“Há em todas as guerras, em todas as lutas e
campanhas, daquelas figuras que, irrompendo da vulgaridade, de repente se
agigantam e transformam naquele misto de realidade e fantasia com que depois se
haverão de perpetuar, de geração em geração, entre as páginas da História e as
brumas da Lenda...
...Francisco Roxo é um desses homens, uma dessas figuras
que, sem sombra de dúvida, ficará para os vindouros nesta nossa terra,
dentro da linha que dos grandes capitães de outrora se continuou até Mouzinho,
se alongou a Neutel, herói da Macuana, e neste mesmo momento se está
prolongando aqui, em pleno Niassa, na figura estranha e na saga espantosa
deste dez-reis de gente que me olha de profundos olhos de um azul
metálico, de pupilas apertadas como duas cabeças de alfinete.”
(Guilherme José de Melo, Jornalista Moçambicano e do DN)
Em Moçambique
Foi para Moçambique em 1952 com 19 anos.
Conseguiu emprego em Nampula, província do Niassa, nos
Caminhos de Ferro de Moçambique, com a ajuda do seu irmão Alípio.
O seu trabalho era de recursos humanos. Recrutar
trabalhadores para a construção da grande via férrea entre Nampula e Vila
Cabral (hoje Lichinga).
(É provável que durante o resto desta história chame
Lichinga pelo antigo nome, "Vila Cabral". Hábitos...)
Nesta função deu certamente início à sua aprendizagem
sobre o que são as afáveis gentes daquele país.
Aprendeu a falar vários dialectos e os modos de vida
dos moçambicanos “do mato”, com quem lidava facilmente, respeitando-os.
Pouco depois foi promovido a um mais alto cargo no
departamento de transporte, passando a supervisionar os condutores e mecânicos.
Mas como bom caçador que era logo foi transferido para
uma nova função, caçador “oficial” da empresa pública dos Caminhos de Ferro de
Moçambique para alimentar os trabalhadores que construíam a linha férrea.
Caçando os grandes antílopes (exclusivamente para
alimentação dos empregados da empresa) continuou a sua aprendizagem sobre o
“mato” intensificando o seu convívio não só com os seus colaboradores directos
na caça mas também com as gentes, seus costumes e dialectos.
Para esta função Francisco Daniel Roxo organizou uma
equipa de gente experiente, locais moçambicanos, que o ajudaram a localizar e
perseguir com melhor eficiência a caça que necessitava.
Foi assim que construiu as suas imbatíveis capacidades
de progressão furtiva no mato, rodeado de uma equipa fiel e leal que o
acompanharia quando, mais tarde, lhe pediram que organizasse uma outra equipa.
Uma milícia para combater o terrorismo.
Aquela função não fez dele, na altura, um “caçador
profissional”, um negociante de carne de caça. Actuava exclusivamente tendo em
conta o que lhe era pedido, sendo-lhe fornecidas armas e munições.
Em 1954 abandona os Caminhos de Ferro e fez-se caçador
de caça grossa no distrito do Niassa (fronteira com Malawi, Lago Niassa, e
Tanzânia) e durante 8 anos, com o dinheiro que fez e mandou aos pais, estes
conseguiram comprar uma quinta em Mogadouro.
Esta actividade de caçador permitiu-lhe conhecer ainda
mais as leis da natureza e a índole dos que a habitavam. Com todo o rigor.
Aos poucos e poucos criou à sua volta um grupo
altamente eficaz em operações no mato.
Um dia numa
das suas incursões foi atacado por um leopardo.
Acidentalmente desarmado, enfrentou o terrível
felino com as suas próprias mãos.
Mas apesar
dos muitos e grandes ferimentos que sofreu, conseguiu eliminar o animal,
tornando-se
imediatamente uma lenda viva para todos os moçambicanos.
Em 1962, o novo Governador Civil da Província do Niassa, Major
Carlos Augusto da Costa, que tinha sido chefe dos Serviços de Informações
Militares de Moçambique, instala-se em Vila Cabral.
Foi sensivelmente por esta altura que o meu Pai foi
colocado em Marrupa (240 km a Este de Vila Cabral/Lichinga) dependendo
directamente deste Governador Civil.
O meu Pai foi quem construiu a pista do Aeródromo de Marrupa. Ainda em terra batida.
Na sua função anterior, o Major (que tinha estado na Argélia a observar as técnicas da contra-guerrilha francesa) tinha organizado 3
unidades com 20 a 30 soldados cada, à paisana, com documentos falsos que sob a
capa da actividade de caça profissional, forneciam informações preciosas ao
Estado português.
Eram civis, caçadores profissionais e estavam
distribuídos por todo o Norte de Moçambique.
Era-lhes fornecido todo o equipamento necessário no
desempenho das suas furtivas competências, como armas, munições e viaturas de
transporte todo-o-terreno, com matrículas também falsas.
Caçavam realmente no mato mas para angariarem
dinheiro, não só com a caça mas também com o turismo, para se pagarem a si
mesmos um salário.
Chefiava uma dessas unidades de informação o Tenente Orlando
Cristina (aqui à esquerda) mais tarde braço direito do Eng Jorge Jardim, pai da Cinha Jardim.
Tive o privilégio de jantar com o Eng Jorge Jardim na Beira, final dos anos 50,
em casa dos meus primos Saul e Aida Brandão, naturais de Arganil, terra da
minha Mãe. Saul Brandão foi um grande empresário na cidade da Beira onde, entre
outras actividades, construiu e explorou o emblemático Hotel Embaixador.
(Ver na
história "Portugueses mais ou menos esquecidos" uma breve resenha sobre o Eng Jardim e outros dois notáveis
esquecidos da nossa História recente, Tenente Coronel Marcelino da Mata e D.
Francisco de Bragança Van Uden).
Tenente Coronel Marcelino da Mata
com as várias condecorações,
incluindo a Torre e Espada
As outras duas unidades eram chefiadas por Gonçalves
dos Santos e pelo Alferes Petaquinni.
Francisco Daniel Roxo tinha entretanto interrompido a
sua actividade de caçador e dispensado a maior parte dos seus fiéis homens.
Terá sido por essa altura que se casou com Cecília, uma senhora moçambicana, do Niassa.
...de quem viria a ter seis filhos
Nesta foto com dois dos seus filhos
Pouco depois de o Governador Civil tomar posse, pediu a
Francisco Daniel Roxo que o ajudasse numa campanha de alerta às populações para
o perigo do terrorismo que se aproximava supõe-se que com o óbvio fim adicional
de recolher informações sobretudo quanto ao movimento das gentes para a
Tanzânia, o país vizinho a Norte, base da Frelimo em Dar es Salaam.
Daniel Roxo com o Governador Civil da Província do Niassa, Major Carlos Augusto da Costa
No final de 1963 Francisco Daniel Roxo recrutou, a
pedido do Governador Civil, alguns polícias moçambicanos (os cipaios).
|
Brasão do Governo do Niassa |
|
|
Exactamente na altura em que o terrorismo começa a
sério em Moçambique, vindos da ilha de Likoma, no Lago Niassa, transportados em
canoas, os terroristas atacam duas povoações junto às margens do grande Lago,
Metangula e Cóbué.
Metangula era uma Base Naval da Marinha em Moçambique, a partir da qual os fuzileiros viriam a actuar. A pista vê-se à direita.
Ver aqui uma história neste blogue sobre o transporte
Roxo foi logo mandado para se inteirar da situação.
Em 8 dias fez mais de 100 km a pé no meio do capim das
matas, arrostando dificuldades inimagináveis.
A partir daí a actividade terrorista começou a
fazer-se sentir com mais intensidade.
Numa operação no Lago Niassa, Daniel Roxo numa LDM
Foi nessa altura que grandes contingentes de militares
portugueses, totalmente inexperientes, acabados da fazer a recruta, começaram a
actuar em força em Moçambique.
Roxo foi encarregue de industriar os que chegavam ao
Niassa, transmitindo-lhes todo o seu conhecimento, durante dois meses de
formação.
Apercebendo-se da fragilidade da situação e tendo a
ideia exacta da forma como combater os terroristas, Roxo pede ao Governador
Civil autorização para organizar uma formação paramilitar de voluntários
exclusivamente autóctones, naturais de Moçambique.
Ver no final desta história a carta enviada em 2012 a Stephen
Dunkley, pelo Major Carlos Costa Matos, sobre Daniel Roxo.
Este grupo era totalmente independente
da orgânica
militar.
A partir daí, com a eficácia incrível da sua unidade
em combate o nome de Roxo começou a aterrorizar os terroristas.
Como mera curiosidade...
«Em 31 de Maio de 1965, a famosa Companhia 7 de Espadas
– C. Cavª. 754 de que fazia parte o ainda mais famoso ciclista Joaquim
Agostinho, foi alvo de um forte ataque.
Nesse dia tiveram 6 baixas e mais uma da Companhia de
Nova Coimbra que foi em seu auxílio. A Companhia de Joaquim Agostinho foi uma
das que mais baixas sofreu naquela zona, a tal ponto que teve de ser evacuada
para a Beira pois foi considerada inoperacional. Quando uma companhia sofria
muitas baixas era considerada psicologicamente incapaz de continuar no teatro
de guerra. Nesta altura ainda não existia o quartel do Lunho e as tropas ali
estacionadas encontravam-se alojadas num bivaque (“aquartelamento” feito de
tendas de campanha).»
Aos poucos com os seus agora 18 homens, sem nenhuma
experiência militar, tornaram-se numa unidade paramilitar especial para tentar
dissuadir a população do Niassa a juntar-se à Frelimo, colhendo abundante e
fidedigna informação.
Numa normal colaboração da Força Aérea Portuguesa
Uma tarefa suplementar, comum a toda a actividade
militar no Norte de Moçambique, consistiu numa acção psico-social (a “Psico”,
como nós a conhecíamos) contra a Frelimo e os seus princípios comunistas,
tentando dissuadir a população de colaborar com a guerrilha.
Este era um dos milhares de panfletos que a Força
Aérea distribuía em voos baixos:
De um lado tinha estes "bonecos"
E no outro, estes dizeres:
|
Roxo e os seus combatentes com o fotografo Patrick Chauvel |
|
Entretanto o grupo de Francisco Daniel Roxo atingia já 30 homens e o treino que lhes deu, fez deles autênticos Rangers,
fazendo longas caminhadas muito carregados ou subindo montanhas, por vezes
flagelados por tiros junto a eles para se habituarem a desprezar o medo em
combate.
No treino de emboscadas, o menor ruído provocado
acidentalmente era severamente punido.
Atacavam os guerrilheiros da Frelimo usando a
informação da intercepcção das comunicações, fardados como eles, com completa
surpresa, arrasando os seus acampamentos.
Só nos dois primeiros anos este grupo contabiliza o milhar
de inimigos abatidos, não tendo tido nenhum ferido sequer do seu grupo.
Estes homens, altamente qualificados, progrediam em
silêncio total e quando precisavam de comunicar entre si faziam-no imitando na
perfeição o piar dos pássaros, ou quaisquer outros sons da natureza.
Roxo com o jornalista Sul-Africano Chris Vermaak
Numa determinada acção, dos 36 elementos da guerrilha
abatidos, 15 foram por sua conta.
Gozavam também da grande estima da população que era
subjugada pelos terroristas com o propósito de eles lhes fornecerem condições
operacionais, alimentação e tudo o mais.
São muitas as histórias que a partir daí se contam
dele tornando-o uma espécie de lenda, um personagem mítico.
Pela sua cabeça a Frelimo oferecia $100.000,
uma
quantia astronómica na altura.
O "Fantasma da Floresta" ou o
"Diabo branco"
(epíteto dado pela Frelimo) são alguns dos nomes
pelos
quais ficou conhecido.
A sua progressão no terreno, sem viaturas,
em missão,
era simplesmente inacreditável!
Sendo a reacção dos comandos militares portugueses
muito lenta e burocrática, por vezes desprezando até o valor de Francisco
Daniel Roxo,
o muito que poderia ser feito para combater o terrorismo
e não
foi, acabou por facilitar a progressão
da Frelimo no terreno e entre as gentes.
Durante todo o tempo que actuou com os seus homens no
Niassa, Francisco Daniel Roxo sofreu apenas 3 baixas.
Todas elas devidamente vingadas exclusivamente por si…
Ao Jornalista Moçambicano Guilherme José de Melo
numa entrevista, Francisco Daniel Roxo
disse:
- Ando sempre a pé com os meus
rapazes. Sou contra as deslocações em viaturas: perde-se muito tempo, sabe?
Para explicar a capacidade do seu grupo em progredir
no mato, conta que um dia avançavam para um acampamento terrorista levados por
um prisioneiro.
À frente no trilho seguia um dos seus graduados. Ele
ia logo atrás e depois o prisioneiro, todos exactamente no mesmo trilho
estreito.
Uma muito bem dissimulada mina anti-pessoal tinha sido
colocada neste acesso ao seu reduto.
O graduado e roxo passam sobre a mina sem se
aperceberem dela.
Quando o prisioneiro a pisa, ela explode com todo o
fragor matando-o.
A experiência de Roxo e dos seus homens tinha sido
posta à prova uma vez mais.
Disse ele na entrevista:
“Quem quiser sobreviver tem, necessariamente, de pôr à
prova uma agilidade felina, uma elasticidade de leopardo. Isto aconteceu há
tempos, mas é bem o género de coisas que ocorre constantemente.”
Os residentes de Vila Cabral diziam:
“Se o Roxo ficar,
ficamos. Se o Roxo partir, partimos”
Um dia estava o
Roxo num bar de Vila Cabral a beber uma cerveja quando um oficial do Exército
português ali entrou.
Encomendou uma
bebida e com ar extremamente abatido disse para quem ali estava:
“Tive um encontro com os terroristas. Perdi alguns
homens…”
Ao ouvir isto o Roxo fez-lhe umas quantas perguntas,
empurrou o copo da cerveja
meio cheio no balcão e virando-se para o barista
disse-lhe:
“Guarda-me isto, volto já para acabar de a beber. Mas primeiro tenho
que dar uma lição àqueles gajos”.
E saiu porta fora.
Horas depois voltou para acabar a cerveja, com a maior
das naturalidades.
O grupo tinha sido interceptado pelos seus homens,
comandados por ele e totalmente aniquilado.
Roxo guiava um Ford Cônsul bastante antiquado, oferta
do Governador Civil. Vivia também numa casa do Estado.
Era um condutor sui generis. Normalmente a 25 km/h e
em 3ª… passando sobre todos os obstáculos, indiferente a quaisquer
condicionantes da estrada.
Textos compilados da revista
“Observador”, n.º 14, de 21 de Maio de 1971
“O Fantasma da Floresta” (Moçambique)
Guilherme José de Melo, nasceu em Lourenço Marques,
no dia 20 de Janeiro de 1931. Era um jornalista, escritor e poeta português,
autor de numerosas obras de ficção e não-ficção. Depois do 25 de Abril abandona
Moçambique para trabalhar no Diário de Notícias. Faleceu no mês de Junho de
2013.
Guilherme José de de Melo, na altura jornalista moçambicano,
publicou em 1966 este livro em Lourenço Marques,
editado pela Minerva Central, com fotografias de Carlos Alberto.
A Cruz de Guerra que o
Comandante Roxo recebeu foi a primeira jamais entregue a um civil.
A Medalha Militar da Cruz de Guerra foi criada pelo Decreto
n.º 2870, de 30 de Novembro de 1916, para premiar actos e feitos de bravura
praticados em campanha. Esta condecoração recebeu notoriedade durante a I
Guerra Mundial e durante a Guerra Colonial Portuguesa.
A Cruz de Guerra é a terceira mais alta condecoração militar
portuguesa, encontrando-se na hierarquia logo após a Ordem Militar da Torre e
Espada e da Medalha de Valor Militar, e sendo superior às Ordens de Cristo,
Avis e Sant'Iago da Espada e demais condecorações militares e civis. IN Wikipédia
Medalha de
Serviços Distintos.
A África do Sul considerava Moçambique a sua zona
tampão contra a guerrilha comunista e prestava todo o auxílio possível.
Lembro-me que as ofertas que no Natal o nosso
Movimento Nacional Feminino dava aos Combatentes no Ultramar (com a melhor das
intenções, a mim também me calhou e soube-me bem) parecia fancaria comparada
com o que se recebia das senhoras do Movimento de Solidariedade sul africana
aos militares portugueses.
Tive meias que duraram anos…
Na África do Sul, Namíbia e
Angola
Com o aproximar da independência de Moçambique, o
Comandante Roxo ruma à África do Sul com os seus homens, (conseguindo
incorporá-los em unidades militares) e decide concorrer às Forças Especiais Sul
Africanas, Reces.
A fuga de Lourenço Marques do Comandante Roxo foi uma operação "à
Roxo". Um camião cisterna foi adaptado com um sistema improvisado de
ventilação para ele não sufocar e viajou dentro da cuba até perto da fronteira, Aí
saiu e atravessou-a a pé
Tinha na altura 41 anos e os seus companheiros na
tentativa de admissão andavam pelos 25 anos.
Foi então colocado num grupo de operações especiais
que actuava em Angola, através da Namíbia, no âmbito da Operação Savannah.
Conseguiu uma posição no Bravo Group, unidade
especializada em reconhecimento e sabotagem.
O que foi a Operação Savannah?
As grandes potencias mundiais que contribuíram para a
independência de Angola e inclusive para a guerra civil que se seguiu, já antes
de 11 de Novembro de 1975 (data da independência) se envolviam no conflito
generalizado entre as várias facções em luta pelo poder.
Reinava na altura o caos entre as facções que
pretendiam o poder, cada uma delas auxiliada por outras tantas potências
estrangeiras.
Em Moçambique a situação não era muito melhor, com
combates frequentes entre a Frelimo e a Renamo. Situação aliás ainda hoje não
completamente resolvida.
Numa operação estratégica ousada, os cubanos, com a anuência da URSS,
conseguem colocar em Angola um número considerável de
militares e equipamento, praticamente sem que as potências Ocidentais
dessem por isso, ou pelo menos dessem pela importância do acto, desenvolvendo uma estratégia de treino dos militares do
MPLA, ao mesmo tempo que se equipavam fortemente, usando todos os meios
marítimos de transporte para se equiparem. Para uma terra produtora de
petróleo, levaram inclusivamente combustível...
Henry Kissinger, por essa altura numa viagem à Venezuela, disse ao Presidente Carlos Andrés Perez:
"Parece
que os nossos serviços de informação estão a funcionar mal porque só
soubemos que os cubanos iam para Angola quando já lá estavam".
A
logística para transportar tão grande arsenal militar foi de tal modo
complexa que o futuro 1º Presidente de Angola, Agostinho Neto, ao ver da
sua janela a baía de Luanda repleta de navios de bandeira cubana (até o
Iate de Fulgêncio Baptista...) comentou, com pudor:
"Não é justo. A este passo Cuba vai arruinar-se!"
Estava lançada a Operação Carlota, em homenagem a uma
escrava do engenho Triunvirato da região de Matanzas, chamada Carlota,
que se revoltou de catana em riste, liderando um grupo de escravos,
morrendo
na rebelião. Isto em 5 de Outubro de 1843.
Estariam em Angola mais de 14.000
militares cubanos, fortemente armados, com tanques e aviões Mig.
Tudo isto se passava com o conhecimento de Portugal que tudo permitia e fechava os olhos.
A Independência de Angola estava próxima e já não havia soberania.
Com o auxílio do eixo Moscovo/Havana, o MPLA ganhava
terreno.
O que se passava em Angola tornou-se um cenário tão
pouco agradável para a África do Sul que decide dar assistência ás facções que
combatem o MPLA.
Invadem Angola numa operação maciça a que deram o nome
de Operação Savannah.
Em Outubro de 1975 as SADF (Forças de Defesa
sul.africanas) entraram em Angola com várias colunas e conquistaram o sul e
centro do território chegando a Porto Aboím, próximo de Luanda,
A maior e mais
arriscada campanha militar que fizeram fora de portas.
A
progressão inicial das forças sul-africanas foi um autêntica passeio,
com os tanques equipados com música gravada para entretenimento dos
militares.
Nessa primeira investida chegaram muito perto de Luanda.
O conflito interno em Angola transforma-se numa guerra
convencional.
A operação realizou-se em conjunt0 com os militares da
organização de Jonas Savimbi, a UNITA, as forças de Daniel Chipenda e da FNLA.
No início de 1976, quando os
Estados Unidos se apercebem tardiamente do desequilíbrio de forças no terreno e
não só, desistem de se oporem à facção comunista.
Também ainda estavam a digerir a derrota no Vietname, com um Presidente não eleito...
As forças sul africanas são
obrigadas a retirar, mesmo às portas de Luanda, sem se ter compreendido muito
bem a razão, já que estavam a um passo de tomar a capital.
A África do Sul, um pais poderoso, fazia fronteira com Angola através da Namíbia.
Cuba
ficava a milhares de quilómetros de Angola, com custos inimagináveis em
transportes, com barcos e aviões de transporte que não tinha, a juntar à
fraca economia cubana.
E mesmo assim...
A Operação Savannah termina em
Março de 1976 com a enigmática retirada das forças da África do Sul do
território angolano para a Namíbia.
Roxo participou nessa Operação com excepcional
brilhantismo.
|
O pin amarelo indica o local da Ponte 14
|
Numa das operações dos militares sul-africanos, dois
grupos de combate ficaram bloqueados em território angolano por cheias
inesperadas do rio Nhiva, sendo a única escapatória uma estreita ponte, a Ponte
14.
O Comandante da unidade de Roxo, ordenou-lhe que
averiguasse a situação da ponte.
Foi sozinho e viu que a ponte estava destruída.
Sem se dar conta que tinha sido avistado por um grupo
de 11 soldados do MPLA cuja intenção
era dizimar as tropas sul-africanas quando
tentassem a travessia do rio.
|
A Ponte 14 nos dias de hoje e a antiga mais abaixo |
Quando aqueles militares angolanos viram que Roxo
voltava para trás, decidem capturá-lo.
Um militar cubano atira-se-lhe pelas costas sendo por
ele abatido de imediato.
O resto do grupo abre violento fogo contra Roxo.
Quando a unidade sul africana se aproxima do local da
emboscada em socorro de Roxo, descobre que
os outros 10 elementos emboscados,
cubanos e angolanos, tinham igualmente sido abatidos.
Todos por um só homem. Francisco Daniel Roxo...
Seguiu-se um fortíssimo ataque do MPLA durante a
tentativa de reconstrução da Ponte 14 pela Engenharia sul-africana.
Neste memorável combate, que ficou conhecido como
"o combate da Ponte 14", terão perecido
entre 400 a 800 soldados
angolanos e cubanos.
Incluindo o Comandante da Força Expedicionária, um
cubano:
Comandante Raul Diaz Arguelles, grande herói da Cuba de Fidel.
Há testemunhos, como a BBC mais tarde informou, de
camiões carregados de cadáveres que estavam constantemente a sair da área em
direcção ao norte.
Note-se que esta operação não teve a intervenção de
meios aéreos, foi só feita com apoio da artilharia.
Foi cronologicamente o último grande combate em que
soldados portugueses (no século XX) se bateram.
Trata-se de um combate que nas nossas Academias
Militares não foi estudado (nem sequer conhecido), mas que pelas inovações
tácticas e emprego de pequeníssimos grupos de comandos deu resultados bem
inesperados (para os cubanos, é claro). No entanto era estudado nas academias
russas, britânicas e americanas (algumas).
As forças sul-africanas sofreram 4 baixas.
A Roxo e a outros, poucos, portugueses se deve a
grande vitória da Ponte 14 no rio Nhia, em que centenas de cubanos e soldados
do MPLA foram clamorosamente derrotados.
A sua acção neste combate foi de tal modo épica que as
chefias propuseram que fosse condecorado.
Roxo recebeu a Cruz de Honra, Honoris Crux, cujo
certificado aqui se reproduz:
Foi o primeiro estrangeiro a receber a mais alta
Condecoração Militar sul-africana.
Depois deste tremendo combate, Jan Breytenbach
convence os Altos Comandos militares
a reorganizar o Bravo Group, passando a
constituir um batalhão de contra-guerrilha.
Roxo é nomeado Comandante de Pelotão deste novo
Batalhão e promovido a S.Sgt.
Estava formado o célebre 32 Battalion, conhecido como
Buffalo Battalion.
O S.Sgt Daniel Roxo foi colocado nesse grupo de
operações especiais que actuava em Angola, através da Namíbia.
Os operacionais do 32 Battalion eram conhecidos
por “Os Bufalos” ou “Os Terríveis”
Passou a ser a única unidade militar sul-africana a
falar português.
A única também a admitir não-brancos. Eram 80% de origem negra
e 20% brancos.
A experiência transmitida pelo S.Sgt Daniel Roxo
provou ser extremamente eficiente,
eliminando mais inimigos e sofrendo menos
baixas que qualquer outra unidade sul africana.
Apesar de, entretanto, se terem retirado de Angola, as
forças armada sul-africanas continuaram a operar dissimuladamente no
território.
No dia 23 Agosto de 1976, com o objectivo de fazer explodir
uma ponte no rio Okavango em Angola, o S.Sgt Daniel Roxo levou com ele os sargentos
portugueses Ponciano Silva Soeiro e José Correia Pinto Ribeiro (alcunhado
"Carnaval" em Moçambique e "Robbie" na África do Sul.
Já perto da ponte a viatura semi-blindada e descoberta
em que seguiam despoleta uma mina anti-carro.
O veículo foi projectado pelos ares expelindo todos os
ocupantes.
Ponciano Soeiro sofreu um grave traumatismo craniano.
Quando a viatura em queda volta ao solo, fá-lo sobre o
corpo de Francisco Daniel Roxo, esmagando-lhe as pernas e a coluna vertebral.
A explosão destruiu o rádio e assim José Correia Pinto
Ribeiro teve de correr para pedir socorro ao resto da equipa ainda mais atrás.
Tentaram levantar a viatura mas era demasiado pesada
para ser levantada à mão, estando além disso debaixo de fogo inimigo.
Um helicóptero de evacuação médica sobrevoava a zona
mas o piloto recusou aterrar no local porque avistou um avião cubano a
patrulhar a zona.
Breytenbach, antigo comandante dos Búfalos, no seu
livro "Eles vivem pela Espada" - "They Live by the Sword",
pp. 105, escreveu:
<<
Danny Roxo, mantendo-se com o seu carácter intrépido, decidiu tirar o melhor
partido das coisas,
acendendo
um cigarro e fumando-o calmamente até que este acabou e então morreu, esmagado
debaixo do Wolf.
Ele
não se tinha queixado uma única vez não tinha dado um único gemido ou grito,
apesar
das dores de certeza serem enormes. >>
O S.Sgt Daniel Roxo foi condecorado
com a PRO PATRIA MEDAL, (Cunene Clasp) bem como com a Southern Africa Medal,
esta postumamente.
Deixou uma viúva e seis filhos.
Ponciano Soeiro, serviu na ex-DGS na província do Uíge, em Angola,
antes de, em Setembro
de 1975, se alistar nas Forças Especiais da África do Sul.
Acabou por morrer em combate no dia 25 de Agosto de 1976,
num hospital de campanha para onde tinha sido evacuado.
José Correia Pinto Ribeiro era natural da Guiné- Bissau
e ficou conhecido em Moçambique pelo nome de
guerra "Carnaval",
quando ali serviu nos Grupos Especiais
Paraquedistas (GEP`s).
Uma Unidade criada pelo Coronel Costa Campos
Infiltrado na Frelimo servia Portugal.
Depois do 25 de Abril juntou-se também às Forças Especiais Sul Africanas onde ficou conhecido como "Robbie" Ribeiro.
Morreu na semana negra de 25 de Agosto de 1976, uma semana depois da morte do irmão Carlos Alberto Ribeiro (ver abaixo).
Fazia também parte do Batalhão 32 um outro Português,
Carlos
Alberto Ribeiro (alcunha "Little Robbie"),
irmão deste José
Correia Pinto Ribeiro.
Nasceu na Guiné portuguesa em 25 de Novembro de 1950.
Alistou-se na Força Aérea Portuguesa como Pára quedista
Depois do 25 de Abril seguiu o irmão e alistou-se nas Forças Especiais da África do Sul
Durante a Operação Savannah, no interior de Angola, Little
Robbie faleceu presumivelmente morto em combate no dia 19 de Agosto de 1976
durante uma operação entre Luengue e Coutada do Mucusso em Angola. Na época,
ele pertencia ao Grupo B do Batalhão 32. O pequeno Robbie era solteiro.
Foi José Correia Pinto Ribeiro quem telefonou à Mãe a
dar a notícia.
Tragicamente... este irmão mais velho, o José Ribeiro
morreu dois dias depois num acidente de viação, num transporte de feridos em
combate. O condutor da viatura, um Tenente, foi condenado a 4 anos de cadeia.
Assim uma Mãe perdeu os dois filhos no espaço de uma
semana.
O seu corpo nunca foi recuperado.
As mortes do S.Sgt Daniel Roxo, Jose “Robbie” Ribeiro,
Ponciano Silva Soeiro e Carlos “Little Robbie” Ribeiro foram um grande golpe
não só para o Reconnaissance Commando e o 32 Battalion mas também para a
South African Defence Force em geral dado o alto grau de eficiência e
experiência destes quatro Portugueses.
Este trágico período de tempo ficou conhecido
como “Black August”.
Francisco Daniel Roxo, José Correia Pinto Ribeiro e
Ponciano G. Soeiro foram enterrados em Voortrekker Hoogte (Pretoria) em campa
rasa, sem grandes cerimónias.
Almerindo
Mourão da Costa, nasceu a 19 de Agosto de 1944, numa pequena aldeia no norte de
Portugal. Depois de terminar a escola, juntou-se à PIDE / DGS e foi enviado
para Angola, onde serviu com os FLECHAS até ao 25 de Abril de 1974
Depois do 25 de
Abril alistou-se também nas SADF (Forças Armadas Sul-Africanas) completando com
sucesso o Curso das Forças Especiais.
Em Janeiro de 1980
foi agraciado com a PRO
MERITO MEDAL por comportamento excepcional em combate.
Mourão da Costa
foi morto em combate, segundo a versão oficial, no dia 24 de Fevereiro de 1980
no interior de Angola, mas a verdade é que a sua morte ocorreu numa Capital
Africana onde desenvolvia uma missão secreta para destruir determinado objectivo.
Um
dia a verdade será conhecida.
O corpo nunca
foi recuperado.
Na cerimónia em Voortrekkerhoogte, para
comemorar os 30 anos da morte do Sgt Daniel Roxo, Sgt Ponciano Soeiro e
Sgt Jose Ribeiro, o General Swart prestou uma homenagem comovente aos nossos
companheiros mortos, incluindo S Sgt Almerindo Mourão da Costa, tendo entregado
o crachá que lhe era devido à Sra. Erna da Costa. (Ver texto que se segue)
Quase trinta anos depois das suas mortes
dois acontecimentos importantes relevam o quão marcante foram no seu
tempo e como a República da África do Sul, pós Apartheid, reconhece os
"seus" mortos.
Assim, no dia 23 de Agosto de 2005, 60
amigos, representantes da Comunidade Portuguesa na África do Sul e
ex-colegas do 1st Reconnaissance Commando e do Batalhão 32, juntaram-se
em Voortrekker Hoogte, Pretória, no cemitério de Thaba Tshwane, para
homenagear e prestar tributo aos portugueses ali enterrados.
Numa
lápide negra descerrada pelo Major General Fritz Loots (na reserva),
First Officer Commanding South African Special Forces, estavam inscritos
os nomes daqueles portugueses caídos na luta contra as forças pro
comunistas do MPLA e Cuba no Sul de Angola numa altura em que tantos
portugueses foram forçados a abandonar o território e em véspera de uma
sangrenta guerra civil que durou duas décadas.
A lápide coberta com a bandeira das Forças Especiais da África do Sul
Simultaneamente foram trasladados os restos mortais daqueles portugueses que estavam enterrados em campa rasa.
Na cerimónia estiveram presentes militares, imprensa portuguesa, diplomatas e outros, sendo a patente mais alta o General Fritz Loots, ex-comandante em Chefe das Forças Especiais e, mais tarde Chefe da Inteligência Militar sul-africana.
Lt Col Sybie van der Spuy
Uma
representante da Embaixada de Portugal, a chefe da chancelaria
Margarida Rosas de Oliveira
fez a entrega de uma coroa de flores em nome
de Portugal. Foto abaixo:
Toda
esta situação foi envergonhadamente desenvolvida a nível não oficial,
afirmando o Embaixador de Portugal em Pretória, João Barbosa que não foi
"previamente consultado" para dar o aval oficial à cerimónia. De outro
modo "teria que ponderar a presença” oficial de uma representação
portuguesa e "informar o Ministério dos Negócios Estrangeiros antes de
tomar uma decisão".
Tudo isto isto porque aqueles
portugueses combateram numa unidade militar Sul Africana durante o
Apartheid e alguns deles tinham sido agente da Pide.
Mas antes tinham lutado
ao lado ou integrando o Exercito Português na Guerra do Ultramar.
Lembro
que o Comandante Roxo combateu em Moçambique chefiando uma milícia
exclusivamente composta por Moçambicanos negros e era casado com uma
senhora africana de Moçambique e tinha seis filhos “mulatos”…
E tinha
uma Cruz de Guerra, dada por Portugal num 10 de Junho, dia de Portugal.
No dia 17 de Novembro de 2005, as condecorações e medalhas outorgadas
pela República da Africa do Sul ao S.Sgt Daniel Roxo, a HONORIS CRUX, as
medalhas PRO PATRIA (Cunene clasp) e a SOUTHERN AFRICA medal, bem como
os diplomas respectivos, foram finalmente entregues à sua família,
representada pelo irmão Alípio Roxo e mulher, Irene, nas Caldas da
Rainha:
Carmo Ferreira, à esq, ex membro das Forças Armadas Sul Africanas,
uma das senhoras encarregue da entrega das medalhas ao irmão do Comandante Roxo
O casal Alípio e Irene Roxo
<<Irene
recorda então a última vez que falou com ele. O seu coração de mulher
temia o pior, pediu ao cunhado que fosse para Portugal, mas a resposta
dele foi simples, simples demais para ser rebatida e que a apavorou:
"Sou soldado ... e hei-de morrer numa mina..."
E foi assim que morreu!>>
A ex 1º Tenente da Força Aérea Sul Africana Maria José Ferreira,
outra das senhoras encarregue da cerimónia, com o casal Roxo
Fonte: Moçambique para Todos (macua.blogs.com)
O Alípio e a Irene já nos deixaram
Tenho a certeza de que muitos portugueses, civis e militares , soldados, sargentos e
oficiais, devem a vida à acção furtiva deste homem que agora é desprezado na
sua pátria. Mas somente por quem não sabe o que foi a sua vida. Este homem
lutava só pela sua terra do coração.
Francisco Daniel Roxo nada tinha e vivia numa casa modesta do Estado Português em Vila
Cabral com a sua família moçambicana. Nada esperava ganhar com a possível
vitória dos militares em Moçambique.
Até
um dia Comandante Roxo!
_______________________________________________________________
No
dia 20 de Setembro de 2017, os antigos Camaradas de Francisco Daniel
Roxo
e
dos outros portugueses, os sul-africanos e alguns portugueses,
numa
cerimónia organizada também pela comunidade portuguesa,
voltaram
ao cemitério
para
lhes dizer que não estavam esquecidos.
_______________________________________________________________
“To kill people
has never been nice. And to get killed is the worst thing that can happen to
anyone.
But the worst of
all is to come back home and to be told that it was all for nothing.
That is definitely
the biggest betrayal there can be.”
Herman Grobler
"No tears.
No
sorrow.
We are here to witness tomorrow."
B Cox 2013
E para os que não sabem que um Camarada de Armas nunca é esquecido, a foto abaixo
foi tirada em 2017 no local da existência da antiga Ponte 14
______________________________________
IN MEMORIAM
Carta enviada em 2012, a STEPHEN DUNKLEY pelo Major Carlos Costa
Matos, que de 1962 a 1966 foi Governador da província do Niassa em Moçambique
Em 31 de Maio de 1962, tornei-me governador do promissor distrito de Niassa. Fui escolhido pelo Almirante Sarmento Rodrigues. Na época, o professor Adriano Moreira era ministro do Ultramar.
Tinha 39 anos e era o mais jovem governador do Império Português. Nasci em Lourenço Marques, fui também por isso, o primeiro Governador nascido em Moçambique, por isso, a minha nomeação foi vista como um sinal de esperança para a população local. Mais tarde, a maioria dos africanos via em mim um amigo, um deles, como descrito em "A Voz de Moçambique".
A 6 de Junho a minha família e eu chegámos a Vila Cabral / Niassa. Era uma região com um significado especial para mim, poderia agora ajudar a moldar os destinos de um distrito onde o meu pai e três tios tinham vivido quarenta anos antes.
Foto dedicada a Carlos Dugos
A minha família tinha participado na Grande Guerra, na luta contra a Alemanha. Na verdade, recebi o nome de um dos meus tios - Carlos Augusto - que foi dado como "desaparecido em acção" quando as tropas portuguesas se retiraram de Nevala até o Rovuma. O líder dessa missão foi o tenente Craveiro Lopes que mais tarde se tornaria presidente da República Portuguesa.
Algumas semanas depois da minha chegada, decidi ir ver pessoalmente o território para em primeira mão avaliar quais eram as principais questões.
No século XIX, o Niassa era dirigido pela "Companhia do Niassa" e o governo português recebera milhões de libras em troca disso. A empresa recebeu grandes poderes para gerir este território - desde o Mar da Índia até ao Lago Niassa. No entanto, esta empresa, gerida pelos britânicos, negligenciou as suas funções e não tinha um posto avançado civil (Posto Administrativo Civil) na fronteira do Rovuma.
Assim, em 1929, o tratado foi revogado (após um período de 40 anos) pelo governo português e o dever de dirigir o território foi novamente colocado nas mãos do povo português.
Nessa altura, o primeiro governador do distrito de Niassa - Coronel Casqueiro - tomou medidas muito sábias e mudou a capital de Mandimba (terras baixas) para Vila Cabral (Lichinga terras altas / Planalto de Lichinga). A capital recebeu o nome do governador-geral Coronel José Cabral.
Depois de visitar o território, percebi que a rede administrativa era fraca e pobre e que todos os postos administrativos existentes não tinham luz nem rádio. Após de analisar a situação, decidi aumentar a rede - 8 administrações civis em vez de 4, 23 postos avançados civis em vez dos 16. Além disso, sobre o Rovuma, decidi e construí mais postos avançados civis, todos eletrificados e com campos aéreos.
Nesse momento, depois de saber as habilitações de Daniel Roxo, como o seu conhecimento de várias línguas - Português, Ajua, Swahili (introduzido pelos muçulmanos) e seu conhecimento único do território (como ex-caçador profissional), decidi que ele seria a pessoa ideal para o novo Serviço de Ação Psicológica (SAP) que eu queria criar. Tendo aceite o convite, tornou-se um dos seus membros.
Como membro da SAP, Daniel Roxo acompanhou-me por todo o lado. Além de conhecer os chefes locais (Régulos) conheceu as tradições, a cultura, a língua e também o chefe da Mataca, cuja população era uma das maiores de Moçambique.
Quando, em Setembro de 1964, aconteceu o primeiro ataque da Frelimo ao avançado Civil de Cobué, nomeei Daniel Roxo Comandante de uma milícia que consistia num grupo de pessoas da sua confiança a participaram em combates contra tropas da Frelimo.
Daniel Roxo mostrou-nos sempre ser uma pessoa muito talentosa e corajosa, qualidades que manteve durante toda a sua vida. Em Portugal as pessoas costumam dizer que "Trás - os - Montes" é o berço de grandes homens. Assim parece.
Devido à sua dedicação ao Governo Português, à sua lealdade inquestionável em relação a mim e ao povo do Niassa, quando finalmente tive de partir, atribuí-lhe uma recomendação (louvor) onde lhe mostrei o meu apreço e o reconhecimento da sua contribuição para o Nação.
Mais tarde, o novo governador aumentou o poder das milícias e os feitos de Daniel Roxo levaram o governador a conceder-lhe outro elogio - "A Cruz de Guerra".
Após a revolução (25 de Abril de 1974), Daniel Roxo decidiu não voltar à sua terra natal, alistou-senum Batalhão, uma força-tarefa organizada pela África do Sul (creio que se chamava Batalhão Buffalo). Os seus membros eram todos portugueses (ex-comandos e paras). Esperava-se que impedissem os comunistas do MPLA de tomar o poder em Angola. Daniel e seus soldados invadiram o sul de Angola (através do Namibe) para deter as tropas do MPLA e seus aliados cubanos. Foi nesse altura que Daniel Roxo foi morto em Angola.
Tempos difíceis fazem as pessoas revelarem sua verdadeira personalidade. Daniel Roxo manteve os seus princípios, permaneceu fiel ao seu país num período muito difícil e sombrio da História Portuguesa.
Daniel Roxo não era apenas um marido e pai dedicado ou um amigo leal, era também uma pessoa corajosa que liderou sua vida como soldado e uma pessoa de confiança.
Quanto a mim, vou me lembrar sempre dele como um verdadeiro herói.
Carlos Augusto Pereira
da Costa Matos
( Governador do Niassa de 1962 a 1966)
Lisboa, 2012
(Actualizada em 29 de Setembro de 2023)
Links consultados
VER também:
http://retornadosdafrica.blogspot.pt/2012/08/depoimento-de-ex-combatente-da-operacao.html
http://paginaglobal.blogspot.pt/search/label/CAVACO%20SILVA