Na Guerra do Ultramar - Vale: 1 Drambuie


Um leasing que resultou.

O primeiro leasing na Força Aérea Portuguesa!



Para reduzir despesas, durante a minha estadia no AB 6, Nova Freixo, 1968, aluguei uma casa a meias com outro jovem piloto, também casado e também com um filho bebé, mais novo que a minha filha de pouco mais de um ano.
 

Vivíamos os 6 numa simpática moradia com um grande quintal que confinava com o quintal de um MMA (Mecânico de Aviões). Este, menos jovem, tinha um filho de uns 11 anos que era regularmente mordido na barriga pela minha adorável filha que se abraçava a ele para o fazer.
 

Por mais que dissesse aos pais do miúdo para lhe darem uma palmada quando ela fizesse aquilo, nunca resultou. Até um dia em que ao puto lhe doeu mais e alçou da mão. 

Remédio santo…
 

Mas esta história tem a ver com o meu camarada e colega de casa.
 

Era comum os aviadores do AB 6 passarem os tempos livres na nossa casa.


A Vila de Nova Freixo

Muitas tardes e noites passámos na nossa sala de estar com quem estivesse “desempregado” naquele dia, em amenas tertúlias.
 

Normalmente a esvaziar umas quantas garrafas do que houvesse…Todos contribuíamos, como é óbvio, sem grandes contabilidades pessoais.
 

Havia no entanto uma garrafa sagrada! Garrafa que nunca ia à sala, mas que toda a gente sabia que existia. E não poder chegar-lhe era uma tortura que ia roendo muito boa gente.
 

O meu coabitante da casa tinha um tesouro líquido no quarto que não convivia com o restante álcool que por ali se consumia. 

Uma garrafa de Drambuie!
 

Lembro-me que nos últimos tempos que ali vivi costumava jogar crapô com um aviador muito elegante, vestido de branco e a fumar por uma comprida boquilha em marfim. Ele bebia gin tónico puro e eu vinho do Porto, ambos em grandes copos de água…
 

Ora há sempre um dia em que se baixa a guarda e as coisas precipitam-se muito rapidamente.
 

Deu-se o caso de o meu coabitante ter ido de férias com a mulher e filho, não tendo, no entanto, as nossas tertúlias abrandado.
 

Antes pelo contrário…

A garrafa de Drambuie começou a ser um elemento essencial desses convívios, vendo-me eu obrigado a assumir a condição de guarda dos preciosos bens do nosso colega, na sua ausência.
 

Mas a pressão era enorme. Até havia excursões á cama dele para ver a garrafa aninhada debaixo dela, praticamente cheia.
 

- Até dá gosto, pá…
 

- Desculpem lá mas eu não estou para me chatear com ele…
 

E um dia alguém teve uma ideia genial. Havia uma solução honesta, muito avançada para a época em termos económico-financeiros.
 
Fazer-se um leasing!

- Faz-se um leasing, pá!

Um leasing da parte do precioso líquido consumido, coisa que me pareceu um procedimento correcto, já que salvaguardava a legítima posse do bem cativo.
 

Ou seja, o pessoal, quando lhe apetecia, ia á garrafa, enchia um cálice normal seguido do seguinte rabisco num qualquer pedaço de papel:

- “Vale: 1 Drambuie” e assinava-o com assinatura legível e legítima, data e tudo e colocava-o debaixo da garrafa, esta sempre debaixo da cama.
 

Nada a dizer… A legalidade do procedimento pareceu-me perfeita.
 

E quando as férias acabaram, lá estava a garrafa, debaixo da cama, com todo o bem líquido agora transformado em leasing legalmente representado por um belo monte de vales por baixo do vasilhame.
 

Ele nunca me pediu explicações. Também não havia nenhum vale assinado por mim… E o conjunto dos vales representava um valor proporcional ao álcool consumido.
 

São estes expedientes que fazem o mundo avançar…
 

Mas nem sempre o bem que se possui está devidamente salvaguardado.
 

E a prova é que, mesmo que todos os requisitos legais tivessem sido cumpridos, o leasing do Drambuie resultou numa perca total do bem para o seu legítimo dono que não reclamou o líquido emborcado.
 

Um mecenas involuntário que, mesmo sem o desejar, proporcionou ainda assim bons momentos de convívio entre aqueles que sabiam como tudo iria acabar, enquanto saboreavam aquela preciosidade.

 

E eu nem gosto de Drambuie…
  




(Actualizada em 29 de Abril de 2014)





2 comentários:

  1. Bom dia Gabriel,
    Estivemos em Nova Freixo simultâneamente. O Gabriel como piloto FA e eu puto na 4ª classe. Lembro-me de muita coisa, do campeonato de futebol de salão que a FA ganhou, já vi por aí umas fotos de e descobri um personagem que nunca me saiu da memória. Um dos pilotos FA que num festival aéreo aterroou um D.O.(?Não tenho a certeza que fosse) em pouco mais de metade da distância entre os riscos marcados em frente à bancada improvisada que supostamente seria o que o aparelho precisava. Capitão Mantovani. O meu pai voava muito com ele, julgo que nos Piper Cherokee. Lembro-mo do Gil (tenente), do André (capitão), acho que o vosso tenente coronel era Araújo. Lembro-me das tainadas no bar base com marisco (do mar de Nova Freixo hehehe) e bifanas grelhadas. Lembro-me de alguns de voz (os forcírias) irem ao bar da messe do exército. Os T6 a passar no terraço desta messe do exército com as rodas a roçar o muro e a antena rádio amador do capitão (não me lembro do nome) a ficar aos bocadinhos. Memórias de puto filho de militar em que os FA eram os heróis.
    Não me lembro do Gabriel, pelo menos do nome e de certeza que não me vou recordar mesmo se um dia o visse.
    O meu pai encontrou o Gil em Vila Real numa volta a portugal e avioneta mas acho que foi a última vez que o viu ou até algum de vocês.
    É capaz de se recordar da minha irmã, Isabel que em 68 estava nos 19 anos.
    Foi fantástico ver fotos da época e acima de tudo nomes.
    Um abraço aqui do puto que este blogue está delicioso.

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  2. A história acima do DO no festival aério não se sei se posso chamar aterragem, o DO caiu na pista deu um salto caiu sobre uma roda da frente, saltitou sobre a outra e parou virado de frente para a bancada improvisada.
    Hehehehe

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