O sextante modificado por Gago Coutinho
e Sacadura Cabral, também
Por ser muitas vezes difícil, em voo, determinar com exactidão essa linha do horizonte, acrescentou ao sextante um nível de bolha de ar, na verdade um horizonte artificial, que permitia os cálculos baseados na vertical exacta do momento dessa medição, sem que esse valor se alterasse com as oscilações do avião.
Gago Coutinho e Sacadura Cabral adaptaram e simplificaram também todo o processo de cálculo das coordenadas normalmente usado na navegação marítima, com a criação de um algoritmo expedito que reduzia o tempo do cálculo e traçado duma Recta de Altura, tornando-o rápido e automático.
Sacadura Cabral também contribui, não só na simplificação dos cálculos como também na introdução de um pequeno dispositivo para calcular a direcção e a força do vento, o "corretor de rumos" (o "plaqué de abatimento") para compensar o desvio causado pelo vento.
Era, pois, um Sextante totalmente modificado e aperfeiçoado entre 1919 e 1938, ao qual Gago Coutinho chamava carinhosamente o seu «Astrolábio de Precisão», que incluia iluminação eléctrica e um óculo especial que focava simultaneamente o astro e a bolha de nível.
A História da Aviação ficou assim definitivamente marcada pelo contributo destes dois Oficiais da Marinha portuguesa que permitiu pela primeira vez uma Navegação Aérea astronómica, científica e de precisão, com todas as implicações na segurança, na economia e na segurança.
Desde aí até ao aparecimento dos sistemas electrónicos de navegação (o primeiro avião da TAP equipado com um moderno sistema destes foi o Boeing B747 introduzido em 1972!) o Sextante e os procedimentos para os cálculos abreviados, de Gago Coutinho foram a ferramenta essencial de navegação de toda a aviação mundial.
O sistema de Navegação que dois anos depois, em 1974, usava no B 747, o Inertial, era baseado em acelerómetros e dependia só da introdução, num pequeno aparelho, no cockpit, na consola entre os dois pilotos, antes da descolagem, das coordenadas do local de partida. Depois bastava introduzir, consecutivamente, os próximos nove pontos seguintes a sobrevoar, para a Navegação se fazer automaticamente. Uma maravilha da ciência de então, sem GPSs nem satélites...
No Boeing B 747 não havia observações astronómicas a fazer, mas era preciso ir preenchendo periodicamente os nove pontos seguintes, sucessivamente, até ao fim do voo.
Para satisfazermos
essa necessidade servimo-nos de recursos simples que não inventámos mas
apenas a adaptámos da navegação marítima e tivemos confiança em que levávamos
na mão os meios de irmos aos pontos, que eram etapas obrigatórias, sem
hesitações, que a escassez de combustível não me permitia.
Depois da viagem
aérea Lisboa Funchal ficou demonstrado que os nossos processos, adaptados da
nossa navegação marítima, como disse, eram os suficientes para demandar com
exatidão qualquer ponto afastado de Terra, por pequeno que fosse, recurso este
que se tornava muito essencial em uma projectada viagem aérea de Lisboa ao
Brasil.
Como princípios
fundamentais era preciso:
1º - As operações da navegação aérea deviam ser
fáceis e materiais, porque os navegadores aéreos não têm a experiência de
frequentes e largas viagens o que por enquanto se não tem realizado.
2º - Como o avião
marcha a grande velocidade, geralmente mais de 1 milha por minuto, essas
operações têm que ser também rápidas.
3º - Visto o avião, do alto, ter facilidade em reconhecer a terra, não é necessária grande precisão de navegação.
Da experiência das
nossas viagens concluímos:
A - A primeira
condição para se fazer uma boa navegação é haver boa disposição de espírito, e
por isso o espaço reservado ao navegador deve ser cuidadosamente preparado.
Tudo deve estar à mão, ocupando lugares apropriados, de modo a não cair nem se
perder, e ser cómodo e facilmente empregado.
B - Os métodos de navegação devem ser simples e ter-se prática suficiente para os executar quase que mecanicamente; um bom navegador aéreo só se consegue com muita prática. Não basta saber como observar e fazer os cálculos; é necessário ir preparado para rapidamente resolver com segurança quaisquer dificuldades, porque as velocidades das aeronaves são enormes e o combustível é limitado.
Em terra, o voar alto é uma necessidade para termos tempo de procurar um campo onde poisar em caso de pane. No mar, para pousar tanto faz que se vá alto como baixo, e por isso bastará voar à altura suficiente para, em caso de pane, haver tempo para fazer face ao vento e preparar para poisar."
O Corrector de rumos:
O corretor de
rumos (inventado por Sacadura Cabral) serve também para o estudo prévio de uma viagem pois que permite por
simples inspeção, fazer ideia da influência de um vento previsto.
Efetivamente, é
fácil, admitindo uma direção e velocidade do vento, avaliar imediatamente a
correção do rumo a fazer, e qual será a velocidade útil do avião.
Para medição do
abatimento empregamos sempre em viagem a boia de fumo, que é, como se
sabe, um flutuador, contendo fosforeto de cálcio, que ao cair na água se
inflama espontaneamente, produzindo um fumo branco, que se vê alguma distância,
e que fica marcando no mar um lugar por cima do qual se passou
A medição do
ângulo do abatimento pode fazer-se de bordo do avião, empregando o taquímetro
vulgar. Mas preferimos empregar uma graduação especial da cauda do avião, com
riscos bem visíveis de 5 em 5°, referidos a pontos de mira de um e outro lado
do observador. O processo é prático e preciso, sendo, como é natural,
necessário que o piloto previna o observador sempre que o avião vai exatamente
ao rumo, para ele então observar a marcação das boias.
Na navegação
astronómica empregou se, como a bordo dos navios, um cronómetro médio, que dá
a hora de Greenwich; e levávamos também um bom contador médio. Na previsão de
observações astronómicas de noite, tínhamos mais um cronómetro regulado para o tempo
sideral de Greenwich.
Para as observações astronómicas íamos prevenidos com o mesmo sextante de alumínio, que já serviu na viagem à Madeira, o qual permitia observar alturas, tanto em horizonte de mar, como os sextantes vulgares, como em horizonte artificial de nível de bolha de ar, recurso este que está sendo adotado nas aviações estrangeiras.
O sistema de horizonte artificial, que levamos, já foi pormenorizadamente descrito nos anais do Clube Militar Naval de 1919. Em princípio, adaptado ao sextante um pequeno nível de bolha de ar, cuja imagem se traz, por meio de um espelho, a mesma direção em que se fazem as observações no horizonte de mar: sobre essa imagem do nível, vista por trás do espelho horizontal, que é furado, se aplica a imagem do astro. E como a distância do olho do observador à imagem virtual da bolha do nível é igual o raio do mesmo nível, basta fazer a coincidência de imagens em qualquer ponto do campo, respeitando-se assim o antigo princípio fundamental do emprego do sextante."
Apesar de tanta ciência e de tanto trabalho e empenho, o carácter irreverente de Sacadura Cabral comparava ironicamente o corrector de rumos desenvolvido por si e pelo seu camarada aos “elixires que os charlatães costumavam oferecer no Terreiro do Paço, de tal modo as suas aplicações eram numerosas”...
Vejam aqui este filme da
"Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul" (Duração: 08:20)
Índice da Travessia
1 - Preâmbulo a toda a história
1a - Os Antecedentes, os Homens envolvidos e os Aviões utilizados.
1b - O voo do capitão-tenente Read
1c - A Travessia feita pelo capitão Alcock e pelo tenente Brown
2 - Aviões empregues nestas travessias
2a - A escolha do avião para a Travessia Lisboa . Rio de Janeiro
3 - Primeiro raid aéreo Lisboa - Funchal
4 - O sextante modificado de Gago Coutinho (Capítulo actual)
5 - Breves biografias de Sacadura Cabral e Gago Coutinho
5a - Artur de Sacadura Freire Cabral
5b - Carlos Viegas Gago Coutinho
5c - As Ordens Militares atribuídas
6 - Preparativos para a viagem
7 - O voo de Sacadura Cabral e Gago Coutinho entre Lisboa e o Rio de Janeiro
8 - As homenagens no Brasil e o regresso a Portg al
(Actualizada em 8 de Abril de 2022)
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