Esta história, recheada de inacreditáveis peripécias, muita capacidade de superar dificuldades inimagináveis, dedicação extrema de tantos que serviram exemplarmente o seu país, tem ainda um forte aroma a guerra secreta, um forte odor acre a espiões, agentes secretos amantes de golfe e desertores que afinal o não são, simulando sê-lo...
Uma história tão secreta que não há alguns documentos importantes arquivados, que se saiba.
Mas os intervenientes são conhecidos.
E como leais servidores desta estranha pátria actual, permanecem calados mas certamente em paz com a sua consciência.
Para mim tem ainda o grande atractivo de estar recheada de muita gente que conheci e conheço.
E embora num papel muito modesto, muito modesto mesmo, eu também participei numa pequena parte da acção.
Esta é a história muito resumida da vida das Lanchas da nossa Marinha de Guerra que operaram em Moçambique no Lago Niassa e de tantos conhecidos ou anónimos que cuidaram delas, de uma ou de outra maneira.
Usei muita informação de várias fontes, de muitos blogues, com muitas fotografias de que me “apoderei”, como tantas que encontro que eu coloquei na net…
No final desta história encontrarão todos os sítios que visitei para completar o que sabia e eu mesmo vivi e conto aqui, com o muito que não sabia.
A todos, o meu obrigado. Sem o vosso precioso auxílio não poderia contar o que aqui deixo.
Vamos à história!
As instalações do Comando de Defesa Marítima dos Portos do Lago Niassa, em Moçambique e a Base Naval de Metangula foram inauguradas em 1963 e nesse mesmo ano, com o fito de homenagear um distinto oficial de Marinha e cientista muito ligado àquela região, Augusto de Melo Pinto Cardoso, a localidade passou a denominar-se “Augusto Cardoso”.
Erro crasso já que nunca veio a ser conhecida por aquele ilustre nome. Eu sempre conheci a terra como Metangula e em 1975 voltou a chamar-se assim, oficialmente.
A situação de conflito com a Frelimo, o valor estratégico do vasto Lago Niassa e a sua confluência com vários países já independentes, levaram à criação, um pouco mais tarde do Comando de Esquadrilhas de Lanchas do Lago Niassa, CELN, que foi depois apetrechado com várias unidades navais, como LFPs (Lanchas de Fiscalização Pequenas), LDMs e LDPs (Lanchas de Desembarque Médias ou Pequenas).
Devido ao conflito entre o Estado Português e o Movimento de Libertação Frelimo, os EUA, que favoreciam a descolonização, não queriam autorizar a venda de material de guerra a Portugal.
Numa visita turística que fiz em 1972 à sede das Nações Unidas, numa estadia que tive em Nova Iorque como Co-Piloto de Boeing 707 da TAP, na grande sala do Conselho a guia disse aos presentes:
“Aqui discute-se a independência das colónias portuguesas”.
A aquisição de embarcações adequadas à estratégia nacional nos vários teatros de guerra passou assim pela criação de uma “empresa privada”, a Progresso Lda que negociou com a americana “Fairbanks Morse” a compra de excedentes da 2ª Guerra Mundial, algumas embarcações do modelo americano USN LCM-6.
Tendo-se conseguido os planos técnicos dessas embarcações, foram posteriormente construídas outras unidades nos Estaleiros Navais do Mondego
Havendo agora o equipamento era necessário coloca-lo no Lago Niassa, que fica a 650km em linha recta do Oceano Índico…
E foi em 1966 e 1967 que se arquitectou um elaborado e faraónico esquema de transportar umas quantas Lanchas de Fiscalização e Desembarque desde Portugal e Angola para o Lago Niassa, no meio do Continente Africano.
Foi utilizado tudo o que mexia!
Como principalmente os homens que o executaram mas também o muito de que se serviram:
- Grandes navios cargueiros
- Grandes gruas dos portos.
- Comboios.
- Grandes camiões e atrelados gigantes.
- Pontes propositadamente rectificadas, e outras construídas de propósito, algumas por cima das originais.
- Comandos que guardaram aqueles “terrestres” navios e quem cuidava deles.
- E também os aviões da Força Aérea que no ar tentavam dissuadir a Frelimo de atacar aqueles extraordinários comboios.
Que a muito custo, com muita coragem e sobretudo com muito querer progrediam pela selva africana, centenas de infindáveis quilómetros, conquistados literalmente palmo a palmo.
As Lanchas, adormecidas, viajaram 500km embarcadas em vagões dos Caminhos de Ferro de Moçambique, dos portos de Nacala e do Lumbo, no Índico, para o Catur, já na província do Niassa e depois mais de 250km de estradas e pontes rodoviárias que tinham de suportar os enormes camiões e atrelados, até ao porto lacustre de Meponda, já no Lago Niassa.
Uma homérica aventura essa extraordinária façanha!...
As Lancha de Desembarque LDM 400 eram o principal meio de desembarque dos Fuzileiros da Marinha.
Desenho de Luís Filipe Silva
Características dos navios:
DESLOCAMENTO:
59,5 toneladas
DIMENSÕES:
17,8 x 5 x 1 metros
PROPULSÃO:
2 motores a diesel FODEN FD6 MK - 374hp
2 hélices
GUARNIÇÃO:
Cabo: 1 (Patrão da lancha)
Marinheiros: 3
Total: 4
CAPACIDADE DE CARGA:
80 militares / 35 toneladas de carga / 1 viatura blindada até 32 toneladas / 1 camião de 6 toneladas / 2 viaturas ligeiras
SISTEMAS DE ARMAS:
1 Peça OERLIKON Mk2 de 20mm/65 (2 Km de alcance)
2 Metralhadoras MG-42 de 7,62mm
VELOCIDADE MÁXIMA:
9,2 nós (16 km)
EMPREGO OPERACIONAL:
- Transporte e apoio logístico (mantimentos, munições, etc);
- Embarque e desembarque de tropas;
- Serviço público.
A LFP (Lancha de Fiscalização Pequena), “Castor”- P 580 foi a primeira que ficou colocado sob comando do CELN em Novembro de 1963.
Primeira e única daquela classe, foi embarcada no N/M Sofala em 20 de Agosto de 1963 com destino ao porto de Nacala onde chegou a 25 de Setembro desse ano.
N/M Sofala |
A LFP “Régulus”- P369 da classe “Antares” ”, embarcada a bordo do N/M Rovuma, em Luanda, no dia 14 de Setembro de 1965 depois de ali ter prestado serviço desde Janeiro de 1962, foi o 2º navio colocado no CELN, em Novembro de 1965.
N/M Rovuma |
As primeiras lanchas a chegarem, desembarcaram no porto do Lumbo, próximo da Ilha de Moçambique. Decidiu-se que seriam depois encalhadas para poderem ser transportadas por terra. Coisa aparentemente simples, dada a pequena tonelagem e baixo calado das lanchas.
Mas o transporte da ”Régulus”, numa altura em que o conflito armado já começara, mostrou-se bastante difícil, entre outras razões porque durante o transporte de comboio ao passar num dos cruzamentos da via e por excesso de velocidade, a plataforma descarrilou saltando o navio sobre o berço, ficando a mesma deslocada cerca de 50 cm.
A ”Régulus” |
A operação de recarregamento da plataforma levantou alguns problemas muito difíceis de superar, seguindo depois de completada a operação até Catur, onde se procedeu a nova transferência para uma outra plataforma, agora rodoviária que seguiu via Vila Cabral, até Meponda. Nas margens do Lago Niassa
Reposta a flutuar, rumou a Norte para Metangula.
As lanchas LFP “Mercúrio” e “Marte” mais duas LDM e uma LDP, chegaram ao porto de Nacala no início de Setembro de 1965.
Mas porque não correu bem a manobra de encaixe dos navios nas plataformas ferroviárias, os atrelados dos Caminhos de Ferro que suportariam as Lanchas desembarcadas na maré alta, os Caminhos-de-ferro de Moçambique desistiram da operação, tendo as lanchas voltado ao mar.
Mas porque não correu bem a manobra de encaixe dos navios nas plataformas ferroviárias, os atrelados dos Caminhos de Ferro que suportariam as Lanchas desembarcadas na maré alta, os Caminhos-de-ferro de Moçambique desistiram da operação, tendo as lanchas voltado ao mar.
E foi então que o Comando Naval de Moçambique decide organizar uma grande operação conjunta dos três ramos dar Forças Armadas, terra mar e ar para levar aquelas lanchas desde o Índico até ao Lago Niassa, ao porto lacustre de Meponda, de onde seguiriam pelos seus próprios meios para Metangula, umas milhas a Norte, já a navegar no grande lago.
A primeira operação com o nome de código “Atum”
teve início no dia 13 de Setembro de 1965.
Depois, na maré alta com carris já submersos e o atrelado em posição colocaram as embarcações sobre este e esperaram pela maré vazante para que as lanchas ficassem na posição certa quando os carris estivessem novamente fora de água.
A operação de transporte decorreu sob comando de um oficial do Comando Naval de Moçambique, e contou com escolta dos Comandos. Um agrupamento formado meses antes na Namaacha, perto de Lourenço Marques, que garantiu a segurança aos homens e material. Ao Alf. Comando Cabral Sacadura que comandou esta unidade foi ainda atribuída a responsabilidade de autorizar ou não a circulação de comboios entre o Lumbo no Oceano Índico e Catur na província do Niassa, já perto do grande lago para dar total prioridade ao transporte das Lanchas.
Durante esta última parte do trajecto, por estrada, foi necessário destruir alguns muretes das pontes, porque as lanchas eram mais largas que algumas delas.
Noutros sítios foi necessário construir autênticos viadutos com travessas em madeira, para elevar as muito pesadas embarcações em cima dos enormes atrelados e vencer dessa forma os obstáculos.
Toda esta actividade foi realizada à custa de muita força bruta de homens, numa incrível operação extraordinariamente épica mas muito bem-sucedida.
À Força Aérea foi pedida a colaboração na segurança e dissuasão
de possíveis ataques dos combatentes da Frelimo entre o Catur e Meponda.
Fiz vários voos desses que se limitavam a ter de andar por cima dos camiões e atrelados carregados com as grandes Lanchas, armado de metralhadoras ou rockets na esperança que algum hipotético ataque fosse imediatamente neutralizado.
O único problema que tive foi o tédio da missão. Andava por ali até ao limite do combustível, sendo substituído por outro camarada, isto em contínuo, até ao anoitecer.
Que me lembre o único momento mais entusiasmante deu-se com o meu amigo Capitão Piloto Mira Godinho.
Descolado de Vila Cabral, a sua missão era de prevenção. Fiscalizar as pontes não fosse haver tentativas de sabotagem.
E uma bela manhã, debaixo de uma delas, bem grande por sinal, o Mira Godinho apercebe-se de que três almas suspeitas e aparentemente de uniforme, não se percebia bem, procediam a manobras pouco claras.
Uma ou duas passagens mais baixas e nada. Aqueles homens não queriam aparecer.
Activadas as metralhadoras o Mira Godinho efectua uma manobra sobre o rio e desce ao nível da ponte, aquelas 3 almas, a segundos de partirem para o Além, na mira certeira, é agora, gatilho puxado e nem adeus disseram…Não acredito!
Ou melhor, não ligaram nenhuma apesar da manobra.
Aconteceu que as metralhadoras encravaram…
À segunda tentativa novamente falhada, como que a agradecerem, os três militares do nosso Exército ali em patrulha de segurança também, debaixo da ponte, subiram calmamente à ponte e finalmente disseram-lhe um sentido adeus.
Se eles soubessem…
A Operação “Atum”, de transporte da LDM 404, terminou a 19 de Dezembro de 1965, quando as lanchas navegando desde Meponda, chegaram a Metangula, e a escolta regressou ao Lumbo.
As LDM 405 e LDM 408 foram transportadas em Abril de 1966.
E a LDM 407 em Agosto de 1967 ao abrigo da "Operação Roaz".
Finalmente a chegada a Meponda de uma das lanchas:
Em 1967 o CELN recebeu também as duas últimas embarcações LFP, “Saturno” e “Urano”. Estas embarcações completaram a força naval no lago Niassa.
Nas LFP Castor, Régulus, Marte, Mercúrio, Saturno e Urano, estiveram como comandantes a prestar serviço, mais de quatro dezenas de oficiais, a maioria dos quais da Reserva Naval.
A vida das Lanchas, com este começo épico não poderia continuar então na modorra e beleza do local com os seus estonteantes pôr-do-sol sobre o Lago, em grandes letargias, sem mais histórias.
Além das inúmeras acções de suporte e combate ao longo das margens do Lago Niassa, a cargo do Fuzileiros, as Lanchas deram “emprego” a mais cidadãos, militares ou não.
Assim, em Metangula a Marinha tinha ao seu serviço um pequeno avião Cessna que se dizia tinha sido “requisitado” (nós, na Força Aérea dizíamos roubado) a um Aero-Clube e que servia de ligação mais rápida com Vila Cabral.
Nunca tirei a limpo a situação real daquele avião. Mas conheci muito bem quem o tripulava, o CTEN Manuel da Silva Rodrigues que pertencera a Aviação Naval e agora desempenhava as funções de Chefe do Estado-Maior do Comando de Defesa Marítima dos Portos do Lago Niassa.
Eu, eu também era misto…
Militar, Sargento Miliciano piloto, também não usava as instalações da Base. Vivia com a minha mulher e filha em casa do Director do Aeroporto, de quem era e sou amigo desde a juventude compartilhada no Colégio Nuno Alvares, em Quelimane, anos 50.
Alguns anos depois o Comandante Silva Rodrigues viria a juntar-se à TAP, já depois de mim, e fomos assim colegas no mesmo ramo aeronáutico. Acontece que ele é Tio da mulher de um meu grande amigo. E esse amigo, o Pedro, é filho do Dr. Gouveia e Melo, Governador Civil da província da Zambézia, também nos anos 50 e portanto chefe do meu Pai, que foi Administrador de Circunscrição de Quelimane.
A placa da Base em Vila Cabral, com T 6 e Dorniers DO 27
A vida das Lanchas, com este começo épico não poderia continuar então na modorra e beleza do local com os seus estonteantes pôr-do-sol sobre o Lago, em grandes letargias, sem mais histórias.
Além das inúmeras acções de suporte e combate ao longo das margens do Lago Niassa, a cargo do Fuzileiros, as Lanchas deram “emprego” a mais cidadãos, militares ou não.
Assim, em Metangula a Marinha tinha ao seu serviço um pequeno avião Cessna que se dizia tinha sido “requisitado” (nós, na Força Aérea dizíamos roubado) a um Aero-Clube e que servia de ligação mais rápida com Vila Cabral.
Nunca tirei a limpo a situação real daquele avião. Mas conheci muito bem quem o tripulava, o CTEN Manuel da Silva Rodrigues que pertencera a Aviação Naval e agora desempenhava as funções de Chefe do Estado-Maior do Comando de Defesa Marítima dos Portos do Lago Niassa.
Aeroporto de Lichinga, ex-Vila Cabral - Imagem actual |
Na altura não passámos do protocolar cumprimento militar para além da incomodidade de a Força Aérea e a Marinha (coisas deste estranho país…) não se entenderem e o avião não ser autorizado a estacionar e pernoitar dentro da Base Aérea em Vila Cabral. Era para todos os efeitos um avião civil (matricula e tudo) e como tal ficava na placa civil do Aeroporto que partilhava a pista com a Força Aérea.
Eu, eu também era misto…
Militar, Sargento Miliciano piloto, também não usava as instalações da Base. Vivia com a minha mulher e filha em casa do Director do Aeroporto, de quem era e sou amigo desde a juventude compartilhada no Colégio Nuno Alvares, em Quelimane, anos 50.
Alguns anos depois o Comandante Silva Rodrigues viria a juntar-se à TAP, já depois de mim, e fomos assim colegas no mesmo ramo aeronáutico. Acontece que ele é Tio da mulher de um meu grande amigo. E esse amigo, o Pedro, é filho do Dr. Gouveia e Melo, Governador Civil da província da Zambézia, também nos anos 50 e portanto chefe do meu Pai, que foi Administrador de Circunscrição de Quelimane.
A placa da Base em Vila Cabral, com T 6 e Dorniers DO 27
Como curiosidade, este Dr Gouveia e Melo, tinha um irmão mais novo, Advogado, em Quelimane.
Este senhor, o Advogado, é Pai do Vice Almirante Gouveia e Melo que tão brilhantemente nos ajudou a combater a epidemia de Covid 19 em 2021...
Mas não é tudo…
Voltemos a Metangula, agora em 1968.
Uma manhã na Base Aérea em Vila Cabral recebemos uma mensagem via rádio a dar conta de movimentos suspeitos de uma embarcação no Lago Niassa que se supunha estar ao serviço das forças da Frelimo.
Era preciso ver o que era e eventualmente abater aquele alvo.
Saímos dois aviões T-6 carregados de bombas para uma zona um pouco a Norte de Metangula. O meu chefe era um Alferes Piloto Miliciano.
Nem meia hora de voo depois de iniciarmos as buscas no Lago a embarcação é finalmente avistada.
As tentativas de contacto via rádio, como era de esperar dadas as dificuldades habituais de contacto entre aviões e quaisquer outras forças no terreno ou na água, não deram em nada. Nem a guarnição se quis mostrar, mantendo o rumo mais ou menos em direcção ao Malawi.
Tinha armamento visível a embarcação mas ninguém se mostrou preocupado em aparecer. Nenhum símbolo identificável. Uma nave mistério que se aproximava sorrateiramente da fronteira marítima, afastando-se de Moçambique.
Aí o meu chefe perde a paciência e resolve bombardear o inimigo.
Quase já em passe de tiro para largar as bombas, peço-lhe calma e que reconsidere mais uma vez.
Tudo aquilo me parecia estranho.
E foi quando, não o conseguindo demover mais, ele resolve abater mesmo aquele alvo e se faz novamente ao passe de tiro, que aquelas almas da nossa Marinha, Fuzileiros de Metangula, tripulantes daquela Lancha que nunca viramos nenhuma a navegar, resolvem aparecer e acenam para nós…
Se estes também imaginassem o que lhes esteve quase a acontecer…
E agora falemos da tal guerra secreta.
Com um forte odor acre a espiões, agentes secretos e desertores
que afinal o não são, que vos prometi no início desta história.
A partir de 1964 três países viviam junto ao Lago Niassa.
Tanzânia e Malawi independentes e a Portuguesa Província Ultramarina de Moçambique.
Com a independência da Tanzânia em 9 de Dezembro de 1961 (Ex Tanganica, que foi uma colónia alemã entre 1880 e 1919) o Lago Niassa, o 3º maior de África, torna-se a partir de 1964 um lugar de grande importância estratégica. A Tanzânia adquire um estatuto de país profundamente anticolonialista, servindo de base de apoio aos movimentos de independência das colónias portuguesas.
O Malawi anteriormente Niassalândia ou Protectorado de Niassalândia foi um protectorado britânico criado em 1907, quando o antigo Protectorado Britânico da África Central alterou o seu nome. Entre 1953 e 1963, a Niassalândia foi parte da Federação da Rodésia e Niassalândia. Depois de a Federação ter sido dissolvida, a Niassalândia tornou-se independente da Grã-Bretanha em 6 de julho de 1964 e foi renomeada Malawi.
A Frelimo lançou sua primeira ofensiva em território Moçambicano em Setembro de 1964
Ao contrário da Tanzânia, o Malawi enveredou por uma solução meio ambígua, mantendo relações com Portugal, ao mesmo tempo que permitia alguma mobilidade à Frelimo.
Portugal conseguiu obter as boas graças do líder da Malawi Hastings Kamuzu Banda, cujo cônsul honorário em Moçambique era o controverso engenheiro Jorge Jardim que fora subsecretário de Salazar.
Hotel Embaixador, na Beira - foto da época |
Conheci o Engº Jorge Jardim em 1958, em casa dos meus primos Saul e Aida Brandão, num jantar de família, estando eu a frequentar o 6º Ano do Liceu Pêro de Anaia na Beira. O meu primo era ali um grande empresário, sendo por exemplo o proprietário do Hotel Embaixador.
Ver aqui uma breve biografia do Engº Jardim, neste Blogue.
É a última biografia das 3 que estão na história
O Engº Jardim tinha relações privilegiadas com o poder, relacionando-se directamente com Salazar e depois com Marcelo Caetano.
São conhecidos inúmeros contactos seus junto das chefias militares que actuavam em sintonia com ele em operações coordenadas, semiclandestinas.
E Metangula e as suas Lanchas de Desembarque e Fiscalização tornaram-se óbvios mecanismos de controlo naval da guerrilha emergente no Norte de Moçambique, com o apoio dos seus vizinhos Independentes.
E o Malawi era um polo demasiado atractivo e acessível para ser descartado.
E foi fácil negociar e chegar a acordo em 1968 de modo a colocar, com controlo dissimulado, uma lancha de Metangula ao “serviço” da inexistente Marinha do Malawi.
A Lancha seria colocada em Nkata-Bay, na margem Malawiana do Lago. A primeira unidade naval daquele Estado.
A formalização do acordo entre o Estado Português e o Malawiano foi celebrada no dia 5 de Agosto de 1968 em Metangula com a entrega da Lancha “Castor”, “por empréstimo”, rebaptizada “John Chilembwe”.
Tratou-se afinal de uma bem urdida e secreta manobra. De tal modo que não se conseguem encontrar documentos que o comprovem em nenhum arquivo conhecido.
Mas sabe-se quem formalizou o acordo. Nesse dia, estavam presentes em Metangula entre outras individualidades, o Comodoro Tierno Bagulho, Comandante Naval de Moçambique, e “em representação” do governo do Malawi, Aleke Banda, ministro da Economia e presidente do Malawi Youngers Pionners.
Existe no entanto um relato feito nos anos 80 e logo pelo primeiro Comandante da “Lancha Malawiana”, um oficial que “se passou para o outro lado”.
Este “desertor” (o ex-Comandante da Lancha “Mercurio”) que já o era antes da transacção, assistiu inclusivamente à entrega da Lancha “Castor” já como oficial da Marinha do Malawi. Que passou a existir ali, com um navio português e um único Oficial, também português…
Era o Engenheiro Manuel Alexandre de Sousa Pinto Agrelos.
Com o novo comandante da lancha seguiram o marinheiro telegrafista Mário Fernandes e o cabo fogueiro Martinica, que foram graduados, respectivamente, em segundo e primeiro-sargentos da Marinha de Guerra do Malawi. O resto da guarnição pertencia aos Young Pioneers, uma espécie de «guarda pretoriana» do regime ditatorial de Hastings Banda.
Naquela cerimónia esteve também e obviamente o Engenheiro Jorge Jardim, cônsul honorário do Malawi em Moçambique. Jardim ficou a pagar o salário de Manuel Agrelos, que o depositava numa conta especial de um banco.
Jorge Jardim passou a ser o interlocutor das informações que o oficial português da Marinha do Malawi lhe fornecia.
Manuel Agrelos, praticamente o “Ministro da Marinha” do Malawi, passou a participar nas reuniões do Conselho de Ministros Malawiano e teve vários encontros ao mais alto nível, não só com o “seu” Presidente Hastings Banda mas também com altos dirigentes da Frelimo, inclusive com Eduardo Mondlane.
Nada de muito estranho neste recente país Africano, já que o seu próprio Presidente não era quem dizia ser, tendo sub-repticiamente assumido a identidade de um estudante de medicina da Niassalândia que um belo dia desapareceu em Londres sem deixar rasto.
Um senhor que nem conseguia falar a “sua” língua natal e que quando as desconfianças sobre a sua identidade ultrapassaram o limite resolve ir “à terra da sua família” onde uma tia conhecia um sinal do sobrinho numa perna. Lá chegados a tal tia foi levada a uma sala e saiu de lá a dizer que sim. Era o seu sobrinho. Esta senhora passou a viver muito confortavelmente na vida, até ao fim dos seus dias…Teve sorte. Ficou com a cabeça e com muito dinheiro para tudo...
O Presidente não era casado mas havia uma senhora, Miss Cecilia Kadzamira Tamanda, cujo título oficial era "official hostess of the Government of Malawi" familiarmente conhecida como "Mama ou Mãe da Nação" a quem ele, quando morreu deixou a fortuna avaliada em 458 milhões de dólares. Nada mau…
No Diário de Notícias do dia 22 de Abril de 2004, num artigo de Serafim Lobato, autor do Blogue “Tabanca de Ganturé” de onde compilei a maior parte deste relato, pode ler-se:
«…a flotilha de lanchas de Metangula passava a ser abastecida em gasóleo vindo do Malawi.
A lancha de desembarque média, que ia buscar o combustível, levava um logótipo da SONAP (a GALP na altura) e os membros da guarnição tinham fardas da mesma companhia petrolífera portuguesa.
Agrelos foi, durante muito tempo, um enigma para muitos dos «brancos» que gravitavam, de uma maneira ou de outra, nas mesmas funções no interior das Forças Armadas do Malawi, principalmente os ingleses.
Quem seria aquele branco, que se apresentava completamente desligado das Forças Armadas portuguesas, e que falava fluentemente inglês?
Com o tempo, aceitaram-no e começou a frequentar os selectos clubes «europeus» mantidos, apesar da independência, naquela antiga colónia.
A sua missão «tipo James Bond» decorreu, pacificamente, até que terminou a sua comissão de serviço em 1969.»
O Manuel Agrelos foi depois Comandante da TAP onde evidentemente nos encontrámos. Foi Instrutor mas também amante do golfe.
Sempre foi e é muito estimado ente todos nós, tripulantes da TAP.
Quando publiquei esta história, ele era Presidente da Federação Portuguesa de Golfe.
Metangula, o Lago Niassa e Moçambique ficarão indelevelmente ligados à História da Marinha de Guerra e à importância da participação da Reserva Naval na construção dessa memória histórica.
O Lago Niassa é um verdadeiro mar. Dizem que tem tantas milhas de comprimento como dias tem um ano e tantas de largura como as semanas desse mesmo ano.
Para verem todas estas fotografias e outras aqui não publicadas, vão a:
"Álbum de Fotografias das Lanchas do Lago Niassa"
A recolha de informações escritas e de imagens foi possível através destes sítios da Internet por onde andei:
http://tabancadeganture.blogspot.pt/search?q=agrelos
http://desenvolturasedesacatos.blogspot.pt/2014/04/historia-da-guerra-colonial-23-accoes.html
http://maneldarita.blogspot.pt/2013_06_01_archive.html
http://reservanaval.blogspot.pt/2009_02_01_archive.html
http://companhia2fz.blogspot.com/
http://reservanaval.blogspot.pt/2009/02/navegando-do-indico-ao-lago-niassa-3.html
http://www.blogger.com/profile/03865066644318097470
http://gaivotasnoniassa.blogspot.pt/2010/01/1-1.html
http://reservanaval.blogspot.pt/2009_05_01_archive.html
http://picaorelha.blogspot.pt/2013/07/transporte-de-lanchaspara-o-lago-niassa.html
http://memoria-africa.ua.pt/
http://reservanaval.blogspot.pt/2009/06/mocambique-metangula.html
http://farol-da-torre.blogspot.pt/2013/10/momentos-de-historia.html
http://barcoavista.blogspot.pt/2009/10/lanchas-de-desembarque-medias.html
http://historyofafricaotherwise.blogspot.pt/2011/11/malawi-incredible-true-story-of-dr.html
(Actualizada em 08 de Outubro de 2021)
Muito bem Gabriel, posso testemunhar a exactidão dos factos, como ex-oficial da RN, comandante dos NRP RÉGULUS (antes de também ser "emprestada" ao Malawi) e NRP MARTE e conhecedor do Lago Niassa português desde Meponda ao Lipoche, onde nas horas vagas fui co-fundador da Rádio Metangula. Mal sabia que andavas por ali perto....Grande abraço!
ResponderEliminarJosé Luís Tocha Santos, quelimanense e também ex CNA
Quelimanense e com esse apelido deves ser familiar do meu grande Amigo Tocha Sequeira.
EliminarObrigado pelo teu comentário.
Grande Abraço
Obrigado Gabriel Cavaleiro Por dar a conhecer factos e realidades da nossa história, homenageando assim todos os que tiveram maior ou me nor papel em Africa e que
Eliminarnão temos que ter vergonha.Faz lembrar "O MUITO PODE QUEM QUER" da nossa Força Aerea, lema do AB3 no Negage..E o empreendimento do Niassa recorda que
liderança e criatividade bem como esforço e vontade do todostudo resolvia.Tudo o que nos falta agora neste território onde moramos.
Carlos Gaspar ex-FAP
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarOlá Gabriel. Por acaso vim hoje aqui ao teu blog e, por coincidência, ontem a minha prima Teresa Tocha Sequeira e eu falámos de ti e da tua irmã. . O irmão dela foi o Carlos Sequeira, meu primo directo e muito amigo e que eu "acompanhei" desde a instrução para piloto de combate em S. Jacinto até comandante de linha da AirMacau. Abraço,
ResponderEliminarFui furriel miliciano na companhia de engenharia 521, Vila Cabral de Dezembro de 1963 a Fevereiro de 1966.
ResponderEliminarEm Dezembro de 1965, tive como missão, reforçar todas as pontes e pontões, desde Vila Cabral a Meponda.
Uma missão difícil, mas concretizada.
Apenas uma nota que gostaria de deixar.
Cumprimentos
Muito pouco se sabe sobre os acontecimentos desta guerra, especialmente para aqueles que vivem no exterior e é muito difícil entrar em contato com documentos ou testemunhos. Por isso, quero agradecer-lhe por suas histórias preciosas e detalhadas. Um jovem italiano interessado em história
ResponderEliminarBoa tarde
ResponderEliminarParticipei em 1966 no transporte e escolta como miliciano do Esquadrão de Reconhecimento de Nampula, estacionado no aeroporto velho de Vila Cabral.
As 2 lanchas foram levadas desde o Catur até Metangula. E pelo que nos contaram, teve de ser Metangula porque em Meponda havia problemas com o lançamento à água. O que não acontecia em Metangula, apesar de ser mais distante.
Nessa escolta, na povoação do Bandece aonde dorminos, (próximo de Maniamba) tivemos uma emboscada e sofremos uma baixa.
Muitos parabéns ao Gabriel Cavaleiro pelo seu excelente blogue.
Um grande abraço a todos.
No meu comentário acima, por lapso não referi o meu nome: Chamo-me João Santos Costa e moro em Almada. E por causa do automóvel que ele conduzia, por ser da mesma marca e motor do meu, também falei uma vez com o Daniel Roxo em frente ao Café Planalto em Vila Cabral, sem saber quem ele era!
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