O Acidente do Funchal - As Fotografias



   Fotografias do acidente do:


Boeing CS-TBR, B727-200, "Sacadura Cabral"


Acidente ocorrido no Aeroporto da Madeira.
No dia 19 de Novembro de 1977.


Tiradas por mim no dia 20 de Novembro de 1997.

Estiveram perdidas anos a fio, para desespero meu.

E um dia resolveram dar de si e apareceram, assim, sem mais...


As imagens originais eram a preto e branco e aqui estão tratadas informaticamente, também por mim.


Tentei, em algumas, dar-lhes melhor expressão, de modo a evidenciar pormenores que no conjunto das imagens dê uma ideia aproximada da dimensão do acidente. Noutras, suavizei-as para que se vissem com um olhar menos agreste.




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Santa Cruz ao fundo


Antiga ponte que dava acesso ao Aeroporto, de Santa Cruz

Asa esquerda e cockpit mais à direita, no topo da imagem
Em cima da ponte de acesso ao Aeroporto

Asa esquerda


Onde era a classe executiva e o cockpit


Cockpit e local da classe executiva
"Dentro" da fuselagem

Santa Cruz ao fundo


Resto de um brinquedo intacto em cima de um pneu


Asa esquerda


O trem de aterragem com o brinquedo intacto


A parte da fuselagem que ficou entre a pista e a ponte

O brinquedo


A parte da fuselagem que ficou antes da ponte, logo a seguir à pista.


Asa direita e trem de aterragem que ficaram antes da ponte


Asa direita e fuselagem










Topo da pista virada a Santa Cruz


Preparação para a descolagem de um avião


Asa esquerda, navio da Armada e Santa Cruz


Em cima da ponte, junto ao reactor central.


Descolagem de um avião


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Ver:
"O acidente do Funchal - O voo TP 425" - Onde descrevo os últimos minutos do voo segundo a transcrição da gravação do CVR, a "Caixa Preta" com as gravações do som no cockpit, Cockpit Voice Recorder.

Ver também:
"O acidente do Funchal - O dia seguinte" - O voo que fiz para o Funchal, quando tirei estas fotografias.

Ver ainda:
"As Bruxas do Funchal" - Alguns episódios, no mínimo estranhos, que muita gente protagonizou.




A minha Força Aérea – O dia em que voei mais rápido que o som


Sou um Mach Buster!

Bati a Barreira do Som!



      O artista quando jovem...



"Mach Buster", aquele que voou mais rápido do que Mach 1.0.
 

O termo “Número de Mach” deriva do nome do físico e filósofo Austríaco Ernst Mach, que investigou o fenómeno.
 

É um termo comummente usado para representar a velocidade de um objecto que se desloca à velocidade aproximada ou imediatamente acima da velocidade do som:

- Cerca de 340 m/s, 760 mph ou 1224km/h.

O termo "Barreira do som" está normalmente associado ao voo supersónico.

“Bater a Barreira do Som” é o processo de acelerar através de Mach 1. 

Ou seja, passar de voo subsónico, velocidade até Mach 0,99, a voo supersónico, acima de Mach 1,0.



Um F-18 Hornet passa a barreira do som



Tal barreira obviamente não existe fisicamente, mas o termo ficou.
 

Essa “barreira”, afinal, era ultrapassável com a modificação aerodinâmica dos aviões e com melhorados comandos de voo.
 

Pois eu também bati a "Barreira do som" num F-86F da Força Aérea Portuguesa. No dia 18 de Setembro de 1964, no avião matriculado 5329.






Dois F-86F da Base Aérea de Monte Real, Leiria


Até tenho um diploma dado pelo fabricante do avião, que tem um erro na data, diz 21 de Setembro, mas não foi, foi 3 dias antes.




O meu diploma de Mach Buster
 


Voar um F-86F era uma grande aventura. Antes de mais porque o avião era monolugar. Não havia simulador. O primeiro voo era feito a solo, sem instrutor lá dentro. Sem ninguém a dar uma ajuda.

Além disso estava-se na Esquadra 51. A Esquadra elite da Força Aérea portuguesa!

Descolava-se com uma imensa felicidade por se estar no ar sozinho naquele fabuloso avião, mas depois era preciso aterrar, sozinho também. Ninguém ajuda lá dentro. Ou se consegue ou…




Cockpit de um F-86F


Haver instrutor, havia, mas ia ao nosso lado, dentro de outro avião igual. E ia-nos dizendo coisas. Instruções que nos chegavam pela rádio, aos auscultadores

Era assim a instrução.

E dois dias depois de ter feito o primeiro voo mandaram-me, sem instrutor num avião ao lado, sozinho, bater a "barreira do som".

Adrenalina, stress, aventura, uma boa dúzia de ondas, outras tantas de shots, tudo à mistura! É essa a sensação, embora shots nunca tenha bebido…





A bordo do meu F-86, 5329, descolo para a missão de instrução mais desejada por todos os pilotos na altura.




Bater a barreira do som! Voar mais rápido que o som. Voar, por momentos, em silêncio. Estar à frente do som.

A subida para os 30.000’ de altitude, mais ou menos 10 km, foi feita numa crescente ansiedade. Ia juntar-me ao rol dos poucos portugueses eleitos que até essa altura tinham feito aquela manobra…

E o que tinha a fazer não era muito, mas tinha que haver disciplina, como sempre que se entra em qualquer avião, pequeno ou grande, rápido ou mais lento, seja qual for a missão.

Tudo verificado, tudo a funcionar normalmente.

Vamos a istoooo!!!


Não foi nada assim...

Não era uma habilidade de circo!

Era uma manobra descrita em manuais que se tinha de cumprir rigorosamente. Nada de menos, nada de mais.

E como é que se fazia?

Mantendo a altitude de 30.000 pés metia-se a manete do motor a fundo. Atingida a velocidade máxima em linha de voo coloca-se o avião em voo invertido - nós de cabeça para baixo - puxa-se o manche para fazer o avião apontar à terra e agora é só manter a descida, na vertical, com o motor todo metido, o altímetro às voltinhas rápidas, mas para trás, a descontar os pés já ganhos.

Agora é que é preciso a cabeça fria...

Controlar a velocidade e a altitude com muita atenção.

O avião não pode acelerar indefinidamente nem a altitude pode diminuir até não haver recuperação possível.


Mach 0.8.

Mach 0.9.

Mach 0.95.


Grande stress, muita adrenalina, isto está quase e já perdi 8000' de altitude (2,5km)!

O meu corpo deslocava-se na vertical, direito ao chão a uma velocidade que eu nunca antes atingira.


Devia estar a voar a cerca de 960km/h naquele momento. E sempre a acelerar, com o motor ainda todo metido!




Isto é obviamente uma reconstituição...



Mach 0.98.

Mach 0.99.



- Estou quase lá!


Mas a altitude desce muito, muito rapidamente! É preciso ter atenção!
 
Estou a 20.000’!

E de cabeça para baixo, direito ao chão, com o motor todo metido, a mais de 1000km/h!

Sempre a acelerar, o altímetro cada vez mais louco a desandar furiosamente através daqueles números, cada vez mais pequenos…


Mach 1.0!!!

- Vou ultrapassar a Barreira do Som!!!



O avião, provavelmente a querer dar-me um sinal de felicidade, abanou, num ligeiro estremecimento, para me dizer que estávamos a voar para além da velocidade do som, a mais de 1224km/h.


Entrei num mundo de silêncio absoluto...


Mas na vertical, direito ao chão e a continuar a aceleração!



Mach 1,05!


Era a velocidade que se tinha de atingir nesta missão de treino e só depois iniciar a manobra de recuperação.


- Ultrapassei a Barreira do Som!!!


O altímetro indicou-me que acabava de cruzar 15.000’, exactamente metade da altitude a que tinha começado a manobra.

Ainda na vertical, direito ao chão e com o motor todo metido!


- Voei mais rápido que o som!

- Bati a barreira do som!


Está na hora de recuperar o voo normal.
 
Com muita gentileza há que reduzir o motor totalmente e puxar o manche com suavidade, tenho ainda muita altitude para executar com segurança a manobra de recuperação.

E assim fui parar aos 10.000’.

Com o avião controlado e um lugar no quadro de honra dos pilotos portugueses que voaram mais rápido que o som.

O fabricante do avião, a extinta North American Aviation, brindava os pilotos que ultrapassassem aquele fictícia barreira com um pin muito bonito em esmalte e todo colorido, atestando que éramos Mach Buster's. E o diploma que já vos mostrei acima e que está exposto no meu escritório




Uma silhueta de avião bate a barreira do som


Roubaram-me o primeiro pin. Deram-me outro. Perdi o segundo pin, talvez nos anos 70 do Séc XX.


Nunca mais consegui outro, mas nunca desisti de tentar encontrar um.


40 anos dpois descobri um maduro no ebay que mo vendeu.


Aguardei a volta do correio para o receber, quase com tanta emoção como naquele longínquo dia 18 de Setembro de 1964.



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O pin chego!

Uma beleza...


Acreditem por favor: voltei a não saber onde o meti!




(Actualizada em 22 de Junho de 2018)











Na Guerra do Ultramar - Vale: 1 Drambuie


Um leasing que resultou.

O primeiro leasing na Força Aérea Portuguesa!



Para reduzir despesas, durante a minha estadia no AB 6, Nova Freixo, 1968, aluguei uma casa a meias com outro jovem piloto, também casado e também com um filho bebé, mais novo que a minha filha de pouco mais de um ano.
 

Vivíamos os 6 numa simpática moradia com um grande quintal que confinava com o quintal de um MMA (Mecânico de Aviões). Este, menos jovem, tinha um filho de uns 11 anos que era regularmente mordido na barriga pela minha adorável filha que se abraçava a ele para o fazer.
 

Por mais que dissesse aos pais do miúdo para lhe darem uma palmada quando ela fizesse aquilo, nunca resultou. Até um dia em que ao puto lhe doeu mais e alçou da mão. 

Remédio santo…
 

Mas esta história tem a ver com o meu camarada e colega de casa.
 

Era comum os aviadores do AB 6 passarem os tempos livres na nossa casa.


A Vila de Nova Freixo

Muitas tardes e noites passámos na nossa sala de estar com quem estivesse “desempregado” naquele dia, em amenas tertúlias.
 

Normalmente a esvaziar umas quantas garrafas do que houvesse…Todos contribuíamos, como é óbvio, sem grandes contabilidades pessoais.
 

Havia no entanto uma garrafa sagrada! Garrafa que nunca ia à sala, mas que toda a gente sabia que existia. E não poder chegar-lhe era uma tortura que ia roendo muito boa gente.
 

O meu coabitante da casa tinha um tesouro líquido no quarto que não convivia com o restante álcool que por ali se consumia. 

Uma garrafa de Drambuie!
 

Lembro-me que nos últimos tempos que ali vivi costumava jogar crapô com um aviador muito elegante, vestido de branco e a fumar por uma comprida boquilha em marfim. Ele bebia gin tónico puro e eu vinho do Porto, ambos em grandes copos de água…
 

Ora há sempre um dia em que se baixa a guarda e as coisas precipitam-se muito rapidamente.
 

Deu-se o caso de o meu coabitante ter ido de férias com a mulher e filho, não tendo, no entanto, as nossas tertúlias abrandado.
 

Antes pelo contrário…

A garrafa de Drambuie começou a ser um elemento essencial desses convívios, vendo-me eu obrigado a assumir a condição de guarda dos preciosos bens do nosso colega, na sua ausência.
 

Mas a pressão era enorme. Até havia excursões á cama dele para ver a garrafa aninhada debaixo dela, praticamente cheia.
 

- Até dá gosto, pá…
 

- Desculpem lá mas eu não estou para me chatear com ele…
 

E um dia alguém teve uma ideia genial. Havia uma solução honesta, muito avançada para a época em termos económico-financeiros.
 
Fazer-se um leasing!

- Faz-se um leasing, pá!

Um leasing da parte do precioso líquido consumido, coisa que me pareceu um procedimento correcto, já que salvaguardava a legítima posse do bem cativo.
 

Ou seja, o pessoal, quando lhe apetecia, ia á garrafa, enchia um cálice normal seguido do seguinte rabisco num qualquer pedaço de papel:

- “Vale: 1 Drambuie” e assinava-o com assinatura legível e legítima, data e tudo e colocava-o debaixo da garrafa, esta sempre debaixo da cama.
 

Nada a dizer… A legalidade do procedimento pareceu-me perfeita.
 

E quando as férias acabaram, lá estava a garrafa, debaixo da cama, com todo o bem líquido agora transformado em leasing legalmente representado por um belo monte de vales por baixo do vasilhame.
 

Ele nunca me pediu explicações. Também não havia nenhum vale assinado por mim… E o conjunto dos vales representava um valor proporcional ao álcool consumido.
 

São estes expedientes que fazem o mundo avançar…
 

Mas nem sempre o bem que se possui está devidamente salvaguardado.
 

E a prova é que, mesmo que todos os requisitos legais tivessem sido cumpridos, o leasing do Drambuie resultou numa perca total do bem para o seu legítimo dono que não reclamou o líquido emborcado.
 

Um mecenas involuntário que, mesmo sem o desejar, proporcionou ainda assim bons momentos de convívio entre aqueles que sabiam como tudo iria acabar, enquanto saboreavam aquela preciosidade.

 

E eu nem gosto de Drambuie…
  




(Actualizada em 29 de Abril de 2014)





Na Guerra do Ultramar - Estás em Nº1 para te matares!

 
 A humildade compensa...


Quando cheguei a Vila Cabral, AM 61, 1967, para iniciar a minha actividade neste destacamento do AB6, Nova Freixo, tive a incómoda sensação de ser recebido pelos meus camaradas pilotos como se eu fosse um extraterrestre.


Um T-6

Afinal eu era o mais velho, o mais experiente mas o mais novato ali. Tinha voado pelo menos mais três aviões que eles. E um deles era o F-86, na altura o avião de elite da Força Aérea Portuguesa.

Nesse mesma tarde o Comandante do Destacamento, um Alferes Miliciano que eu nunca tinha visto, aliás como todos os outros, depois de uma amena conversa em que começou a perceber quem eu realmente era, foi mostrar-me a zona onde passaria a operar durante os próximos meses.

Voámos em dois aviões até aos montes que começavam a 10 minutos dali.

Fiquei a conhecer as maminhas da Gina, aquela formação rochosa em forma de seios a quem associaram a Gina Lolobrígida.

As maminhas da Gina
O Lago Niassa não fica longe.

Dois T6 a voar naquela paisagem deslumbrante do Niassa.

Uma hora depois, em plena placa, ainda a tirar o capacete, o Alferes Comandante da Unidade diz-me:

- Sabes, Cavaleiro, eu não quis só mostrar-te a zona. Eu agradeço-te que me digas, tu que vens dos jactos, o que achas da minha pilotagem.

Complicado de se ouvir, assim a frio, sem mais.

Momento difícil na vida de alguém acabado de chegar a uma comunidade em que não conhecia rigorosamente ninguém.

Eu sempre quis partilhar tudo o que sei, com gosto de enriquecer os outros com os meus melhores conhecimentos. Em qualquer campo.

E como sempre fiz em todo e qualquer voo, antes e depois deste, durante as manobras tinha observando tudo o que me pareceu bem e menos bem na pilotagem daquele jovem muito pouco experiente e que me iria chefiar.

Era afinal um dos jovens pilotos fresquinhos, acabadinhos de ser brevetados na Base Aérea de Sintra e imediatamente destacados para o Ultramar, meu superior, a pedir-me, do alto da minha muito maior experiência e competência, achava ele humildemente, que o ajudasse a corrigir o que estivesse hipoteticamente mal no seu desempenho,

Não me foi pois complicado dar-lhe de muito bom grado e honestamente a informação que me pedia.

E aquele humilde pedido de ajuda revelava muito do seu carácter. Merecia sem dúvida ser mesmo ajudado. Era bom para ele e até para a condução das operações em que me ia integrar.

E meu dever para com a Força Aérea que tanto me tinha dado. Estava na hora de retribuir…

Como sempre foi meu hábito, fui frontal. Se era para o ajudar tinha que lhe dizer exactamente o que pensava. E não foi difícil. Já tinha visto o suficiente para formar a minha opinião e entregar-lha no formato mais convincente possível:

- Estás em Nº1 para te matares!

Expliquei-lhe então o porquê de tão radical opinião.

Tive ocasião de verificar mais tarde que esta foi uma conversa muito útil.

Ficámos grandes amigos desde esses momentos. Ele ainda está vivo, apesar de alguns AVCs… Vive no Rio de Janeiro.

E a minha admiração por ele reforçou-se quando mais tarde me contou parte da sua infância. Afinal tinha andado a vender jornais, descalço, no Porto. E era como que protegido pelo grande Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes, exilado por ordem de Salazar entre 1959 e 1969.





(Actualizada em 29 de Abril de 2014)




A minha Força Aérea - Luz do óleo acesa em F-86F



 As coisas que podem acontecer a um jovem aviador aprendiz!

Os primeiros voos em F-86, na Esquadra 51 em Monte Real, eram sempre uma experiência vibrante. Todos queriam cumprir à risca a exigente disciplina e estar à altura do que era esperado de todos nós. Afinal tínhamos a sorte, mas também o mérito, de voar o avião no topo da hierarquia de todos os da Força Aérea Portuguesa.

Um avião monolugar para o qual não havia simulador. Era entrar e fazer o primeiro voo consciente de que poderia ser o último. Mas na nossa Força Aérea nunca aconteceu…

E numa esquadra em que havia Oficiais da Academia Militar, de Majores (o nosso Comandante de Esquadra) a Alferes (estes, obviamente, ainda sem muita experiência) Sargentos-ajudantes e 1ºs Sargentos (muito, muito experientes) e Furriéis (a caminho de virem a ter alguma experiência…) as saudáveis rivalidades nunca chocavam com as competências e os deslizes de uns e outros.

Deslizes, deslizes, todos tínhamos. Mas pagávamos por isso. Em multas a que chamávamos bicadas. Em escudos depositadas num mealheiro que era aberto ao fim do mês para ajuda de jantares. Indescritíveis jantares onde valia tudo. Por vezes a convite de Administrações de Caves de vinhos, cujas primeiras "vítimas" eram eles mesmos, os Administradores. Mas a amizade era assim cimentada. Tempos de guerra, de quem já lá tinha estado ou para lá caminhava ou voltava. Amizades destas perduram toda a vida. Quase 50 anos depois as relações estão intactas!

O Comandante da Base, Coronel Soares de Moura, promovido a Tenente Coronel e a Coronel por distinção, era, obviamente, o mais digno aviador.

No caso dos Furriéis, Ary, Leite da Silva e eu, estas questões entre nós não se punham em termos de rivalidades mas sim num feroz combate ao erro, à indisciplina, ao facilitismo. Éramos muito críticos uns dos outros. E como vivíamos numa casa que alugámos no meio da vila de Monte Real, era fácil este lavar de roupa suja.

Só entre nós, normalmente depois do jantar, de modo a que no dia seguinte as coisas voltassem ao rigor que nos impúnhamos. A nossa grande amizade (que perdura e perdurará sempre, afinal ambos são meus Padrinhos de Casamento…) nunca deixou nenhum de nós os três para trás.


Ary Meca Murraças, Leite da Silva e eu

Além disso tínhamos os Sargentões todos à perna! Ai de nós se algum fugia um milímetro da linha…

Aquela Base Aérea foi a minha maior escola de vida.

Muita camaradagem mas só para quem cumpria. Era preciso ser o melhor, ou pelo menos demonstrar que se lutava para isso.

E quando se subia para o avião, naqueles dois passos mágicos, sem escada, caia-nos subitamente em cima todo o rigor necessário para a execução rápida dos procedimentos. O timming era para cumprir, os procedimentos para executar à risca mas a segurança não era para desprezar, de modo algum!

Quando o Comandante da Esquadrilha (4 aviões que iriam voar juntos) estivesse pronto, os outros três aviadores dentro dos seus aviões já deviam estar à espera do sinal para deixar o estacionamento rumo à pista.

Nos primeiros voos era uma terrível azáfama para fazer tudo bem e no tempo certo. Faltava-nos sempre o tempo.

Sobravam sempre as mãos...

E quando uma contrariedade acontecia era como se o mundo estivesse prestes a acabar. Principalmente se era fruto de algo errado que tivéssemos feito.

Quando tal acontecia, com os segundos a passar aos dois e três de cada vez, havia que voltar a verificar muito rapidamente os procedimentos todos de novo antes de declarar a nossa eventual incapacidade em prosseguir a missão.

Situação delicada… fui eu que meti os pés ou isto está mesmo a acontecer!?

Num dia assim, um aviador dos menos experientes mas muito dedicado e competente descobre que tem uma luz acesa, quando já estavam todos prontos para sair da placa de estacionamento com os reactores a rugir.

O comandante da Esquadrilha, ciente do breve atraso, tentava já perceber o que se passava sem querer apressar o novato.

A luz, mais brilhante que o Sol, como lhe parecia naquele aperto, mesmo no meio do painel de instrumentos, faiscante à frente dos seus olhos era amarela e dizia:

-  “Low Oil Pressure”.

Terrível, terrível!

Avaria grave, quando se sabe que os motores precisam de óleo para suavizar o atrito entre as partes que se movem a grande velocidade. Sem óleo um motor está condenado.

E aquele voo também parecia estar condenado, logo à partida.

- É preciso ter azar…

E agir com rapidez!

O motor pode gripar, como o de qualquer corta relva…

Enfim, um grave impedimento para a execução do voo a pedir a intervenção pronta da Manutenção, ainda por cima agora que já estão todos os reactores a trabalhar o que impede uma circulação livre à volta dos aviões pelo perigo de alguém ser sugado ao passar em frente deles.

O nosso aviador aprendiz faz sinal ao Cabo Mecânico que sobe lá acima e inteirado do problema, estudada a situação rapidamente, considera-se também incapaz de dar andamento ao problema e vai chamar o chefe da Linha da Frente, sempre a andar por ali a supervisionar as coisas.

- Luz do óleo do motor, acesa? Coisa estranha e pouco comum… vamos lá ver o que se passa.




O nosso 1º Sargento Mecânico, daqueles homens que todos nós, pilotos, conhecemos, profundamente conhecedores dos aviões que têm a seu cargo, sábios também na maneira de lidar com aviadores a cheirar ainda a pó de talco, ou mesmo dos outros a cheirar a Gitanes sem filtro e dentes amarelos, dirige-se rapidamente ao avião e sobe.

- Então, o que se passa?

O stressado aviador, estica o braço e com um dedo aponta, infeliz, para a ofuscante luz amarela.

- A luz do óleo! A luz do óleo!

Mas ninguém o consegue ouvir.

Com todo aquele barulho e de capacete na cabeça, o diálogo não era fácil. Mas lá se entenderam.

O nosso muito competente 1º Sargento, chefe da Linha da Frente, o barulho de todos aqueles reactores a entrarem-lhe pelos ouvidos, dá uma rápida olhada a todos os instrumentos do cockpit, analisa a situação e embora habituado a algumas asneiras naturais em novatos, é com alguma bonomia e muito espanto, mas com um sorriso que qualquer Pai faria em situação semelhante, que dá uma pequena palmada no ombro do aviador e diz-lhe bem alto, tão alto que ele ainda hoje deve ouvi:

- Ó nosso Alferes! Porque é que não experimenta pôr o reactor a trabalhar!?...

Para quem não está dentro destes assuntos, aquela luz só acende quando, estando o reactor a trabalhar, falha a circulação do óleo pelo motor.

Ou, como neste caso, com o reactor ainda parado… à espera que alguém lhe tivesse ligasse a ignição, como já devia ter feito… e por stress se esquecera.

Este muito jovem Top Gun era muito divertido, muito bom camarada, excelente piloto e com uma sólida formação.

Ocupou mais tarde altos cargos na Força Aérea.

Para ti, um grande abraço...



(Actualizada em 19 de Abril de 2016)