamente, 8 meses seguidos em Vila Cabral.

Variadíssimos episódios se passaram, claro, mas posso começar pela minha relação com o “dono” da casa em que eu vivia.

Ele é filho de um Goês e de uma Moçambicana, pessoas que conheci em Quelimane, onde o meu Pai era Administrador de Circunscrição.

A nossa velha amizade e a sua educação e civilidade fizeram da estadia da minha jovem família em sua casa uma agradável vivência que se estendia aos demais pilotos que muitas vezes se juntavam a nós.

No entanto, algures durante o meu destacamento na capital do Niassa comecei a ter a sensação que algo havia no ar.

Passou-me pela cabeça e só isso, que ele poderia ser simpatizante da Frelimo, mas nunca lhe falei nisso.

No plano profissional, nunca tive com ele qualquer conversa de interesse operacional nem relativa a operações a realizar ou realizadas. Nem sobre o pessoal ou o estado dos aviões, nada de interesse.

Nem ele nunca me fez a mais pequena pergunta, nem no chão nem nas suas funções de controlador. Afinal nós operávamos numa pista civil, sujeita ao seu controle civil.

E quando havia mau tempo e queria saber como fazer a melhor aproximação possível, eu só dizia uma única palavra através do rádio do meu avião, sem destinatário nem indicativo:

- “Chichio!”

E ele sabia que era eu e que queria informações sobre o estado do tempo. E a resposta era: “Entra por Norte”, ou Oeste, por exemplo. Nem ele sabia de onde eu vinha…


Fotografia da época dos acontecimentos, neste caso o meu voo de regresso a Nova Freixo no fim do meu destacamento. O meu avião é o da direita

Acabada a minha comissão em 1969 entro na TAP e deixo de ter contacto com ele.

Encontrei uma ou duas vezes o irmão em Lisboa, Seleccionador Nacional (de Portugal) de Basquetebol que me ia dando notícias, não muito animadoras, sobre o seu destino.

Um vinte anos mais tarde reencontrei-me com ele num café de Lisboa, na Av. da Igreja. Estava há meses sem dinheiro, depois de ter abandonado Moçambique à pressa, por razões de segurança. O dinheiro que tinha só lhe dava para cafés… Ainda estava abalado pela reviravolta que a vida levara.

Arranjei-lhe um emprego através de um colega TAP.

Não tinha aceitado ser integrado, com um excelente ordenado, na Aviação Civil portuguesa que o convidara, por ter feito parte de todos os Acordos em vigor entre os estados de Moçambique e Portugal.

Ele há pessoas assim…

Passou a ser contabilista numa empresa de construção civil.


Claro que mudou de emprego, mais tarde, mas já são estórias que não têm aqui interesse.


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