A fuga
para Espanha e Brasil
Na B.A 3, em Tancos, o ambiente começava a deteriorar-se. Sentia-se até que haveria dentro da Base quem estivesse a manobrar a situação. Estavam na Base cerca de uma centena de militares, a fazer a Recruta, a quem foram distribuídas armas e a dada altura era evidente a sublevação.
Começaram a partir os vidros dos carros civis de alguns que estavam connosco. E valeu-nos, os fuzileiros que estavam armados e tomaram posições de combate. Lembro do Rebordão de Brito, um dos Fuzos que foi à Guiné-Conacri, que gritou bem alto: “Quem der mais um passo, disparo!”
E aí aquela horda, deu passos, mas para trás.
O Benjamim de Abreu, o Corvo, o Horta o Anaia e o Alpoim Calvão, tudo gente que tinha estado em Conacri, impuseram respeito e lá fomos para os helis. Eu ainda pensei, mas sair, porquê. Só que havia o Gen Spínola, a esposa, a sobrinha, bem como Brigadeiro Morais, Comandante da Região Militar Centro, que esteve desde o início e era um Spinolista.
Tomei a decisão de sair.
Fui à Esquadra e disse a todos os que tinham entrado na Operação, que tinha sido tomada a decisão de abandonar a Base e ir para Espanha. Ainda que eles tivessem cumprido as minhas ordens, o que eu assumia, se quisessem poderiam seguir-nos.
Nenhum o fez, porque na realidade eu próprio só fui para poder proteger os helis, já que a dada altura a horda queria invadir a placa, ainda com os Fuzileiros a proteger-nos. Se houvesse alguém que tivesse disparado um tiro naquela altura teria havido ali uma tragédia. E foi quando, estando a embarcar todos os elementos, que descolei com o canhão, e avisei a torre de controle, que se houvesse alguém que tentasse entrar na placa que disparava.
Quando fui para o heli, perguntei a um dos mecânicos se tinham desencravado o canhão. Foi aí que eles me disseram qual o problema, da sabotagem do heli. Descolámos creio que quatro helis, um canhão pilotado por mim, outro pelo Zúquete da Fonseca, que transportava o general Spínola, outro pelo Coronel Quintanilha e outro pelo Cor Amaral. E fomos para o Regimento de Paraquedistas.
Aí, mais em segurança, foi tomada a decisão de saída para Espanha. O Cap. Paraquedista António Ramos, numa atitude de muita dignidade, resolveu ficar, pois o Irmão, a cunhada e os seus filhos ficavam e ele não os abandonava.
E lá fomos. O destino inicial, como não houve briefing, ficou à decisão de cada um.
(Agora um aparte meu:
Acrescento eu agora que nesse dia 11 de Março de 1975, andava pelo
Norte, de férias, no meu Datsun 1200, com a Mãe dos meus filhos.
Na rádio ouvi notícias do que se passava pela zona do Ralis,
o tal quartel onde o “Fitipaldi dos Chaimites” (como chamavam ao capitão Dinis
de Almeida) comandava os mais amotinados do dia.
Morando eu nos Olivais e com uma filha pequena que ia para a
Escola Primária a pé, perto daqueles perigosos acontecimentos, resolvi voltar de
imediato a casa.
Ao passar em Pombal, parei numa estação de serviço para
beber um café. Ao balcão estava já um muito bem vestido cavalheiro, fato azul
de corte impecável, gravata de qualidade e emblema de ouro na lapela do casaco.
O emblema era a foice e o martelo do PCP. Aproveitei e
perguntei-lhe se sabia o que se passava, explicando-lhe a razão da minha
curiosidade.
Pois aquele muito selecto cavalheiro, reconheci-o mais
tarde, era um dos mais ilustres deputados do PCP (não me lembro do nome, mas
pela descrição que faço dele não deve ser difícil a identificação, para quem
viveu naqueles anos).
A resposta surpreendeu-me. Especialmente no dia seguinte. Porque ele disse-me o que se estava a passar e como iria acabar. O senhor sabia tudo…)
Continua o Cor Mira Godinho:
Inicialmente pensei ir para Sevilha, mas não tinha mapa e com o canhão, decidi ir para Badajoz, e comuniquei a todos os outros.
E lá fui a rapar sem mapa, na realidade não estava nada preparado, para o que quer que fosse. Como os outros helis eram mais rápidos, o canhão retira cerca de vinte a trinta Nós â velocidade, a dada altura estava isolado sem saber bem onde estava e fui a farejar.
Passei a fronteira, não muito longe de Badajoz, mas sem saber onde estava.
Foto actual |
A dada altura vi um carro da polícia Espanhola. Creio que já tinham sido avisados do que se estava a passar, e aterrei perto deles e foi o Carlos Simas que desceu e lhes foi perguntar para que lado era a Base Aérea de Talavera la Real.
Não estávamos muito longe e com a garantia que estávamos em terras de Espanha, subimos e lá nos dirigimos para a Base, onde já estavam os outros helis e, sem rádio, pois não sabia a frequência, fui aterrar ao lado dos outros.
Brasão de armas da Base |
Bem recebidos pela Base, tivemos à noite um Jantar em que estavam
todos os Oficiais da Base, incluindo o Comandante.
Soubemos que o governo de Vasco Gonçalves exigia a nossa extradição, mas toda a
Força Aérea Espanhola se pôs ao nosso lado e disseram que não o permitiriam.
No dia seguinte, chegou um avião, parecido com o Dakota, bimotor, que nos levaria para Madrid a fim de embarcarmos para o Brasil.
O Gen Spínola pediu asilo político para todos nós, mas a situação em Espanha também estava um pouco complicada, Franco ainda era vivo, mas já estava muito debilitado e em Espanha temia-se o que sucederia após a sua morte, como na realidade se veio a registar passados poucos meses.
Lembro-me de um Capitão espanhol, Afredo Kindelam, neto de um Herói da Guerra Civil de Espanha, que me deu um fio com uma cruz, que pertencera ao seu Avô, para que me protegesse. Ainda hoje gostaria de encontrar esse AMIGO.
Outro facto que gostaria de mencionar, em Espanha havia também problemas nas Forças Armadas, e temia-se que nos fizessem uma armadilha, e dizendo que iriamos para Madrid, nos transportassem para Portugal.
E foi uma parelha de jactos, creio que F-5, que nos escoltou até Madrid, dizendo pela rádio, que se houvesse alguma tentativa de nos transportar para Portugal que abateriam o avião.
Foi-nos confirmado, que o Governo Espanhol tomara a decisão de não nos conceder asilo político, porque havia um acordo de extradição, com o Governo Português e eles preferiram enviar-nos para o Brasil.
Chegados a Madrid, aterrámos em Barajas.
Já tinham sido despejados do DC-10 da Ibéria, que ia para o Rio de Janeiro, alguns passageiros, para que o nosso grupo entrasse.
Recordo-me da maneira fraternal e amiga como fomos tratados a bordo.
Alguns dos membros da tripulação tinham histórias dos seus Pais ou Avós que tinham sido mortos ou sofrido com a Guerra Civil, e trataram-nos com muito respeito e carinho.
Chegados ao Rio de Janeiro, soubemos que o Governo Brasileiro não nos concedia asilo político, alegando que o pedido só fora efectuado pelo Governo Espanhol muito tarde.
Estivemos ainda umas horas dentro do avião.
Não nos deixaram sair e foi decidido pelo governo Brasileiro que nos transportassem para Buenos Aires.
Desembarcaram todos os passageiros, ficando só o nosso grupo a bordo.
E foi assim que chegámos à Argentina.
E lá esperámos a decisão do pedido de asilo ao Governo Argentino.
A resposta foi que permitiam a nossa entrada, mas que ao cabo de dois dias teríamos que sair, não nos concedendo asilo.
E foi aí que o General Spínola ainda recebeu os representantes do Chile e da República do Congo.
O Gen. Spínola, a ambos agradeceu, mas disse que não poderia aceitar, para não servir de argumentação de conotação política com governos de ditaduras de direita.
Entretanto no Brasil, levantou-se um grande apoio a nosso favor, muito devido ao Jornalista Doutor Carlos Lacerda, que se empenhou em pugnar para que o asilo nos fosse concedido. Alegava, que o Brasil tinha dado asilo ao Gen Humberto Delgado, ligado á Oposição de Esquerda contra o Dr Oliveira Salazar.
Que também se tinha concedido asilo ao Almirante Américo Tomaz e ao Doutor Marcelo Caetano, depois do 25 de Abril, e que seria de toda a justiça que o Governo nos concedesse asilo.
Passámos mais uma noite em Buenos Aires, no avião DC-10 da Ibéria.
E foi no dia seguinte que seguimos para o Aeroporto de São Paulo.
Foi-nos concedido
asilo político, com restrições muito grandes, sem a possibilidade de acedermos
à Nacionalidade Brasileira e sem grandes apoios.
Aqui um pensamento muito forte de gratidão para os
Tripulantes do vôo da Ibéria,
pela maneira como nos apoiaram.
Passados uns dias fomos para o Rio de Janeiro, onde a extensa comunidade Portuguesa e Carlos Lacerda nos apoiaram. Sem acesso à dupla Nacionalidade.
Até que um dia algo de inesperado aconteceu:
- um jornaleiro radialista da rádio Portuguesa, resolveu ofender o Governo Brasileiro.
Esse verme, resolveu dizer que não passaria mais música Brasileira, enquanto o Governo Brasileiro não nos extraditasse para Portugal.
A resposta foi rápida e a adequada e aquela que aquele verme merecia.
No dia seguinte, ao contrário do que estava estabelecido entre os dois Governos, o Brasil concedia-nos a Nacionalidade Brasileira.
Com essa possibilidade, aceitaram a nossa experiência e o Zúquete da Fonseca e eu, na posse da Nacionalidade Brasileira, tivemos acesso à Licença de Voo Brasileira e arranjámos de imediato emprego numa empresa de helicópteros.
Aí tomei uma decisão, da qual não me arrependo. Falei com o General Spínola, e disse-lhe que tinha arranjado Emprego e que estava decidido a aceitar, a não ser que me mandasse para Espanha, e colocar-me à disposição do MDLP, para lutar em Portugal.
(Aparte meu:
- Nessa altura encontrei-me com o Tó uma ou duas vezes no Rio de Janeiro, eu, meio clandestino, durante estadias minhas de serviço como co-piloto de Boeing B707 da TAP)
Tinha demasiados Amigos presos em Portugal e não podia aceitar ficar no Brasil.
E foi assim que, a 3 de Setembro de 1975, cheguei a Madrid.
Para me juntar aos meus Amigos e Companheiros de luta.
Fiquei num quarto com o
António Quintanilha, à disposição do Movimento.
Sumário dos capítulos desta história:
1. O que foi o 25 de Abril de 1974.
3. Preparativos para o 11 de Março
5. Fuga para Espanha e Brasil
6. Preso num Seminário, em Braga
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