PEDAÇOS DE VIDA – Cor Mira God III - Preparativos para o 11 de Março

 


Preparativos para o 11 de Março


Coronel Piloto Aviador António Mira Godinho

 

Quem é este homem cujo papel no dia 11 de Março de 1975 foi preponderante?

Antes de mais e acima de tudo, é Amigo meu, como já disse em: “Como foi o 25 de Abril de 1974”.

Devo dizê-lo para que se saiba que vos vou falar de alguém que teve um percurso polémico mesmo ao virar do 25 de Abril para o esquerdismo revolucionário do 11 de Março, que foi quando a Revolução dos Cravos esteve mesmo a virar para a Revolução dos Cactos, com a Reforma Agrária, as nacionalizações, como a da Banca, o ataque á embaixada de Espanha, onde se destruíram inúmeras Obras de Arte, os juramentos de Bandeira de punho fechado, a tentativa de se anularem as “inúteis eleições” para a Assembleia Constituinte, para quê, já havia a democracia do Povo que é quem mais ordena e por aí fora. Eleições! Para quê?!




Houve até um feudo ultra-revolucionário onde tudo acontecia no escuro das trevas de uma sociedade pseudo libertária onde, de início, claro, ninguém mandava e eram todos entusiasticamente livres, mas desde que não fossem contra aquela salganhada político-social em que se embebedavam.


Era a Herdade da Torre Bela, propriedade da família real de Bragança, do Duque de Lafões, D. Miguel de Bragança, o legítimo proprietário, com 1700 hectares, na Azambuja, a maior herdade murada de Portugal.



Povoada, entre outros grandes revolucionários, por alguns como estes:




- Luís Banasol, um convicto militar revolucionário, capitão, que aos ocupantes disse: “Não devem estar á espera que saia um decreto a dizer que vocês podem ocupar. Vocês ocupam e a lei há-de vir”. Depois da desocupação da herdade, em 1977, translada-se para a Ericeira.

- Um tal Wilson Felipe, O líder mais popular da ocupação. Arvorava, com enorme orgulho de vítima da sociedade reaccionária, uma pulseira de ouro, dois anéis de ouro e sapatos bicudos. Tinha sido preso em 1971 por ter assaltado o banco Pinto Magalhães, na Avenida de Roma, em Lisboa. Foi libertado, este oprimido revolucionário, com a Revolução dos Cravos. Encerrada a cooperativa, virou vendedor de camiões.

- Camilo Mortágua, antifascista da LUAR, assalta bancos para financiar o combate á ditadura. Também luta pelo sucesso da Torre Bela, a do Povo e não a do Duque.



- Uma Maria Vitória, «a mulher das azeitonas» com as mãos em sangue pela colheita das ditas no meio de cardos e silvas, apanhando-as das sobras. Corta com uma vida sem sentido, a sua, abandonando a família e o marido para se dedicar, entusiasticamente, àquela falhada república, que nem bananas tinha…

Para o registo da História do nascimento utópico de um nada democrático estado novo (não confundir com o outro, agora defunto) uma equipa do cineasta alemão Thomas Harlan abandona uma assembleia do Regimento de Artilharia 1 em Lisboa, mais tarde o célebre RALIS e corre para aquela herdade quando souberam que ia ser ocupada.

A ocupação deu-se no dia 23 de Abril de 1975.







Durante 18 meses, o alemão e a sua equipa filmaram tudo. Tudo e na hora.

Porém, porém, aquela mini “República Popular” da Herdade da Torre Bela foi-se alterando (o exemplo perfeito de como Portugal, no seu todo, se ia transformando também) e de “uma ocupação selvagem feita pelo bom povo espoliado”, passou-se a uma ditadura comunista com todos os tiques que se lhe conhecem. E o pobre alemão não tardou a perceber que todos aqueles sinceros e inocentes ocupas tinham sido a pouco e pouco enredados num círculo vicioso a que já não conseguiam escapar, sujeitos ás ordens de quem agora regia aquela musculada comunidade.



Até ele passou a ser suspeito de espionagem e traição e até a ser acusado de agente da CIA!...


Nos últimos 400 anos, a Torre Bela tinha sido uma tapada de caça para a nobreza, mas não só.

Era densamente arborizada, com centenas de hectares de eucaliptal e uma abundante fonte de vida para milhares de animais semi-selvagens.

Com o 11 de Março transformou-se numa “sovietizada” cooperativa agrícola.

Foi, entretanto, vendida a particulares cujos interesses económicos levaram a considerar que o melhor era "plantarem" um gigantesco parque de painéis fotovoltaicos o que implicava o fim do habitat para centenas de javalis.




Organizou-se então uma vistosa caçada, em Dezembro de 2020, paga a peso de ouro, para apenas 16 participantes, que em poucas horas abateram 540 daqueles pobres animais, que viviam no país errado…na civilização errada.

O eucaliptal pode, finalmente, ser também abatido e grande parte da Herdade ficou completamente desertificada, ou melhor, foi fotovoltaicalizada.


Presumo, espero, que no Além, eucaliptos e javalis se tivessem voltado a encontrar...


Mas antes disso, do 11 de Março de 1975, houve muita preparação. O dia 11 de Março estava programado e tudo foi acontecendo como ia sendo planeado, dia a dia, metódica e dissimuladamente.

 

 

Preparativos para o dia 11 de Março de 1975

 

Nesta história, estamos agora em finais de 1974, inícios de 1975. 

Comecei por dizer que o Coronel Piloto Aviador António Mira Godinho é meu amigo e nessa condição trocamos, agora, vários e-mails, a propósito desta data. E-mails que vou utilizar nesta história.


Num deles, escreve-me: 

«A fractura no seio do MFA ia-se agravando. Depois dos Juramentos de Bandeira no RALIS, em que se prestava juramento pelo Socialismo, da posição extremada tomada pelos Oficiais aquando da crise gerada pela entrada do Major Varela Gomes (apareceu indevidamente fardado de Coronel nas instalações militares a que pertencia), que estaria a ser promovido a Coronel, mas ainda não o tinha sido, porque ainda não tinha sido promulgada essa promoção em Ordem de Serviço do EME. Foi feita uma ameaça pelo Cap. Diniz de Almeida, de efectuar uma nova revolução, se o Varela Gomes fosse punido.

A causa próxima para essa fractura, terá sido uma decisão que estaria a ser tomada pelo conselho da revolução, da possibilidade do MFA, se tornar um partido, ou eventualmente o adiamento das eleições legislativas, previstas para o 25 de Abril de 1975, tal como o programa do MFA o determinava, com a consequente entrega do poder aos Partidos Civis.

Outro facto que determinou a causou a fractura e integridade das Forças armadas, foi a criação dos Conselhos de Especialidade, para análise e julgamento de todos os Oficiais dos Quadros Permanentes.

Na realidade essa apreciação, em muitos dos casos, incidiu em razões políticas, por vezes de revanchismo pessoal. Recordo aqui, que no Conselho de Especialidade onde estive presente, congregando os Pilotos Aviadores e os Pilotos Navegadores, que durou cerca de três semanas, constatei a tentativa de saneamento de alguns Oficiais, por alegadas razões de mau feitio. As reuniões dos Conselhos de especialidade, terminaram numa Sexta-feira, antecedente ao 11 de Março.

Só um parêntese, para te informar a ti Gabriel, que nesse conselho fui considerado a Ala direita, porque na realidade tinha demonstrado ao longo das muitas apreciações o meu desacordo total.

Um dos casos referia-se ao Coronel Piloto Aviador António Quintanilha, por alegadamente ter mau feito…

Em muitos casos contestei as decisões de sanear ou “congelar” alguns dos Oficiais, por achar, primeiro que nem todos os Oficiais a serem apreciados, eram conhecidos por nós, e teríamos que apreciar e decidir, acreditando ou aceitando as alegações a serem feitas.

Sei que terminei as aturadas sessões de "apreciação", desgastado e como teria que regressar a Tancos, na Segunda-Feira, pensei seriamente em não o fazer, alegando um estado psicológico deveras abalado.

Muito sensatamente, o assunto foi discutido em Família e ficou assente, que seria melhor coordenarmos uns dias de repouso no fim da semana seguinte, de modo que conseguíssemos, coordenar com as escolas de meus filhos. E foi assim que fui para Tancos na Segunda-Feira seguinte.



(Agora o parêntese é meu: o Coronel Piloto Aviador António Quintanilha fez o Curso de piloto de caça a jacto nos Estados Unidos. Nesse curso, com oficiais das Academias de vários países, incluindo os dos USA, ele obteve o 1º lugar. Este Coronel Quintanilha tinha um irmão gémeo, igualzinho a ele, o Luis, com o mesmo curso feito e o mesmo mau feitio.





Pois bem, foram estes dois homens de mau feitio que foram os meus instrutores em T33 na Base Aérea da Ota 12 anos antes, em 1963. Mau feitio? Gabo-me de ter sido o 1º piloto da nossa Força Aérea que fez aquele curso todo com eles, sem pedir para mudar de instrutor a meio do curso, por não aguentar mais o mau feitio de ambos.

Eu aguentei!

E fiquei também em 1º lugar…).







Sumário dos capítulos desta história: 

1.          O que foi o 25 de Abril de 1974.

2.          O Movimento dos Capitães

3.      Preparativos para o 11 de Março (Esta história)

4.      11 de Março de 1975

5.      Fuga para Espanha e Brasil

6.      Preso num Seminário, em Braga

7.      Da prisão à liberdade

8.      Programa do MFA









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