O Comando de uma LFG na Guiné
4ª Parte
É neste rio que também vivi 2 episódios que não resisto a narrar rapidamente.
Pediu-se então a Bissau o envio de uma LDG, que chegou no dia seguinte, mas aí começaram as complicações. Devido às fortes correntes não se conseguiu içar o avião para dentro da LDG, pelo que foi necessário pedir o envio de uma outra LDG transportando uma grua.
Mas nem com a grua se conseguiu içar a aeronave, que entretanto já estava muito danificada, pelo que se tomou a decisão de se separar as asas da fuselagem e amarrá-las aos bordos da LFG. Quando voltámos para Bissau, impantes da nossa proeza, não fomos bem recebidos pelos camaradas da Força Aérea pelos estragos que tínhamos causados ao avião!...
O outro episódio que recordo deste rio foi bastante mais triste.
No Natal de 1973,
estava embarcado novamente na LFG LIRA, quando foi decidido lançar outra grande ofensiva no Cantanhez, tentando desta forma surpreender o inimigo, quando na véspera e no dia de Natal era usa ver um cessar-fogo dos 2 lados.
Mas nessa noite terrível, ouviam-se nas nossas comunicações os desesperados pedidos de ajuda dos jovens em risco de vida, em combate ali tão perto de nós e sem qualquer possibilidade de lhes prestarmos qualquer auxílio.
Nessa altura não pude deixar de imaginar que àquela hora, os pais daqueles jovens estariam provavelmente a pensar nos seus filhos e talvez mesmo a rezar por eles à lareira ou a assistir a alguma missa do galo…
Por fim, vou referir-me ao Cacine, outro rio bastante demandado pelas LFG’s, especialmente a partir de meados de 1973. Era um rio bastante largo e, tal como o rio Geba que servia Bissau, não oferecia dificuldades especiais de navegação até a zona de Gadamael.
No entanto apresentado problemas na sua barra, que para além de ter sondas muito baixas, necessitava de ser demandada navegando em águas territoriais da Guiné-Conakry, mas onde felizmente no meu tempo não se registaram ataques aos nossos navios por artilharia instalada no território daquele país.
É ao rio Cacine que vou pela primeira vez no dia 2/06/1973 vindo de emergência do rio Cumbijã com 2 LDM’s e uma companhia de para-quedistas, para acorrer aos acontecimentos que vieram a ser recordados como o “Inferno de Gadamael”.
Ver aqui o que foi esse Inferno:
Escrito por: José Casimiro Pereira de Carvalho
A situação que ali se deparava era terrível. Muitos dos nossos militares pertencentes às guarnições de Guilege e Gadamael, não aguentando a pressão exercida pelos pesados e precisos bombardeamentos do inimigo, para os quais nem sequer dispunham de abrigos adequados, tinham-se refugiado nas margens do rio, onde se encontravam à sua mercê.
Ignorando a ordem do General Spínola que proibia a sua recolha, a Orion e as LDM’s e os botes de Fuzileiros retiraram nesse dia cerca de 300 militares para o quartel de Cacine e mais algumas centenas de civis africanos, no dia seguinte.
Mas o pior viria a acontecer nos dias que se seguiram quando foi ordenada a defesa a todo o custo de Gadamael, cabendo à Marinha o transporte de homens e material para lá, e a evacuação dos feridos e mortos para Cacine, onde os helicópteros já podiam aterrar para fazer o seu transporte para Bissau.
Dessa ação, em que muito se distinguiu o meu amigo então Capitão Manuel Monge, que viria a comandar o golpe de 16 de Março que antecedeu o do 25 de Abril, resultaram em poucos dias 24 mortos e 147 feridos, uma grande parte dos quais transitaram pela ORION para serem levados para Cacine, onde os meios aéreos efetuavam a sua evacuação para Bissau.
A mesa do refeitório das praças eram local onde o sargento enfermeiro, ajudado pelo grumete eletricista, lhes prestava a assistência possível naquelas circunstâncias e as variadas cenas então vividas são ainda hoje de dolorosa recordação.
25/04/1974
Mas foi também no rio Cacine que a Orion se encontrava no dia 25/04/1974. Nesse dia, ao contrário dos anteriores, sentiu-se uma estranha acalmia das ações do inimigo, designadamente nos pesados bombardeamentos dos nossos quarteis.
Já passava da meia-noite quando o telegrafista comunicou que suspeitava que alguma coisa tinha acontecido em Lisboa e, passados 2 ou 3 dias recebemos a bordo, a seu pedido, uma delegação de guerrilheiros do PAIGC, que apenas nos queriam transmitir que para eles a guerra tinha acabado, uma vez que tinha sido uma guerra contra o nosso governo e não contra os portugueses.
Não pude deixar de pensar então no sacrifício de tantos jovens, que ali sofreram e, em particular, naqueles que ali deixaram a própria vida!... E também que estava ali a testemunhar o fim de uma era gloriosa da nossa história!
Em Julho de 1974 regressei a casa.
nas minhas recordações!
As outras Histórias sobre este assunto:
Luiz Pereira Vale
Oficial da Armada
ex-Comandante do N.R.P. Orion
Revista de Marinha, 985, Maio, Junho 2015
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