O Povo Unido... OK... OK...
Eis um bom exemplo do que tantas vezes acontece nas Revoluções.
Uma Revolução também é o que vou contar. Autobiográfico.
No dia 25 de Abril de 1974, por volta das 8 horas da manhã, estudava eu, em casa, a matéria dada durante o meu curso teórico de Boeing 747, no Centro de Instrução da TAP, em vésperas de partir para Seattle, USA, (sede da Boeing) para fazer o Simulador de Voo.
Abri o rádio e a música era revitalizante: marchas militares. Simpático.
Mas pouco depois ouvi um estranho e histórico comunicado:
Comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA)- Vídeo RTP.
Grande espanto!
Mas já esperava. Acordei toda a família aos berros:
- Ganhámos,
ganhámos!
E os miúdos sem perceberem nada…
O Comunicado,
entre a Liberdade prometida e o receio de tudo poder voltar para trás, também
pedia para nos mantermos em casa. E como eu precisava muito de saber tudo,
tudo, sobre o B-747, fiquei em casa a estudar e a ouvir as notícias.
Mas no dia 26 de Abril não resisti. Fiz gazeta ao meu estudo caseiro e fui até à Baixa.
Nos Restauradores apercebi-me de que algo de muito importante se estaria a passar lá mais para baixo, algures, talvez no Rossio.
E ao passar pela Estação do Rossio vi, à esquerda, junto à Pastelaria Suíça algo que me chamou a atenção. Muita gente, muito agitada. Uma grande confusão.
- É ali! Vou
ver!
Afinal era
para aquilo que eu estava ali. Estar no meio da acção. No meio do 25 de Abril.
E “a coisa”
passava-se, realmente, nas traseiras da Pastelaria Suíça. Na Praça da Figueira.
Havia lá
imensa gente, muito agitada, punhos no ar, todos muito nervosos.
Um soldado, de G3 aperrada, calmíssimo, tentava impedir o acesso à porta traseira da Pastelaria.
Dificilmente conseguiria
durante muito mais tempo evitar que a turba entrasse, enraivecida, por ali
adentro.
E quando a pressão ultrapassou, finalmente, a paciência do militar, mais habituado a outras guerras, mais a sério, não foi de intrigas:
Rajada de G3 para o ar!
A 2 metros de
mim!
Não é muito simpático…
Mas eficaz,
convenhamos.
A confiança
nos militares (eram todos heróis naqueles dias, todos ao lado do Povo) só deu,
no entanto, para se ter aberto um corredor de uns 3 metros de largura. Ninguém se
assustou muito. Mas também ninguém sossegou por aí além.
O que é que
se passava?
O gerente da
Pastelaria Suíça “era fascista”, diziam e toda a gente queria molhar a sopa no
miserável, cabrão de merda, do fascista que se teria refugiado, aflito, prédio
acima, até às águas furtadas.
E era pelo prédio acima que todos queriam ir. Trazer o fascista para o meio da Praça da Figueira, aquele grande malandro.
- Fascista!
Fascista! Fascista!
Às tantas todos os olhares se levantaram para o topo da Pastelaria, tudo sempre aos gritos.
- Grândola
Vila Morena…
- O Povo
Unido Jamais Será Vencido!
- Morte aos
fascistas, etc., etc….
Numa janela
das águas furtadas da Pastelaria, um militar fardado, mais graduado, tentava
comunicar com a multidão que cá em baixo já quase enchia a Praça da Figueira.
E tinha algo na mão que agitava.
E nós todos mesmo ali no centro da acção, eu já muito entusiasmado com a cena, todos prontos a fazer justiça com as próprias mãos, o que queríamos era agir, ir ao focinho ao gajo, sei lá, fazer qualquer coisa própria de uma turba descontrolada.
- Calem-se!
- Calem-se
porra!
- É pá, calem-se f...!!!
Deixem lá ouvir o gajo, pá!.
Tudo sempre aos gritos, punhos todos bem no ar e a G3 agitada acima das cabeças não fosse alguém mais afoito tentar alguma asneira maior.
O militar, que parecia estar a uns 500 metros de altura, gritou várias vezes a mesma frase que, a pouco e pouco, começou a ser ouvida, de tanto repetida, pelos que estavam mesmo por baixo, como eu:
- O GAJO É ALEMÃO!!!
E na mão
exibia uma coisa que me pareceu vagamente um passaporte que abanava freneticamente, como
que a ilibar o gerente da Pastelaria…
E eu, imbuído
daquele fervor revolucionário de Teatro de Revista, pensei, pensei só, mas em voz alta, demasiado alta:
- Bem então o
gajo é Nazi!!!.
É pá! O homem tinha de ser alguma coisa…carago!
E toda a
Praça da Figueira desatou a gritar, compassadamente:
- Nazi! Nazi! Nazi!
- Nazi! Nazi! Nazi!
Pus-me logo a milhas…
E fiquei a perceber o que também pode ser uma Revolução.
Mas ainda hoje me apetece pedir desculpa ao Gerente da Pastelaria Suíça de então. (Que, infelizmente, hoje já não existe...)
Nunca é tarde…
(Actualizada em 17 de Novembro de 2021)
Da Wikipédia
A canção-senha da Revolução de Abril nasceu da primeira passagem do poeta-cantor pela Vila de
Grândola, em 1964, foi escrita dias depois desse concerto histórico para os
grandolenses.
A afirmação é do
anfitrião da primeira visita de José Afonso à Vila de Grândola, Zé da
Conceição, à época membro da direcção da Sociedade Musical Fraternidade
Operária Grandolense.
"Na versão original, a última estrofe dizia
o seguinte: 'Capital da cortesia, não se tem de oferecer, quem for a Grândola
um dia, muita coisa há-de trazer' mas quando foi musicado, em 1971, o poema
acabou por ser alterado", esclareceu.
"Esta última estrofe
foi substituída por aquela que, hoje, todos conhecem: à sombra de uma
azinheira, que já não sabia a idade, jurei ter por companheira, Grândola a tua
vontade", rematou Zé da Conceição.
GR/Expresso, 31 de Julho de 2009
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