Uma história surpreendente a não perder.
Hidroavião Savoia Marchetti S 55
Foi escrita e ilustrada pelo meu amigo e colega aviador Gonçalo Inocentes
(Matheos)
Não é um
novato nisto da escrita.
O seu último
trabalho, sobre os "Espírito Santo por terras de África", com o
titulo "As cheias do Rio Catumbela", é já uma obra indispensável na
História do Portugal Ultramarino e de Angola, se eles o quiserem.
Aqui,
mantendo a apetença por África, conta-nos um episódio verídico de pioneiros da
Aviação, Italianos, por terras da Guiné portuguesa nos anos 30 do século passado.
Vamos então ler a história do Gonçalo Inocentes...
O Memorial
Ando de há uns
tempos a esta parte envolvido num Memorial como resultado de uma história que
descambou para três histórias, que deram vida a um livro que arrancou com uma
proposta.
Não falei nunca
a todos os que tenho contactado por este projecto, que guardo uma outra
história de um outro memorial, a que vou dar asas agora.
Mobilizado para
uma comissão militar na Guiné (1964), vi-me assentar os ossos em S. João na
zona de Quinhará, um quartel nascido de um Posto Administrativo e edificado com
chapas de tambores de 200 litros, formando um genuíno, autêntico, “bidonville”.
Um dos
primeiros embates de guerra que tive de enfrentar foi a gerência da messe, pois
como é norma no exército avançam os mais novos e eu acabara de entrar numa unidade
que contava então mais de um ano de mata.
Acabou por ser
um mês fantástico de aprendizagem e gratificante pelos resultados. Aprendi
matéria até aí novíssima para mim: a gerência, o relacionamento com
cozinheiros, menus, produtos, compras e contas.
As compras de
frescos, animais vivos, carnes, etc. era feita no mercado da ilha de Bolama que
ficava a pouco mais de milha e meia do outro lado de um braço de mar. Mercado
que eu percorria em jeep Willys que para esse efeito estava ali estacionado,
visitando todas as tabancas desde a Ponta do Preço Leve a sul até à Ilha das
Cobras a norte.
Bolama foi
criada em 1871 depois de um conflito de interesses com o nosso “amigo” de
sempre, a Inglaterra, que a partir da Serra Leoa ocupava sem cerimónia
territórios da nossa Coroa, dado que o nosso governo local estava então
instalado em Cabo Verde.
Na corrida
desenfreada à ocupação efectiva do território africano, que iria ver o fim na
Conferência de Berlim (1884-1885), as tropas britânicas da colónia da Serra
Leoa instalaram-se na ilha de Bolama, iniciando uma disputa pelo controlo da
zona que culminou em 1870 com a decisão arbitral do presidente norte-americano
Ulysses S. Grant que reconheceu a soberania portuguesa.
O Governo
português ordenou então a ocupação efectiva daquela possessão.
Como
consequência imediata foi criado um governo na Guiné, separado de Cabo Verde,
sendo escolhida como sede a vila de Bolama, estabelecendo assim uma activa
presença portuguesa no território que havia sido alvo da cobiça de Sua Magestade.
Seguiram-se
acções militares para levar à submissão diversos povos como os beafadas em
Djabadá, os papéis em Bissau e no Biombo, os balantas em Nhacra e os manjacos
em Catió que tinham sido aliciados pelos ingleses com armas.
Djabadá foi um
ponto onde em 1965 conheci o ardor dos combates.
Em 1879 Bolama
foi elevada à categoria de cidade e capital da Guiné, estatuto que manteve até
1941 quando esta se mudou para Bissau, por falta de água potável na ilha.
Por essa razão
encontrei em Bolama a agradável surpresa de ser confrontado com edifícios de
porte e arquitectura inerentes às capitais, embora já em estado de degradação
avançada.
Mas as minhas
atenções recaíram sobre um memorial que me contava uma história de aventura,
daquelas que polvilhavam a minha memória e imaginação. Chegava-me a ele e
durante longos minutos sonhava.
O soldado
condutor do jeep sabia que aquela era paragem obrigatória.
Estava ali em
pedra a história de uma grande empresa em aviação, num tempo quando as asas
deram asas à ousadia, ao sonho atraente, empolgante, levado a cabo por homens
que andaram por aí a fazer História.
Pouco depois da meia-noite do 17 de Dezembro de 1930, doze hidroaviões
Savoia-Marchetti "S -55 - A" descolaram da Baía de Orbetello, na
Toscana, a norte de Roma e frente à ilha de Elba.
Esquadrilha comandada pelo
piloto Italo Balbo com destino final o Rio de Janeiro onde chegaram, não sem
dor e acidentes em 15 de Janeiro de 1931.
Ao longo de
8.000 km de rota os hidroaviões de Balbo fizeram o primeiro cruzeiro
transatlântico em esquadrilha.
Aquele Memorial
conta essa empresa.
Como antes
referi o memorial de Bolama era a minha passagem obrigatória no decorrer das
compras para a messe. Aqueles minutos bem mastigados eu levava comigo,
atravessava o Canal do Porto no nosso barco verde com motor fora de borda e
naquelas noites de mato quando o silêncio se abatia sobre todos, eu ruminava-os
até adormecer profundamente. Sonhava.
Na década que
antecedeu a II Grande Guerra a Itália de Benito Mussolini pretendia afirmar-se
como potência aeronáutica e nesse sentido delineou e levou a cabo várias
travessias como mostra do seu poderio aéreo, quer para a Ásia, quer para as
Américas do Sul e do Norte.
O cérebro de
todo este programa foi o seu Ministro do Ar general-piloto aviador Ítalo Balbo.
De todas elas,
a travessia que me apaixonou e levou a tantos sonhos e travessias também foi a
fantástica “SQUADRIGLIA NERA IDROVOLANTE CROCIERA ITALIA-BRASILE” de 1931.
Apaixonou-me ao
ponto de uns anos mais tarde eu ter levado a cabo, realizado também uma
travessia atlântica num pequeno avião.
Com efeito
Ítalo Balbo rodeou-se de dois preciosos apoios: o General Giuseppe Valle e o
Ten. Cor. Umberto Maddalena. Os três delinearam um exaustivo programa que
começou nos requisitos técnicos das aeronaves, ao estudo de rota, treinos
intensíssimos, estudo de meteorologia e logística.
Já antes muitos
outros tinham feito travessias, feito feitos que ficaram na história, como os
nossos Gago Coutinho e Sacadura Cabral, a Amélia Earhart, Charles Lindbergh,
etc. Mas esta tinha uma particularidade que me fascinou: era uma travessia em
esquadrilha o que multiplicava os problemas pelo número de aviões envolvidos.
O avião
escolhido foi o SAVOIA MARCHETTI - S.55-A. Um hidroavião equipado de um motor
Isotta Fraschini “Asso” 500 R.I. com uma potência de 505 HP (sea level), um
hélice tractor e outro propulsor, um peso básico de 5.150 kg e máximo à
descolagem de 7.450 kg, velocidade máxima de 120 kts/h e uma autonomia de 950
milhas náuticas (nm).
A esquadra foi
dividida em 4 esquadrilhas: Negra, Vermelha, Branca e Verde.
A matrícula dos
aviões era composta por um “I” de Itália, seguido de um traço e quatro letras
do nome do comandante.
Assim, a força expedicionária foi composta da seguinte
forma:
SQUADRIGLIA
NERA
I-BALB / Gen.
Italo balbo; Cap. Stefano Cagna; Ten. Gastone Venturini; S.Ten. Gino
Cappannini.
I-VALL / Gen.
Giuseppe Valle; Cap. Attilio Biseo; M.llo Giovanni Carascon; S.M. Erminio
Gadda.
I-MADD/ T.Col.
Umberto Maddalena; Ten. Fausto Cecconi; S.Ten. Giuseppe D’Amonte; Serg. Cesare
Bernazzani.
SQUADRIGLIA
ROSSA
I-MARI / Cap.
Giuseppe Marini; Cap. Alessandro Miglia; M. llo Salvatore Beraldi; Serg. Davide
Giulini
I-DONA (riserva)
/ Cap. Reneto Donadelli; Ten. Pietro Ratti; Serg. Ubaldo Gregor; S.M. Raffaele
Perini.
I-RECA/ Cap.
Enea Recagno, Ten. Renato Abbriata, S.M. Francesco Mancini, Serg. Luigi Fois.
I-BAIS / Cap.
Umberto Baistrocchi; Ten. Luigi Gallo; S.M. Francesco Francioli; 1° Av. Amedeo
Girotto.
SQUADRIGLIA
BIANCA
I-AGNE / Cap.
Alfredo Agnesi; Ten. Silvio Napoli; 1° Av. Giuseppe Virgilio; S.M. Ostilio
Gasparri.
I-DRAG/ Cap.
Emilio Draghelli; Ten. Leonello Leone; 1° Av. Carlo Giorgielli; S.M. Bruno
Bianchi.
I-BOER/ Cap.
Luigi Boer; Ten Danilo Barbi Cinti; S.M. Ercole Imbastari; Serg. Felice Nensi.
I-TEUC (
riserva) / Ten. Giuseppe Teucci; Ten. Luigi Quest; 1° Av. Giuseppe Berti; S.M.
Arnando Zana.
SQUADRIGLIA
VERDE
I-LONG/ Magg.
Ulisse Longo; Cap. Guido Bonini; M. llo Mario Pifferi; Ten. Ernesto Campanelli.
I-CALO/ Ten
Jacopo Calò Carducci; S.M. Ireneo Moretti; 1° Av. Tito Mascioli; Serg. Augusto
Romin.
I-DINI/ Ten.
Letterio Canni Stracci; Ten Alessandro Vercelloni; Av.Sc. Alfredo Simonetti;
S.M. Giuseppe Maugeri.
A base de
partida era Orbetello que fica na costa mediterrânica da Toscania a leste da
ilha de Elba. A rota seguia por Los Alcazares em Murcia, sul de Espanha a 650
nm. Kenitra em Marrocos, na costa do Atlantico a 420 nm. Villa Cisneros no
Sahara Espanhol a 870 nm. Bolama na Guiné Portuguesa a 810 nm. Natal no Brasil
a 1620 nm. S. Salvador da Baia a 540 nm e por fim o Rio de Janeiro a 750 nm.
Era ambicioso
manter reunidos todos aqueles aviões durante 5.660 milhas.
O dia 17 de
Dezembro de 1930 era o dia grande. Uma Quarta-feira.
De volta ao
ponto e data de partida para a grande travessia. Como disse o ponto de
partida foi Orbetello. Aí em 01 de Janeiro de 1930 foi inaugurada a Scuola di
Navigazione Aerea di Alto Mare "N.A.D.A.M". (imagem)
Na primavera,
chegaram a Vigna di Valle duas aeronaves do novo S-55 A, com motores FIAT 22 R
. Uma delas foi confiada a Calo Carducci que com o coronel Ilari, foi a Bolama
para verificar a capacidade de decolagem, características ambientais, e tudo o
que implicava numa descolagem para o salto no Atlântico.
Em Orbetello
tudo foi estudado, tudo foi treinado. Foram escolhidas as tripulações para
todos os 14 aviões que incluía dois de “spares”.
Passaram um ano
em estudo: navegação, astronomia, treino de voo por instrumentos, ditos voos
cegos, simulador de vôo que à época eram simples e básicos “link-trainers”,
prática de voos nocturnos, decolagens em plena carga, amaragens em alto mar.
Foram pintadas
faixas nas asas com a cor da esquadrilha que o avião pertencia.
Em Junho,
começaram os testes mais exigentes de longo curso, dia e noite, de Orbetello
para a costa espanhola e norte de África. 3100 km de treino mesmo em situações
estremas, não apenas técnicas como meteorológicas.
Foram treinadas amaragens em
alto mar tendo ocorrido que o piloto Valle e sua tripulação foram salvos por um
barco de pesca grego, a meio do Mediterrâneo.
Os ensaios de
decolagem com carga máxima foram feitos por todas as aeronaves. Sob orientação
do Cor Maddalena e foi simulado em vinte horas de voo toda a travessia.
Estabeleceram-se
as bases de escalas, suprimentos e suporte naval ao longo da rota, para o final
de Novembro, todos os preparativos estarem concluídos.
Na madrugada de
17 de Dezembro, depois de vários dias de adiamentos devido ao mau tempo, 14
equipas (56 homens), além de mais 12 de reserva, homens que embarcaram em navio
de guerra, soltaram-se
amarras, segundo a ordem sendo a primeira esquadrilha, a Negra, com as
aeronaves I-BALB, I-VALL, I-MADD, a decolarem em direção ao Mediterrâneo
ocidental, seguida pela Branca, Vermelha e por último a Verde.
O mau tempo
encontrado na zona das Baleares partiu a esquadra em duass, vendo-se um
obrigados a amarar em Maiorca com avarias, tendo a outra seguido para Los
Alcazares.
Reunidos de
novo descolaram todos no dia 21 de Dezembro para Kenitra.
Chegaram à
nossa Bolama no dia de Natal, onde tiveram honras por parte de um navio da
armada italiana.
Foi decidido
eliminar todo o peso supérfluo chegando ao ponto de trocar o engenheiro Dario
Parizzi que pesava 78 Kg por Cappannini que pesava apenas 54.
O calor que ali
faz com humidade elevadíssima obrigou a experiências de descolagem para cálculo
de peso máximo.
Tiveram também
de lidar com os tornados frequentes com que não estavam familiarizados. Também
eu, quando lá cheguei e esperava em Bissau ordem de partida para Bolama vi de
repente que todo o mundo fugia cada um para seu lado. Pensei que era um ataque
do PAIGC, mas afinal tive o baptismo de tornado. Depois aprendi a senti-lo à
distância.
(Peço aqui desculpa ao Gonçalo Inocentes, que como disse no início escreveu esta história, para introduzir neste momento, 3 de Janeiro de 1931, um facto surpreendente acontecido neste dia.
Carlos Bleck fez em 1930/31 a ligação aérea Lisboa-Luanda-Lisboa, juntamente com o Tenente Piloto Humberto Amaral da Cruz, num “Havilland Moth”.
Chegaram a Bolama a 3 de Janeiro de 1931.
Os aviadores portugueses viriam a ser recebidos nessa tarde a bordo do Navio Chefe da Esquadra que dava apoio aos hidroaviões italianos, onde tomaram uma taça de champanhe.
À noite, no Palácio do Governador António Leite de Magalhães, Amaral da Cruz e Carlos Bleck jantaram com Italo Balbo que os convidou a assistirem à partida da sua Esquadrilha que teria lugar no dia 6 de Janeiro por volta da 01h30m.
Este Raid Lisboa-Luanda-Lisboa pode ser lido, neste Blogue, nesta ligação.
E agora continuem a ler o resto da história do Gonçalo Inocentes sobre Italo Balbo…)
Com a melhoria
das condições meteorológicas no oceano, em 5 de Janeiro, Ítalo Balbo decidiu
dar a partida fixando-o para as 01:30 do dia 6, para aproveitar a temperatura
mais baixa e lua cheia.
À hora
programada foi lançado um very-light verde que se elevou no céu iluminando o
canal que tão bem conheci. Foi acesa uma fogueira na praia da ilha das Cobras
para servir de farol.
Esta noite irá
ficar para a história.
À hora
programada, 01:30 do dia 6 de Janeiro e depois do very-light verde incendiar o
céu do Canal de Bolama o I-MADD sob o comando do Tem. Cor Humberto Madalleno
começou sua corrida nas águas quentes em direção de um grande fogo ateado na
praia da ilha das Cobras para servir de farol e descolou rumo a Natal.
Logo depois, a
um ritmo estipulado as aeronaves foram descolando com a ordem marcada para as
esquadrilhas.
Quando os
outros 12 já estavam no rumo e às 3:00 horas o avião I-RECA, depois de longa corrida sobre as
águas a toda a potência descolou, subiu um pouco, perdeu velocidade meteu asa
em baixo e o impacto no mar com o casco direito foi violento tendo morrido o
sargento Luigi Fois. Os restantes tripulantes Capitão Enea Recagno, Tenente
Renato Abbriata, e Radiotelegrafista Francesco Mancini foram salvos pela armada
italiana.
O avião I-RECA depois do impacto
12 minutos
depois foi a vez do I – BOER descolar. Na potência máxima também descolou
mas alguns metros depois entrou pelo mar em perda. O impacto foi violentíssimo
o que provocou explosão e incêndio e toda a tripulação ali faleceu. Capitãio
Luigi Boer, Tenente Danilo Barbicinti, Sargento radiotelegrafista Hercole
Imbastari, Sargento Felice Nensi.
Estas perdas
não fizeram esmorecer os restantes e a operação prosseguiu com destino final no
Rio de Janeiro. Com efeito, os dois aparelhos que se despenharam, fizeram
estremecer a missão que esteve em risco de se malograr. Não aconteceu por força
da têmpera do General Ítalo Balbo que segurou a continuidade. Era de facto um
líder.
Resta desse
desastre aquele belo memorial que me prendeu ao seu significado. Ele reproduz o
momento com duas asas; uma das quais quebrada e caída nas águas do mar de
Bolama e a outra erguida aos céus vitoriosa. Tudo abraçando um “fascio
littorio” simbolizando a grandeza de Roma Imperial.
O monumento foi
obra do escultor Quirino Ruggeri, feito por italianos e com pedra italiana, ida
de Itália, para esse fim, mandado erguer por Benito Mussolini.
Na sua base lá
se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com uma singela inscrição —
“Mussolini al cadutti di Bolama”.
Ao lado, a
águia da fábrica de hidroaviões Savoia, uma coroa com fáscios da
Isotta-Fraschini e também a coroa de louros da Fiat.
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Inauguração do memorial em Bolama |
Inaugurado em
Dezembro de 1931 sendo de notar que este será um dos raros monumentos do
fascismo italiano no mundo, que no fim de 1945 não foi destruído.
“AL CADUTI DI
BOLAMA L’ITALIA”
Quando ali
encostado vivia toda aquela envolvência todo o romantismo que motiva os homens
do ar.
Ítalo Balbo
chegou a dizer que se apenas 6 aviões chegassem ao Rio de Janeiro a empresa
seria um sucesso.
Claro que sim!
Eu tenho
certeza que não seremos menores do que o destino que nos espera, aqueles que
sabem, mas sempre que o destino é dos pioneiros. Palavras suas.
A 15 de Janeiro
apenas 11 hidroaviões sobrevoaram o Rio de Janeiro em formação. A recepção foi
entusiástica excedendo todas as espectativas.
A 7 de
Fevereiro todos os homens envolvidos na grande travessia embarcaram no navio
vapor Conte Rosso para o regresso a casa.
Os aviões
ficaram no Brasil cedidos à Força Aérea Brasileira em troca de 50.000 sacos de
café.
Os italianos
fizeram a travessia do Atlântico Sul em esquadrilha, como atrás descrevi de
forma muito sucinta.
Fizeram também a travessia do Atlântico Norte com o dobro
de aviões.
Destas
travessias nasceu uma lenda porque tinha estatura e estrutura de lenda.
E a
lenda tem um nome:
Ítalo Balbo.
Há quem o
envolva apenas em papel pardo como um produto do fascismo, porque simplesmente
não tem a capacidade de descortinar um homem, um mito, uma lenda no meio do
inferno. Em todos os regimes do mundo, sejam eles quais forem, houve, há e
haverá sempre alguém com estatura gigantesca e quem embrulha tudo no mesmo
papel é porque simplesmente é muito pequeno.
Ítalo Balbo foi
um homem do regime do Duce. Foi ministro e governador da Líbia. Mas teve-os no
sítio para condenar a invasão da Polónia pela Alemanha de Hitler e opor-se à
legislação que decretou normas específicas para os judeus em Itália.
Se pensarmos
que apenas com 14 anos de idade participou numa revolta militar na Albânia sob
o comando de Riccioty filho de Garibaldi, que foi empregado bancário, Ministro
da Aeronáutica, Governador-Geral da Líbia, General e Marechal. Que foi também
um escritor com vários trabalhos publicados.
Que o
presidente Franklin D. Roosevelt dos EU o condecorou. Que o mayor de Chicago
decretou o “Balbo’s Day” e deu o seu nome a uma rua.
Que o povo Sioux o
reconheceu como um dos seus e o elevou à estatura de “Chief Flying Eagle”,
coroando-o com um cocar.
Foi de facto
uma figura lendária.
Em face dos
seus feitos e reconhecimento mundial, Mussolini ofertou à cidade de Chicago uma
coluna de Ostia Antica, que ainda pode ser vista no passeio ribeirinho do lago
Michigan, em Burnham Park. Ficou para a História como a Balbo Column
Este presente do governo italiano erguido em
frente ao pavilhão italiano para a Feira Mundial de Chicago de 1933, foi
retirado das ruínas de um templo romano em Ostia para esse fim. Ele homenageia
o voo transatlântico do General Italo Balbo, que foi um golpe de propaganda do
governo fascista de Mussolini.
Na base da coluna está inscrita em italiano e em inglês:
THIS COLUMN
TWENTY CENTURIES OLD
ERECTED ON THE SHORES OF OSTIA
PORT OF IMPERIAL ROME
TO SAFEGUARD THE FORTUNES AND
VICTORIES
OF THE ROMAN TRIREMES
FASCIST ITALY BY COMMAND OF BENITO
MUSSOLINI
PRESENTS TO CHICAGO
EXALTATION SYMBOL MEMORIAL
OF THE ATLANTIC SQUADRON LED BY BALBO
THAT WITH ROMAN DARING FLEW ACROSS
THE OCEAN
IN THE ELEVENTH YEAR
OF THE FASCIST ERA
Balbo foi
nomeado Governador Geral da Líbia para ser afastado de Roma, porque a sua
popularidade cresceu em demasia o que desagradou por completo Mussolini.
Ítalo Balbo
acabou aos comandos de um avião bombardeiro médio, o trimotor, Savoia-Marchetti
SM.79 Sparviero (gavião).
|
Os destroços do avião |
Em 28 de Junho de 1940 foi
abatido nos céus de Tobruk na Líbia, não se sabendo se pela artilharia
antiaérea italiana ou pelo fogo do cruzador San Giorgio. Tinha 44 anos de
idade.
Após a sua
morte a Força Aérea Britânica num voo arrojado lançou em paraquedas sobre o
aeroporto de Tobruk uma coroa de flores com a seguinte mensagem:
«Le forze aeree
britannicche esprimono il loro per la morte del Marescialo Balbo, un grande
condottiero e un valoroso aviatore che la sorte pose en campo averso».
Enfim, coisas de pilotos.
Quando em Bolama encostado às grossas correntes que
circundam o Memorial imaginava coisas de aviadores mas muito longe do que na
realidade aquele bloco de pedra representava.
Gonçalo Inocentes
(Já agora, e porque se contou aqui uma grande história de Hidroaviões, vale a pena ver o que se passou em Moçambique, há muitos e muitos anos, também com Hidroaviões, no blogue "houseofmaputo" onde também se podem matar saudades daquela fantástica terra.
Grande história esta, não deixem de ler...)
Terminada a história do Gonçalo Inocentes, deu-me para pesquisar sobre o outro "raid" do malogrado aviador italiano aos Estados Unidos referido na história que acabam de ler.
E encontrei este surpreendente documento sobre a passagem da outra Esquadrilha de Italo Balbo pelos Açores no regresso a Itália.
Chamo a atenção de que se trata da transcrição integral de um texto do Museu Carlos Machado de Ponta Delgada referente a uma exposição ali realisada em 2013
Podem ler a mesma história aqui neste link.
Segue-se então o texto da página do sítio do Museu na net:
Nos 80 anos da passagem pelos Açores da esquadrilha do Marechal Ítalo Balbo
Em 1933, sob o comando do Marechal Ítalo Balbo, ministro da aeronáutica de Benito Mussolini, realizou-se um “raid” com início em Orbetello e destinado a mostrar o vigor da Força Aérea italiana da época na exposição mundial de Chicago. A esquadrilha era composta por vinte e cinco aviões Savoia Marchetti S 55 X, tendo um, o I – BALDI, capotado à amaragem em Amestardão, só chegando a Chicago vinte e quatro aviões.
Na rota de regresso a Itália, realizou-se uma paragem nos Açores para repouso e reabastecimento tendo sido determinado, dada a dimensão das baías artificiais dos portos de Ponta Delgada e da Horta, que 9 aviões escalariam a Horta e os restantes 15 escalariam Ponta Delgada. Em ambos os portos estavam navios italianos de apoio à esquadrilha.
Foram organizadas recepções oficiais em ambas as cidades para os “valorosos aviadores” que, a 8 de Agosto de 1933, desfilaram em formação pelas ruas, perante o exuberante entusiasmo da população.
Na manhã do dia seguinte, postos a rodar os ruidosos motores “Isota Fraschini” dos aviões brancos, decorados com verdes e vermelhos, e igualmente perante uma entusiástica população que encheu por completo o “Aterro”, o “Cais do Clemente” e a Doca, iniciou-se a descolagem das máquinas voadoras, com Balbo ao comando no seu I-BALB.
Em Ponta Delgada, um dos últimos a descolar foi o I-RANI que tinha como tripulação o capitão, piloto Celso Ranieri, o tenente, piloto Enrico Squaglia, o serg., mecânico Luigi Cremashi e o serg. rádio tele. Aldo Boveri. Ao descolar, na corrida final, embateu numa pequena onda, o suficiente para o fazer capotar. Do acidente, para além da quase total destruição do avião, resultou a morte do piloto, tenente Enrico Squaglia. Às cerimónias fúnebres realizadas em Ponta Delgada, associou-se a população, manifestando o seu profundo pesar pela morte do jovem aviador.
Dos destroços do I-RANI perduraram até hoje dois dos três lemes de direção, que integram as coleções do Museu Carlos Machado.
Em 2012, foi realizado para o museu o modelo do I-RANI, à escala 1/8, pelo engº José Toste Rego e pelo sr. Carlos Rodrigues. Este barco voador monoplano de dois cascos é um Savoia Marchetti S 55 X, a décima versão deste avião que se tornou um ícone da aeronáutica italiana e que proporcionou grandes êxitos, tendo sido o primeiro aparelho europeu a alcançar a América por ar.
A realização do modelo do I-RANI foi baseada nos planos do Comandante Clair Ibersol Gonzalez, proprietário da “Casa da Balsa”, no Sul do Brasil. Por o plano ser do “Jahú”, o único Savoia Marchetti 55 existente e recentemente reabilitado, houve que fazer as alterações para o transformar no “I-RANI” que, apesar de manter as mesmas dimensões, era de um modelo com menos 10 anos, beneficiando de soluções mais modernas. As informações para estas alterações foram obtidas em literatura existente sobre este avião, em fotografias e em filmes da época.
No modelo do I-RANI, e por opção dos construtores, construiu -se a “nacelle” dos motores parcialmente carenada, não só para que os motores se vissem, como também para homenagear o Marquês “Francesco di Pinedo” que por aqui passou em 1927, pilotando um Savoia Marchetti s 55, modelo C, denominado “Santa Maria II”.
Os meus agradecimentos ao Museo Carlos Machado pela publicação aqui deste texto e por ter preservado uma memória importanta da História dos primórdios da Aviação
Actualizada em 17 de Junho de 2019