PEDAÇOS DE VIDA – Cor Mira God VII – Da prisão à liberdade

 


Da Prisão à Liberdade






Logo à chegada à minha cela de isolamento, fui mimado por um guarda prisional, um títere, que à boa maneira pidesca, me mandou baixar as calças e as cuecas, para ver se eu tinha armas no ânus. 

Pobre energúmeno e cobardola, que confrontava e tentava atemorizar todos os presos políticos. À boa maneira de uma polícia ditatorial e sem qualquer respeito pelos presos políticos, o que era um procedimento contraditória ao do programa do MFA.

Eu tinha sido considerado desertor numa assembleia vergonhosa do MFA, uma semana depois do 11 de Março de 1975, no dia 19.

Seria nessa condição que fora preso.

Estive em isolamento total cerca de um mês, valendo-me uma Senhora Enfermeira do posto médico, que, com os maiores cuidados, me conseguia manter, com a troca de pequenas mensagens, em contacto com a minha Irmã e até com muito custo, um livro da história de Portugal, que devorava, sempre que podia. 

Não fui ouvido, não tinha culpa formada, à boa maneira da "democracia", que nos tinha sido prometida. 


Entretanto, ao fim do dia 24 de Novembro, tive uma visita inesperada do Major Piloto Aviador Arlindo Dias Ferreira, que pertencia a um curso mais antigo do que o meu e com quem mantinha relações muito cordiais. A coberto dessa cordialidade existente, apercebi-me que ele pretendia saber algumas informações de ligações de alguns Oficiais das Forças Armadas com o MDLP. Perguntou-me, sobre Ramalho Eanes, Jaime Neves e mais alguns. 

Após quase um mês em isolamento e sem muitos contactos, excepto nas minhas idas ao posto médico, recordo que ao fim de poucos minutos até sentia algumas dificuldades em falar, mas apercebi-me que algo de estranho se estaria a passar, através de uma ou outra informação que os meus vizinhos me iam avançando. Na realidade, os outros presos que estavam noutras celas, não estando em isolamento, tinham notícias, que havia uma movimentação e até um confronto de forças, 


Era o 25 de Novembro em marcha. 

Percebi que na realidade, algo se estava a passar, resultando até no abrandamento da vigilância, o que permitia que os meus vizinhos tivessem algumas manifestações de regozijo, com os acontecimentos. 

E dois dias depois, tive o privilégio de ter o Cmdt do Forte, o primeiro tenente da Armada Xavier, que se lembrou !!!!!!!!, que eu estava em isolamento, e muito pressuroso veio visitar-me, referindo a sua preocupação, pelas situações criadas no seio das Forças Armadas, e lamentando a minha situação. 

Três dias depois, creio que pela injecção de democracia, que o 25 de Novembro tinha imposto, fui transferido para uma cela, onde estavam os Oficiais Superiores; Generais Kaúlza de Arriaga, Damião, Schultz, Tavares Monteiro e o Almirante Tenreiro. 

Nunca mais esquecerei a maneira como todos me receberam, como se fosse um filho. Tinham uma disciplina e regras muito sólidas, com as tarefas diárias na cela distribuídas de acordo com uma escala. 

Senti a camaradagem e o carinho que me dispensaram, libertando-me de todas as tarefas. Sempre que eu tentava fazer alguma delas, proibiam-me. 

Passei a ter recreios, onde encontrava todos os outros Oficiais que ainda estavam presos e que estavam na cela ao lado da minha. 

Poucos dias depois, o Senhor Almirante Tenreiro, despediu-se de todos nós, pois tinha sido autorizado a uma saída precária e muito em segredo, confidenciou, que era com a intenção de o deixarem " fugir" para o Brasil. Segundo creio, foi a solução que encontraram, para a ilegalidade e abuso de poder antidemocrático, pois mantiveram o Senhor Almirante sem qualquer culpa formada. Exactamente o contrário do que era o espírito do 25 de Abril, e que muitos dos responsáveis por esta situação, ainda hoje são mencionados como arautos das liberdades.  










Entretanto e depois de algumas recusas por parte de alguns advogados, face ao ambiente que se vivia, a minha Irmã conseguiu que o Dr. Francisco Sousa Tavares aceitasse defender-me. E foi assim que fui ouvido pela primeira vez pelo dito Tribunal Revolucionário. Senti que tudo aquilo era uma encenação democrática, e recordo que o Dr. Francisco Sousa Tavares abanava a cabeça e sorria perante todo aquele processo antidemocrático a que estava a assistir. Na realidade até hoje, estou à espera das consequências dessas inquirições. 



A situação em Dezembro de 1975, no Forte de Caxias, era caótica. Estavam presos alguns elementos do MRPP, e de implicados no 25 de Novembro. 

A noite de 31 de Dezembro, foi hilariante. 

A Esquerda, tinha organizado uma vigília de apoio aos seus militantes, e a dada altura, o grupo de manifestantes em coro gritavam: ATENÇÃO, ATENÇÃO, seguido de slogan de apoio aos seus apaniguados, ao que o grupo de presos do partido, gritando também ATENÇÃO, ATENÇÃO, a que se seguia um período de silêncio e a resposta das cantorias e slogans revolucionários. 


Até que alguém do nosso grupo, aproveitando a onda, se lembrou de sabotar todo o sistema. 


E então também gritávamos ATENÇÃO, ATENÇÃO, seguido de um silêncio sepulcral e aí começávamos a trocar slogans ofensivos, gritando alto e em bom som. 

E a partir daí, era a bagunçada total, pois já ninguém sabia quem era quem, e trocávamos mimos.

E assim se passou uma passagem de ano muito animada.  


Gradualmente, todos os presos políticos, que tinham estado presos, alguns mais de um ano, foram sendo libertados, e só um pequeno grupo de Oficiais, foi transferido para o Presídio da Trafaria.



     O edifício comprido junto ao Tejo

Nesse grupo estavam os Generais Kaúlza, Tavares Monteiro, Damião e os Oficiais que tinham participado no 11 de Março.

Gradualmente, foram, também, sendo libertados, ficando ali presos, ainda, o Primeiro Tenente da Armada Benjamim de Abreu e eu


(Aparte meu:

- foi aqui que vim visitar o Tó Mira Godinho, num dia em que tive como "recepcionista" o General Kaúlza de Arriaga...)


A Marinha, tomou a iniciativa de transferir o Benjamim para o Hospital da Marinha e só fiquei eu. Passados poucos dias, também fui transferido para o Hospital da Força Aérea, mantendo a situação de preso com sentinelas à porta do meu quarto. Até que nos primeiros dias de Abril de 1976 e seguindo uma política de troca de presos, entre implicados no 11 de Março e 25 de Novembro, fui libertado.

Fui assim moeda de troca com o Major Arlindo Ferreira. 


Fiquei a aguardar julgamento em liberdade, na situação de expulso das Forças Armadas.


     Ericeira, onde o Coronel Piloto Aviador António Mira Godinho vivia (Foto minha de Mar 2023)

Dois anos depois, no dia 21 de Fevereiro de 1978, fui reintegrado, com a data de retroactividade de 25 Abril de 1976., tendo-me sido subtraído um ano e pouco, com a alegação que não havia Constituição, até ao 25 de Abril de 1976.

 

Reintegrado, mas fora do serviço, aguardando julgamento, com a restrição de não poder entrar em Unidades da Força Aérea. 

A 17 de Julho de 1979, fui reintegrado ao serviço, tendo sido colocado no I.G.F.A., mantendo a restrição de entrar em Unidades Operacionais. 

A 12 de Novembro de 1979, fui colocado na Base Aérea 6, podendo continuar a minha actividade de piloto, continuando a aguardar julgamento e com a restrição de não poder comandar Esquadras Operacionais. Fui aguentando, pois pretendia ser julgado e pacientemente suportando todas estas restrições. 


Em princípios de 1980 fui informado de que, pelo processo do 11 de Marçotinha sido amnistiado.







Pedi para ser recebido pelo C.E.M.F.A., General Lemos Ferreira, a quem informei que não pretendia aceitar a Amnistia concedida.

O CEMFA, disse-me, que tinham sido os acontecimentos do 11 de Março e como tal, eu não podia deixar de aceitar.

Pedi ao Senhor General, que então me deixasse sair da Força Aérea, pois tinha aguentado todas as restrições, com o intuito de ser julgado, além de que até ao momento, eu estava sofrendo uma penalização, pois todos os elementos do meu Curso, já tinham sido promovidos a Tenente-Coronel, o que não acontecia comigo.

O General Lemos Ferreira, de imediato, deu instruções ao seu Chefe de Gabinete para que eu fosse promovido, colocando-me nos Açores a comandar a Esquadra de Helicópteros.



Fiquei muito grato pela compreensão, mas na realidade eu não me sentia em condições de continuar ao Serviço sem enfrentar o julgamento. 

E em 1 de Julho de 1980, passei à Licença Ilimitada, ficando sem auferir vencimentos. 

Em Dezembro de 1981, tinha de optar e pedi a passagem à Reserva, ficando a partir dessa data a receber o meu vencimento. 

Em 1991, atingindo a idade para a reforma, fui reformado no posto de Tenente-Coronel. 


Posteriormente e ao abrigo do Decreto-Lei 197/2000, a minha Carreira Militar foi reconstituída, depois de apreciada por uma Comissão presidida pelo General Hugo dos Santos, tendo sido promovido a Coronel, posição que hoje assumo na condição de Reformado. 




Sumário dos capítulos desta história: 

1.      O que foi o 25 de Abril de 1974.

2.      O Movimento dos Capitães

3.      Preparativos para o 11 de Março

4.      11 de Março de 1975

5.      Fuga para Espanha e Brasil

6.   Preso num Seminário, em Braga

7.      Da prisão à liberdade (Esta história)

8.      Programa do MFA










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