OUTRAS HISTÓRIAS - José do Telhado 1 - Da Infância ao Casamento

 






1ª Parte de 5


José do Telhado, é hoje, nome de uma Escola

e de um Posto Médico.

Em Angola




Esta história está contada em 5 Capítulos:


1 - Da Infância ao Casamento

2 - Guerra Civil e 1ºs Assaltos

3 - Uma Década de Assaltos

4 - Na Cadeia com Camilo e Julgamento

5 - Exilio e Morte



No fim de cada Capítulo há um acesso ao Capítulo seguinte e ao Menu dos 5 capítulos.

Não vai perder-se...






Introdução















José Teixeira da Silva. 


Era o seu nome de baptismo.




Foi um homem que ficou conhecido como alguém que dedicou a vida a roubar os ricos, em assaltos violentos, para dar aos pobres. 


Pois bem. Não me parece que tenha sido só assim... e tão simples como isso.


Antes de mais, ele não dedicou a vida a dar aos pobres.


Ele ajudou alguns pobres com uma pequena parte do produto dos seus roubos, quando foi assaltante, por cerca de uma década.

E continuou a fazê-lo, toda a vida, fossem quais fossem as condições em que vivesse. 

Foi chefe de quadrilhas com quem tinha de repartir o que subtraiam à força a quem tinha muito. E as quadrilhas chegaram a ter 25 elementos cada uma. 

Mas antes de mais tinha de sustentar a sua família. 

A sua vida tem sido pasto para muito alimento diletante.

Há muito romance, muita critica feita com excessiva ligeireza.

Procura-se criar um personagem, em vez de se tentar fazer uma biografia. 

Não vou fazer aqui essa biografia, mas vou evitar criar um personagem fictício, com uma história de vida que tem sido baseada em alguns factos que se querem colar aleatoriamente á realidade de vida de José Teixeira. 




Quem é o José do Telhado desta história?


José Teixeira da Silva nasceu em 22 de Junho de 1818 no Telhado, um lugar de Castelões de Recezinhos, na altura no extinto concelho de Santa Cruz de Riba Tâmega, que pertence actualmente ao de Penafiel. 

Não foi fácil a vida deste homem nem a de toda a Nação portuguesa na 1ª metade do séc. XIX. 

Portugal vivia os últimos anos da Inquisição, com a tenebrosa actividade do Tribunal do Santo Ofício. Em pleno século XIX!!! 

E a escravatura era uma actividade comercial lucrativa… que só foi completamente extinta em 25 de Fevereiro de 1869. 

E para contrariar a ideia que ainda hoje se divulga de sermos nós, no nosso amago, um povo bárbaro, atentem que no dia 18 de Junho de 1452, no início da era dos Descobrimentos, o Papa Nicolau V, através da Bula Dum Diversas, autorizou D. Afonso V, e todos os seus sucessores, a conquistar e subjugar as terras dos "infiéis", pagãos e outros "inimigos de Cristo", reduzi-los à escravatura perpétua, e tomar posse dos seus terrenos e bens. 

Tudo isto com a duvidosa bênção de Deus… 


Continuemos…


 

Invasões francesas 











O século XIX começou, como todos os últimos, com actos de guerra. (Séc XX com a 1ª Grande Guerra e o actual com a Invasão da Ucrânia) Napoleão Bonaparte manda invadir Portugal logo em finais de 1807, 11 anos antes de José Teixeira ter nascido, por nos recusarmos a aderir ao Bloqueio Continental, ou seja, ao fecho dos nossos portos aos ingleses, ordenado por Napoleão Bonaparte a todos os Reinos do Continente Europeu.



Fuga da Corte para o Brasil













Após o início da 1ª Invasão Francesa, comandada pelo General Junot, o Príncipe Regente D. João (futuro D. João VI) decide transferir a coroa portuguesa para o Rio de Janeiro, que seria a nova Capital do Reino de Portugal. 


Com isto pretendia evitar ter de ficar a coroa portuguesa submetida â vontade do voluntarioso Imperador francês.


E com as tropas invasoras já às portas de Lisboa, manda embarcar, muito à pressa, em vários navios. 1500 pessoas.



Que esperam, angustiadamente, todos já embarcados, 2 longos dias por ventos favoráveis, para conseguir zarpar de Lisboa.


Os ventos, que eram de Sul... mantiveram-nos amarrados ao Tejo até ao último minuto...


Mas no dia 29 de Novembro de 1807, uma leve brisa de vento Norte começou a soprar, finalmente!


Os navios conseguem partir de Lisboa para o Brasil no dia 29 de Novembro de 1807.


Foram utilizadas 8 naus, 3 fragatas, 3 brigues e 2 escunas.

A reforçar esta esquadra, seguiram também, até ao Brasil, quatro naus da Marinha Real Britânica, comandadas pelo capitão Graham Moore.


Os franceses entram em Lisboa no dia seguinte, logo às 9 horas da manhã, furiosos pela ausência da coroa portuguesa, a navegar nessa altura já em alto mar, rumo a Sul.


Entraram em Lisboa 26.000 soldados franceses. 


A esquadra portuguesa, escoltada pelos ingleses, sofreu logo à partida uma forte tempestade, de tal modo que as naus se perderam umas das outras e só no dia 5 de Dezembro se reuniram novamente.

Passaram a Madeira no dia 11 e chegaram às costas do Brasil no início do ano seguinte.


Uma viagem atribulada porque muitos embarcaram à pressa só com a roupa que tinham no corpo, sem mais pertence nenhum!

As condições de higiene eram péssimas.

Até uma praga de piolhos sofreram, o que levou a própria rainha a ter que rapar os cabelos para se livrar do mal...



Chegam à Bahia, no dia 18 de Janeiro de 1808.



E, finalmente, chegaram, ao Rio de Janeiro no dia 8 de Março de 1808.





A 2ª invasão foi comandada pelo General Soult em Março de 1809. 


E a 3ª pelo General Massena em Junho de 1810. 


Hoje repudiamos a actuação de Putin na Ucrânia. 


Os franceses, nessa altura, fizeram o mesmo em Portugal. 


Roubaram-nos muito. Maltrataram muita gente, homens e mulheres. 


(Ver aqui os crimes contra as gentes e o património que praticaram,

por exemplo, em Arganil, terra da minha Mãe)

 


 

Guerra civil


As invasões e a fuga da casa real para o Brasil tiveram como consequência o aparecimento de ideias Liberais em Portugal e proporcionaram até a independência do Brasil, em 1822. 


O Tribunal do Santo Ofício é, finalmente, extinto em 31 de Março de 1821 pelas Cortes Constituintes (que preparavam uma nova Constituição)



 

Regresso da Corte a Lisboa


D. João VI e a corte regressam do Brasil no dia 3 de Junho 1821. 





El-Rei já tinha até tido notícias da derrota do exército invasor, no Algarve, pela destemida tripulação de um caíque, a enviada “Bom Sucesso”, (ver a história aqui, neste blogue) 





Este caíque partira de Olhão no dia 7 de Julho de 1808, para lhe dar conhecimento da costumeira zaragata que os Olhanenses são capazes de provocar quando as coisas não lhes agradam...



Tinham dado cabo dos franceses na Ponte de Quelfes, no dia 16 de Junho de 1808 e corrido com eles do Algarve! Assunto arrumado!

Portugal vivera as últimas décadas em grande prosperidade devido ao comércio com o Brasil e a independência daquele território teve, obviamente, como consequência inevitável o país mergulhar numa grave crise económica.

As Cortes Constituintes promulgam, em 23 de Setembro de 1822, uma nova constituição, liberal, avançada para o seu tempo, a contragosto de muitos portugueses, habituados a regimes absolutistas. 

Em 1823, em parte devido á crise económica mas também pela dispersão de ideais Liberalistas, contrários aos dos Absolutistas, começaram as revoluções entre os portugueses.




Demos início à nossa única Guerra Civil! 


E até 1851 foram às dezenas, sim às dezenas, os actos revolucionários. 

Combates entre batalhões militares, vinganças sangrentas, guerrilhas (a do Remexido, algarvio, com mais de 200 combatentes!), bandos armados, quadrilhas. Todos contra todos.

Havia forças paramilitares comandadas por padres, por juízes, etc.

Uma perfeita descida aos infernos. Houve combates em que no meio das refregas, em pleno campo de batalha, batalhões inteiros desertavam para o lado contrário. Houve escaramuças sérias entre apoiantes da mesma causa, com ideias ligeiramente diferentes que ainda assim conseguiram digladiar-se entre si. 

Este período revolucionário intenso, manteve os portugueses entretidos durante quase 30 anos, em grandes escaramuças. Algumas sérias, com muitos mortos, milhares, com dezenas de execuções por fuzilamentos, na praça pública, que, ininterruptamente, duraram mais ou menos de Maio de 1823, com a “Vilafrancada”, a revolta dos antiliberais, liderados por D. Miguel e com o apoio da Rainha D. Carlota Joaquina, até Abril de 1851, com o Golpe militar do Marechal Saldanha.



Castelo de Évora Monte




Pelo meio ainda se conseguiu um período de paz quando os irmãos D. Miguel e D. Pedro IV aceitaram que os seus Generais assinassem  uma Convenção, em Évora Monte, que obrigou D. Miguel a aceitar uma rendição incondicional. Passou-se isto no dia 26 de Maio de 1834.








A dita Convenção foi assinada no Alentejo, em Évora Monte, na casa de Joaquim António Saramago, pelos Generais rendidos Azevedo e Lemos e pelos vencedores, Generais Saldanha e Terceira.


 



Infância e juventude de José do Telhado 


Tinha o jovem José Teixeira uns 5 anos quando tudo isto começou. 

Menos de uma década depois dos franceses terem abandonado esta terra. 

Filho de um pai violento, o senhor Joaquim de Matos ou Joaquim Teixeira como também era conhecido e de Maria Lentina (ou Maria Leontina).

Era neto paterno de Francisco de Matos e de Maria da Silva (de Castelões) e neto materno de Manoel Luís e Maria Lentina (de Caíde de Rei). 

O seu pai era um capitão de ladrões. Muito dado ao uso e manejo de armas, era um homem duro. De quem se tinha muito medo. 

Após as invasões francesas, o senhor Joaquim de Matos ficou a detestar, naturalmente, todos os súbditos de Napoleão, que ele matava sem piedade, só porque eram isso mesmo, franceses. 

E como para ele não passavam de ladrões, uma vez que, sendo ele cidadão de uma nação que tinha sido roubada por aquela gente, o senhor Joaquim extorquia-lhes unicamente o que ele justificava ser “Fazenda Nacional”.

No fundo dedicava-se a recuperar, mas para si, Património Nacional, o que no fundo também era, afinal, um abuso, convenhamos… 

Já um seu tio-avô, a quem chamavam “O Sodiano”, tinha de igual modo pertencido a uma outra famosa quadrilha de ladrões.

Era um homem bastante temido, este Sodiano.

Dedicara-se a assaltar propriedades, de gente abastada, em todo o Marão, isto durante anos a fio. 

O irmão mais velho de José Teixeira, o Joaquim, na inevitável tradição familiar, também tinha o mesmo “ofício”, chefiando uma Quadrilha de confiscação de bens do alheio. 

Naturalmente, o jovem José Teixeira não frequentou nenhuma escola, mas foi tendo conhecimento de tudo o que se passava à sua volta, rapaz ladino, forte, inteligente e atento que era.

Tinha uma tia, irmã de sua mãe, moradora na Sobreira, um lugar da freguesia de Caíde do Rei (no actual concelho de Lousada, que tinha sede em Vila Meã) casada com um francês, que provavelmente desertara durante as invasões e adotara o nome de João Diogo.

Este homem, apaixonara-se não só pela senhora sua tia mas também por Portugal e decidiu por cá ficar e não regressar a França, com as óbvias bênçãos do senhor Joaquim de Matos, que o não quis mandar para junto dos outros incautos franceses que havia anteriormente despachado a tiros de bacamarte.

Um excelente profissional este seu tio, João Diogo, que foi o nome que adoptou, não fosse o senhor Joaquim levar a mal… 

Era castrador, ocupação que lhe permitia ter uma vida boa, acima da dos seus congéneres portugueses. 

Estes tios de José Teixeira tiveram uma filha, de seu nome Ana de Campos Lentine, ou Leontina, muito provavelmente. 

Aos 14 anos, José Teixeira pediu ao tio João Diogo, que ganhava a vida honestamente, para ir para a sua casa aprender com ele o ofício de castrador e tratador de animais. Um capador, como então se dizia. 

Além de aprender o ofício, o jovem também exercia, por vezes, a atividade de compra e venda de cavalos. 




Cinco anos esteve José Teixeira a trabalhar com o tio, que entretanto enviuvou, nesta sua casa da Sobreira, em Caíde do Rei.

A menina Ana Lentine, agora órfã de sua Mãe, à medida que crescia, tomava forma. Era muito elegante, educada e muito estimada. Até com certos ares de Senhora, tal como se dizia lá na Terra. 

Aconteceu então o que era de esperar: os 2 jovens apaixonaram-se!... 

Durante estes 5 anos José Teixeira ocupava as horas livres na caça e a namorar a prima amada, muito, mas mesmo muito, às escondidas, está bem de ver… 

Mas quando, por volta dos 19 anos de José Teixeira, os jovens “amantes” quiseram casar, o abastado tio não consentiu. 

A menina querida dele casar com um pelintra?! Ele que tanto a custo acumulara um respeitável dote para a sua amada filha? Nem pensar! 

 



Alista-se no Serviço Militar


Amargurado, o jovem José Teixeira partiu, em meados de 1837, para Lisboa, para a aventura da tropa. Em busca de melhor condição social e económica para se poder casar com a jovem que tanto amava e que também muito lhe correspondia. É que eles amavam-se mesmo perdidamente! 

Por esta altura, no rol das nossas intermináveis revoluções, já se tinham travado algumas lutas. Umas mais ferozes que outras, mas sempre escaramuças de vulto, tais como estas, todas bem documentadas: 


A Martinhada de 1820.

A Conspiração do Major Pimenta em 1821

A Conspiração da Rua Formosa de 1822.

Os Motins dos Regimentos de Infantaria 24 e 10, em 1822.

Os Motins em Castelo Branco e S. Miguel d’Acha em 1822

A Rebelião do Conde de Amarante em 1823.

A Vilafrancada de 1823.

A Conspiração de Elvas de 1823.

A Abrilada de 1824.

Vários Tumultos em Trás-os-Montes em 1826.

A Rebelião do Algarve e do Alentejo, em 1826.

As Archotadas de 1827.

Tumultos miguelistas em Coimbra em 1828.

Dá-se a Revolta liberal no Porto, também conhecida por Sedição do Norte, que tem início a 16 de Maio de 1828.

A Belfastada de 1828.

A tentativa de Revolta no quartel da Brigada Real da Marinha em 1829.

Uma tentativa de Sublevação em Lisboa, acontecida em Fevereiro de 1831.

O Cerco do Porto e Guerra Civil, entre Miguelistas e Liberais, havida entre 1832/1833. 

(Foi durante este Cerco do Porto que as tripas á moda do porto nasceram.

E a cidade ficou para sempre conhecida como a “Invicta”.)

 

A Revolução de Setembro, em 1836.

A Belenzada de 1836.

A Conspiração das Marnotas de 1837.

A Revolta dos Marechais de 1837.

 

É precisamente nesta altura que José Teixeira, a quem passarei agora a chamar pelo nome por que ficou conhecido, José ou Zé do Telhado, resolve alistar-se, como mais atrás disse, no Serviço Militar.


Tinha então 19 anos.


Escolheu o Regimento de Cavalaria 2. 

Um Regimento de elite, os Lanceiros da Rainha, responsável pela escolta real, sendo aristocratas a grande maioria dos seus oficiais.

Corria o mês de Julho de 1837. Exatamente quando rebenta a Revolta dos Marechais. 

Eram, como sempre, inflamados Liberais contra determinados Absolutistas. 


Os Marechais eram os Absolutistas Saldanha e Terceira (apoiantes da Carta Constitucional de 1826), que a 12/07/1837 se sublevam contra o Partido dos Setembristas (Liberais, muito chegados à esquerda) adeptos da Restauração da Constituição Portuguesa de 1822.


Os Lanceiros alinham com as tropas dos Marechais revoltosos mas são desbaratados pelas forças leais ao Governo de D. Maria, sob o comando do Marquês de Sá da Bandeira, embora a muito custo, a 18/09/1837, nos combates no Chão da Feira de Ruivães. 

Tempos depois, na prisão, no Porto, disse José do Telhado a Camilo Castelo Branco, que nos conta isto em “As Memórias do Cárcere”: 

«Lá ouvi a cantiga das primeiras balas e algumas me queimaram o cabelo e vinham dizer-me ao ouvido que estivesse sossegado. 

O Barão de Setúbal disse-me uma vez que choviam balas e eu mostrei-lhe a lança e disse: cá está o guarda-chuva, meu general, deixe chover”.







Pelos seus actos de bravura naquele Chão da Feira e Ruivães o jovem soldado é nomeado ordenança do Barão de Setúbal, já no final do combate, perdido, na retirada para o Norte 



O Barão de Setúbal, General John Schwalback, vê-se obrigado a fugir para Espanha e leva Zé do Telhado como seu ordenança, que tinha intervindo com grande valentia no Combate de Ruivães, como reza um poema, não sei de quem, a ele dedicado: 


     “O Zé por lá continuou a lutar

     Nas batalhas de Ruivães e Chão da Feira

     Pancadaria da grossa

     Mas ele – nem uma mossa!

     Sempre à frente erguendo bem alto a bandeira

     Mas o fim não foi feliz

     Pois perderam por um triz

     E a revolta teve de ficar por ali

     E o Zé recambiado para o estrangeiro

     Exilado para Madrid”. 


A revolta termina oficialmente com a Convenção de Chaves, assinada a 20/09/1837. 

A caminho do exílio, o intrépido jovem recebe, inesperadamente, uma carta da sua amada prima Ana com a notícia de que o tio, finalmente, abençoara o seu casamento com o jovem pelintra, agora um valoroso militar, ordenança de um respeitado General. Estava reabilitada a honra da família 

O pedido de baixa do serviço militar foi imediatamente aceite pelo General Schwalback e rectificado pelo Barão de Vilar de Torpim, Comandante da Terceira Divisão Militar.



 

Casamento 


Dão início, certamente, a um período feliz das suas vidas entre 1837 e 1845. Oito longos anos. 

Não encontrei dados biográficos capazes de contar o que se terá passado de relevante na vida daquele tão jovem casal de namorados.





O que é certo é que parece terem-se casado no dia 3 de Fevereiro de 1845 nesta igreja de S. Pedro de Caíde de Rei, concelho de Lousada.

Foi uma boda excessiva para os gostos daquele rapaz humilde que preferia cerimónia mais recatada.

A noiva teve um bom dote, digno de pai abastado, para o comum dos aldeões. 









A casa onde Zé do Telhado viveu está situada na Freguesia de Mouriz, Município de Paredes. Ainda há alguns anos, servia de “boate” (hoje, discoteca) ou mesmo casa de alterne.





Hoje a casa está restaurada e aparentemente alberga um hotel.



A sua grande coragem e combatividade foram, um dia, postas á prova num incidente na Feira de Penafiel, em 1845. 

E logo com um homem que fará, para sempre, sempre parte da sua vida, daí em diante. 

Armou-se grande conflito entre diversos veraneantes, o que levou o nosso José Teixeira a intervir em defesa de alguém mais fraco ou com motivos de queixa contra alguém que o maltratava, sem razão. 

O mau da fita era nem mais nem menos o José Pequeno. Não se iludam com o nome porque o tipo era tudo menos pequeno, mas da alcunha não se safava. 

Este homem possante, sente, no meio da refrega, pela primeira vez e não seria a última, toda a destreza e força desmedida do seu opositor, levando-o a ter que dar monumental salto á retaguarda para escapar ao embate, que seria certamente o último da sua vida, se o sofresse. 

Em desequilíbrio, alguém percebeu o ínfimo momento de desatenção de José Teixeira e desfere-lhe valente paulada na cabeça que o deixa muito perto da morte, com o crânio aberto, com grande hemorragia. 

Foi Ana, sua mulher, que cuidou dele. Com tal esmero e carinho que o seu possante marido foi capaz de recuperar todas as forças. Mas só com os grandes cuidados da sua amada mulher é que o conseguiu.



 

Absolutismo


No país viviam-se os últimos anos do Setembrismo, com uma política Liberal de esquerda, (mesmo assim divididos, no entanto entre moderados e radicais) em oposição aos Liberais de direita, os “Cartistas”, apoiantes da Carta Constitucional de 1826. 

Também estes últimos tinham duas alas, uma mais moderada, (que respeitava a Constituição de 1838), e uma outra mais ortodoxa, (que defendia a substituição da Constituição de 1838 pela mais conservadora Carta Constitucional). 

Uma enorme confusão, como se vê, que a partir de 1842 dará origem ao Primeiro Cabralismo. Deu-lhe o nome António Bernardo da Costa Cabral. A situação durará até 1846. 










Bernardo da Costa Cabral, ex-advogado, ex-juiz de fora e ex-procurador régio, estreou-se como “setembrista” radical, para começar a entornar-se, depois de 1838, para a direita, acabando como figura principal da ala ortodoxa do cartismo. 

Costa Cabral deslocou-se ao Porto, em Janeiro de 1842, onde, com o apoio dos “cartistas” que tinham a maioria da vereação municipal, proclamou a restauração da Carta Constitucional. 



Deu-se de imediato um pronunciamento militar em Lisboa, de apoio, pelo duque da Terceira. A rainha D. Maria II volta a reinstituir a Carta e nomeia o duque Presidente de um novo Governo. 

Costa Cabral torna-se ministro do Reino e desde logo se comporta como o seu homem forte. 

E bem forte… 

Houve, na altura, um jornal (desconheço qual) que no dia “09/ 03/ ANNO 1843” onde se escreveu: 

« Appareceram as noutes passadas uns pasquins que dizem assim:

 

Em Lisboa, quem é Rei de Portugal ? Costa Cabral.

E no Porto, quem o é ? Seu mano Zé.

E então que faz a Raínha ?

É uma pobre, coitadinha.»

 

Optou por uma política, centralizadora, apoiada na “ordem e no desenvolvimento”, o costume… 

Para não se haver com opositores, cometeu irregularidades nos atos eleitorais e fechou o Parlamento durante meses, em diversas ocasiões. 

Resumindo, governou em ditadura, usando os processos habituais, limitando a liberdade de imprensa, com perseguições políticas e socias, com prisões arbitrárias e tudo o mais que os ditadores gostam e sabem fazer. 

Contra os protestos inevitáveis, numa sociedade que ansiava por liberdade, acabou por ir ao extremo do seu poder! 

Ordenou um grande número de prisões, deportações e saneamentos de civis e militares. 

Ordenou até o fuzilamento de todos os que fossem apanhados com armas ou estivessem envolvidos na revolta! 

Um livro aberto de bem governar em ditadura… 

José Bernardo da Silva Cabral, o seu irmão mais velho era ministro dos Negócios Eclesiásticos (Negócios Eclesiásticos?!) e da Justiça, desde 1845. Um tirano também. 

Inevitavelmente, a revolta popular surgiu...

Surgiu como que do nada, com as chamadas «Leis da Saúde». 

É o que normalmente acontece aos ditadores. 

Mesmo que façam alguma coisa bem, já ninguém os ouve. Odiados, já não há cabeça para distinguir o certo do errado e tudo passa a errado, mesmo que esteja certo. Foi o caso… 

As suas Leis da Saúde proibiam, de futuro, os enterros nas igrejas e obrigavam a sepultar os mortos em cemitérios. E só depois de uma certidão assinada pelo comissário de saúde, mediante um bilhete de enterramento. 

O povo não gostou de ver os mortos enterrados “ao frio e á chuva, nos cemitérios” (conforme realmente se queixavam…) nem achou necessária uma certidão de óbito para se autorizar um enterro. Burocracias 

Saiu aos Cabrais o tiro pela culatra… 

Entretanto, em casa do feliz casal, Ana e José do Telhado, nasce o primeiro filho, neste caso, uma menina.

Maria Josefa, a 7 de Novembro de 1845. 

Pouco depois, no início de 1846, dá-se a Revolta da Maria da Fonte, contra o Governo de Costa Cabral e o deixar os mortos “ao frio e à chuva”, coitadinhos 


Maria da Fonte - Roque Gameiro

 


Revolta da Maria da Fonte 


Esta Revolta, de 23 de Março de 1846, despoleta, em cascata, mais duas outras, muito importantes também. 

A “Emboscada”, a 6 de Outubro de 1846 e a “Patuleia”, dias depois… 

Vamos por partes… 

As primeiras escaramuças da Revolta da Maria da Fonte, dão-se em Janeiro e Fevereiro de 1846 nas freguesias da Póvoa de Lanhoso, seguindo-se muito rapidamente os concelhos de Braga, Fafe, Guimarães e Vieira do Minho. 

Consistiram basicamente em tentativas de sepultar, pela força, os corpos de pessoas recentemente falecidas naquelas comunidades, ilegalmente dentro das igrejas, como sempre o fora o hábito e não “ao frio e à chuva, nos cemitérios.

As coisas nem sempre corriam bem. Por vezes os enterramentos nas igrejas eram impedidos pela legal intervenção das autoridades. 

Acto contínuo, logo após um toque a rebate dos sinos da igreja, um sinal para chamar e juntar a malta toda, desatava tudo à chapada! 

Estas mini-revoltas populares eram normalmente organizadas por grupos de centenas de mulheres que usavam as suas alfaias agrícolas como autênticas armas, gritando ao mesmo tempo violentas palavras de ordem contra os agentes da ordem, contra as novas leis. 

De uma das vezes, quatro mulheres acabaram por ser mesmo presas e segundo reportou o Juiz de Direito da comarca de Póvoa de Lanhoso, Domingos Carvalho de Abreu, dias mais tarde, cerca de trezentas ou quatrocentas mulheres, “armadas de chuças, roçadouras, paus, forcados de ferro, machados, e algumas com armas de fogo, e no meio de cantarolas, vivas, e ameaças, assaltam a cadeia. 

Arrombam as portas e alçapão a golpes de machado, tiram as quatro presas, e às vozes de vivas à rainha, leis novas abaixo, e leis velhas acima, e morras a um dos ministros da Coroa, e vivas às mulheres, se retiram em triunfo […]”. 

A revolução, a partir de meados de Abril, acabou por passar a um nível superior, mais político, mais abrangente e a expandir-se a toda a sociedade. Passou a ser mais politicamente enquadrada, organizada, por aqueles que haviam perdido com a reforma dos Cabrais. 

Era a oposição Setembrista, os Miguelistas, até com o apoio de padres e abades, como Casimiro José Vieira, partidário da restauração absolutista e autoproclamado “defensor das cinco chagas e general comandante das forças populares do Minho e Trás-os-Montes”. O abade…OMG!!! 

As muitas guerrilhas, que entretanto se organizaram, entram também em cena.

A revolta das mulheres nas igrejas dá lugar a grandes actos, manifestamente terroristas, em sedes de Concelhos, edifícios de Administração Local, etc. Incendiados, tudo destruído. Substituição dos funcionários públicos por pessoas de confiança. Imensos populares fortemente armados em assaltos em Guimarães, Ponte da Barca, Barcelos, Fafe, Famalicão, Santo Tirso, Póvoa do Varzim, Vila do Conde, entre outras localidades, havendo também notícia de motins em Amarante, Guimarães, Viana do Castelo, em alguns concelhos de Trás-os-Montes (Boticas, Chaves, Montalegre), e mesmo em regiões do centro e sul do país, como Abrantes, Aveiro, Figueira da Foz, Peniche, Portalegre, Braga e vários outros. 

Barcelos acabou por tornar-se quartel-general dos rebeldes. 

Costa Cabral viu-se obrigado a tomar medidas firmes para dominar a revolta, ordenando à Divisão Militar do Porto que lhe pusesse cobro. 

Enviou igualmente o Regimento de Infantaria 16, de Lisboa, para o Porto. 

Para o Minho mandou o seu irmão, Silva Cabral, para dirigir as operações, munido de “poderes extraordinários sobre todas as autoridades civis e militares da sobredita província”.  

No início de Maio, diversos concelhos do País organizaram juntas governativas, sendo a primeira, no dia 1o de Maio, em Vila Real. 

Entretanto, no dia 7 desse mês, alguns deputados da oposição, como Almeida Garrett, Joaquim António de Aguiar e José Maria Grande, propuseram na Câmara dos Deputados que se enviasse uma mensagem a D. Maria II pedindo-lhe a demissão imediata do Governo 

Claro que, em minoria, essa proposta foi rejeitada. 

Porém, o fim do 1º Cabralismo deu-se mesmo, mas por cisão interna no seio do próprio Governo. 

Pouco depois, o duque da Terceira, como líder nominal do Executivo, num Conselho de Ministros, com a presença da rainha, “declarou impossível a continuação do conde de Tomar e de seu irmão no Ministério e que os movimentos populares se limitavam só contra os Cabrais” e não contra a Rainha ou a Coroa. 

 



A Emboscada


E, inevitavelmente,”, no dia 6 de Outubro de 1846, a Rainha provocou um autêntico golpe de Estado, a “Emboscada”, ao demitir o duque de Palmela e nomear um novo Governo presidido pelo duque de Saldanha, cartista, que procedeu a saneamentos de cabralistas e revogou várias leis, entre elas as “Leis da Saúde”. Mas, mesmo assim, não se acalma aquela revolta em que se vivia. 

E… dá-se, logo a seguir, mais uma revolta…três dias depois!



 

A Patuleia 


É uma guerra civil, originada pela “Emboscada”, que durou mais de 8 meses. 

No Porto, os Setembristas revoltam-se contra o novo Governo de Saldanha e a Rainha envia o Duque da Terceira ao Porto, a 9 de Outubro, mas quando lá chega é preso no Castelo da Foz. A 10 de Outubro, a Câmara, presidida por José Passos, nomeia, em sessão extraordinária, uma Junta Provisória presidida pelo Conde das Antas. As Juntas de quase todo o país unem-se à do Porto, contra o Governo da rainha. 

Os mais famosos chefes militares setembristas, estavam no Norte do país e aí se mantiveram fiéis à Junta. 

Eram eles o conde das Antas, do Bonfim e o Visconde de Sá da Bandeira. 

Do lado contrário, fiel à Rainha e a Saldanha, o Barão do Casal, Governador das Armas de Trás-os-Montes. 

E aqui, neste momento de forte agitação política, civil e militar, José do Telhado, não resiste e resolve, também ele, participar na Patuleia… 

É o que vos vou contar na 2ª parte desta história, sobre este irrequieto e dedicado homem às ideias liberais.



 

Não percam. Leiam aqui a 2ª parte


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compõem esta história, clique aqui.



Nota:

O logo desta história foi tirado de:

Companhia Jangada Teatro, de Lousada








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